imagem: Nydia Licia
O
ano era nos primórdios da década de sessenta. Eu vivia, ainda, os eflúvios de
uma juventude plena de aventuras e emoções.
Um
dia, enchendo-me de uma segurança não muito comum, tomei a decisão de
participar de uma seleção de atores que iria ser realizada no Teatro Bela Vista
por Nydia Licia, a dama do Teatro.
Reconhecendo
que a coragem não era tanta, resolvi convidar a Maria de Lourdes Seraphim -
irmã do velho e querido Bola e uma de minhas atrizes do GATO (Grupo Artístico e
Teatral Ozanan) – para me acompanhar nessa audaciosa e pretensiosa missão.
No
sábado aprazado para o acontecimento lá estávamos, eu e ela, na plateia do
teatro aguardando a hora de sermos avaliados. A presença de minha acompanhante
era necessária para que eu não viesse desistir no momento do teste.
Pronto,
Nydia Licia mais o administrador do teatro, Sr. Renato, e um magrelo que me foi
apresentado como sendo o diretor Libero Miguel, devidamente a postos, iniciaram
a chamada. Notei que os nomes eram chamados sem qualquer critério, não era
obedecida ordem alfabética ou de chegada. A sorte lançada recaia em algum nome
e, depois de alguns testes, recaiu no meu nome.
Levantei
meio trêmulo e me encaminhei para a ribalta. O temor de ser avaliado,
artisticamente, por uma musa do teatro, afogueava-me o corpo todo como se
tivesse me acometido uma febre mortífera. Os joelhos amoleceram e teimavam em
não sustentar as pernas. Respirei profundamente e me coloquei à frente dos meus
examinadores.
Nydia
Licia me perguntou, então: E aí, Miguel, trouxe alguma coisa preparada?
Sem
me dar conta, respondi: Não, senhora. Não sabia que seria preciso.
-Não
faz mal – ela disse- leia este texto; e me passou umas folhas de papel sulfite
impressas.
Era
uma poesia de Vinicius de Morais e li fazendo a melhor interpretação possível.
Terminei a leitura e fiquei olhando para ela que, sem qualquer sinal de
aprovação, pediu-me para sentar na plateia e aguardar.
Simplesmente
obedeci e, em silêncio, passei a assistir os testes dos outros candidatos.
Eram
muitