No Carnaval, me lembro tanto da favela,
onde ela, oi, morava...
Tudo que eu tinha era uma esteira e uma panela,
mas ela, oi, gostava...
E hoje eu ando pelas ruas da cidade, vendo que a felicidade
foi a vida que passou...
E que a favela, que era minha e que era dela, só deixou muita saudade,
pois o resto ela levou...
Bons tempos aqueles em que as favelas davam samba; e belos sambas. Atualmente, nem mais podem ser chamadas de favela. Está se usando, mais politicamente correto, o termo “comunidade carente”.
Mas, aí é que não dá samba, mesmo...
Há mais de vinte anos, quando viemos morar no Brooklin, a favela das Águas Espraiadas cortava, como uma cicatriz, toda região. Do Rio Pinheiros ia ao Aeroporto, e daí prosseguia.
Havia poucas passagens para atravessá-la. Uma destas era a Av. Portugal, ainda com duas mãos. Lembro-me que ela se estreitava, passava-se de carro sobre a ponte, subindo para o Jardim Cordeiro.
Apesar de não ser uma visão agradável, jamais fomos incomodados pelos favelados. De vez em quando, alguém tocava a campainha, pedindo algo e tudo bem.
Mas, a região da Berrini progredia rapidamente. Os terrenos se valorizaram, não havia mais espaço para barracos, cada vez mais empurrados para fora pelos novos edifícios.
Aí, veio a Av. Roberto Marinho e, o que era um rio de tetos de zinco, virou um leito de asfalto, singrado por cardumes de carros e caminhões. Não havia volta, para a favela.
Uns poucos remanescentes ficaram enrustidos, à sua margem.
Mais para as bandas do aeroporto, longe do burburinho da Berrini.
Mas, com a aldeia de Asterix na Gália, cercada pelos romanos, um pequeno núcleo de resistência persistiu. E por bom tempo.
O “Jardim” Edith...
Resumida no final a um pequeno morro (artificial), a favela viu-se cercada pelos imensos edifícios pós modernos de Bratke e Collet.
O Centro da cidade deslocava-se para ali. E a favela resistiu...
Veio a imperatriz de nossas emissoras de TV. E um enorme heliporto. E a favela resistiu.
Grandes shoppings, cadeias de luxuosos hotéis internacionais...O Jardim Edith, do alto de seu morrinho, olhava desafiante tudo isso com indiferença, na sua precária e petulante feiúra.
Davi de papelão e compensado, encarando os Golias de concreto.
Paradoxal e heróica, uma excrescência dissonante na região.
Mas, para tudo há limite. Veio então a Ponte Estaida, convertida imediatamente em cartão postal da cidade, contrastando violentamente com a favelinha ao fundo. Não era mais possível.
E aí, a resistência acabou.
Os entendimentos devem ter sido demorados, com os moradores.
Mas o final foi rápido; Inda pouco lá estava; e quando passei no outro fim de semana, pouco tinha sobrado.
O morro enegrecido, como se uma bomba de napalm ali tivesse caído; umas poucas ruínas restantes.
De noite, uma solitária luz lá dentro. Talvez um único e teimoso morador, disposto a resistir até a morte, ou, mais provável, um vigia do que restou.
Logo, nada mais do estranho morrinho restará; ponto de ouro, cobiçado pelas construtoras, logo será palco de novo e grandioso lançamento, anunciado em todas as esquinas do Brooklin.
E da favela, que era minha e que era dela,
só restou muita saudade, pois o resto ela levou...
Por Luiz Simões
onde ela, oi, morava...
Tudo que eu tinha era uma esteira e uma panela,
mas ela, oi, gostava...
E hoje eu ando pelas ruas da cidade, vendo que a felicidade
foi a vida que passou...
E que a favela, que era minha e que era dela, só deixou muita saudade,
pois o resto ela levou...
Bons tempos aqueles em que as favelas davam samba; e belos sambas. Atualmente, nem mais podem ser chamadas de favela. Está se usando, mais politicamente correto, o termo “comunidade carente”.
Mas, aí é que não dá samba, mesmo...
Há mais de vinte anos, quando viemos morar no Brooklin, a favela das Águas Espraiadas cortava, como uma cicatriz, toda região. Do Rio Pinheiros ia ao Aeroporto, e daí prosseguia.
Havia poucas passagens para atravessá-la. Uma destas era a Av. Portugal, ainda com duas mãos. Lembro-me que ela se estreitava, passava-se de carro sobre a ponte, subindo para o Jardim Cordeiro.
Apesar de não ser uma visão agradável, jamais fomos incomodados pelos favelados. De vez em quando, alguém tocava a campainha, pedindo algo e tudo bem.
Mas, a região da Berrini progredia rapidamente. Os terrenos se valorizaram, não havia mais espaço para barracos, cada vez mais empurrados para fora pelos novos edifícios.
Aí, veio a Av. Roberto Marinho e, o que era um rio de tetos de zinco, virou um leito de asfalto, singrado por cardumes de carros e caminhões. Não havia volta, para a favela.
Uns poucos remanescentes ficaram enrustidos, à sua margem.
Mais para as bandas do aeroporto, longe do burburinho da Berrini.
Mas, com a aldeia de Asterix na Gália, cercada pelos romanos, um pequeno núcleo de resistência persistiu. E por bom tempo.
O “Jardim” Edith...
Resumida no final a um pequeno morro (artificial), a favela viu-se cercada pelos imensos edifícios pós modernos de Bratke e Collet.
O Centro da cidade deslocava-se para ali. E a favela resistiu...
Veio a imperatriz de nossas emissoras de TV. E um enorme heliporto. E a favela resistiu.
Grandes shoppings, cadeias de luxuosos hotéis internacionais...O Jardim Edith, do alto de seu morrinho, olhava desafiante tudo isso com indiferença, na sua precária e petulante feiúra.
Davi de papelão e compensado, encarando os Golias de concreto.
Paradoxal e heróica, uma excrescência dissonante na região.
Mas, para tudo há limite. Veio então a Ponte Estaida, convertida imediatamente em cartão postal da cidade, contrastando violentamente com a favelinha ao fundo. Não era mais possível.
E aí, a resistência acabou.
Os entendimentos devem ter sido demorados, com os moradores.
Mas o final foi rápido; Inda pouco lá estava; e quando passei no outro fim de semana, pouco tinha sobrado.
O morro enegrecido, como se uma bomba de napalm ali tivesse caído; umas poucas ruínas restantes.
De noite, uma solitária luz lá dentro. Talvez um único e teimoso morador, disposto a resistir até a morte, ou, mais provável, um vigia do que restou.
Logo, nada mais do estranho morrinho restará; ponto de ouro, cobiçado pelas construtoras, logo será palco de novo e grandioso lançamento, anunciado em todas as esquinas do Brooklin.
E da favela, que era minha e que era dela,
só restou muita saudade, pois o resto ela levou...
Por Luiz Simões
10 comentários:
Beleza de crônica Saidemberg, Favela oi, Favela
Favela do meu coração
Hoje quase mais nada resta dela,
Já não te vejo da minha janela,
e hoje aquela favela
é só ruinas caidas no chão.
Lindo muito lindo, parabèns
Poética homenagem Luiz!
Me lembrobem desse pedço de nossa Sampa.
Faz muito tempo que por alí não passo, acredite, não conheço a Ponte Estaiada, ms sua cronica acendeu em mim a vontade de alí votar. Farei isso brevemente.
Saidenberg:
Desfazem os barracos, e muda-se a favela.Não solucionam o problema.
Uma ponte que já nasceu obsoleta. Vai de nenhum lugar a lugar nenhum.
E mais uma vez o povão miserável, sem condições financeira e sem condições dadas pelo poder público, vai sendo empurrada para rincões distantes.
O local se modifica na região. Mas a vida dos que antestes estavam lá, continua a mesma... E a Globo se apodera de uma porção de terra e a cerca fazendo o seu estacionamento...
Belo texto!
Abração,
Natale
Pois é, Luiz!
Bom mesmo será o dia em que as favelas (ups! Perdão: as comunidades carentes) deixarem de existir porque os seus habitantes conseguiram um novo local para viver com dignidade e um pouco de conforto. Bom mesmo será o dia em que as favelas (ups! Perdão: as comunidades carentes) deixarem de existir por não haver mais necessidade delas. Enquanto esse dia não chegar... vamos nos encantando com crônicas tão belas como esta com que você nos presenteou. E vamos nos desen-cantando cada vez mais com os homens do governo que não governam de verdade para os mais necessitados. Que a essas pessoas só reservam as bolsas-esmolas e os restos, restos até mesmo de locais ainda não ambicionados por outras pessoas, estas, as mais favorecidas...
Abraço.
Agradeço muito. As favelas brasileiras são um universo sem fim. Como foi dito, elimina-se uma, multiplicam-se outras, como cogumelos, pois o grande problema da miséria nunca é tratado com o devido respeito. E a esses governantes demagogos interessa a manutenção do analfabetismo e ignorância, que lhes colocam nas mãos imensa "massa de manobra". Que é, como "comunidade carente" para favela, um outro nome para nosso povão. E Don Miguel, vc precisa dar uma volta por aqui sim, pois a cidade transforma-se violentamente nesta região. Abraços.
Olá,Luiz!
Embora eu também tenha saudade dos tempos de outrora, quando podíamos andar pelas ruas sem medo e quando não tinham muitos prédios, ainda su a favor do progresso...
Enteno que, pelo próprio crescimento das cidades, os perímetros acabam abrangendo o alto...cresce-se para cima e para os lados, empurra-se daqui, ajeita dali e os centros urbanos se ampliam e desapropriam...
É a lei do "progresso" ditando normas.
Que pena que os orgãos governamentais se esquecem de cuidar dos menos favorecidos e fingem que não os vê...
Durma-secom um barulhos destes, nãoémesmo?!
Adorei seu texto!
Obrigada.
Muita paz!
Para se acabar com uma favela é muito fácil... É só chegar numa moradora, que tem filho e não tem marido, é perguntar: Quer uma casinha de alvenaria para morar com seus filhos? Então é só colocar fogo no barraco e pronto. Foi o que aconteceu com uma favela na AV Dr. Cardoso de Mello na Vila Olímpia anos 1960. Dito pelo próprio dono do terreno que não conseguia tira-los de lá. No dia seguinte o terreno estava cercado e pronto. Aquela favelinha que restou ali na Berrini resistiu muito, e meu caminho quando vou para minha casa. E na brincadeira dizia para minha mulher. Esta demorando para essa favela ter um incêndio. E um dia nos noticiários da TV, vi a noticia que os barracos viraram cinzas.
Muita poesia, encantamento, paixões alucinadas e por aí a fora. Sua escrita, Luiz, poéticamente, contas a resistência de núcleos da pobresa e miséria a desaparecer. Seu texto, impecável, sublime e encantador, explorando o lado sentimental da situação, deixa um sabor nostálgico, fugindo totalmente da realidade. Realidade cruel que submete comunidades a situações de desamparo, carentes das mais elementares nescesidades do ser humano. Há poucos anos atraz, estive no Rio,(depois de décadas) e senti uma tremenda angústia tamanho o crescimento das favelas em todas as direções. É uma verdadeira chaga no horizonte de nossa sociedade. Mas, estamos aqui pra apreciar sua escrita que é por demais encantadora, repito, muito bem distribuida nos seus parágrafos, num progresivo constante da resistência de seus ocupantes, docilmente tratados por vc, dando a entender que elas, desaparecendo (as favelas), é pra seu próprio bem. Parabéns, Saidenberg.
Modesto
Muito obrigado, e muito especialmente ao gentil Modesto. De fato, a favelinha estava completamente deslocada na região, como uma ferida exposta- símbolo das mazelas paulistanas. Não podia ficar ali, mesmo, e hoje está completamente terraplanada. Breve, novas construções, mas não sei o que serão. Grande abraço.
Luiz, como sempre a tua brilhante pena rabisca textos espetaculares, só me resta complementar com um velho samba que diz: "Favela oi, favela, favela que trago no meu coração, ao relembrar com saudade, a minha felicidade, favela do sonho de amor e do samba-canção", parabéns, abraços, Nelinho.
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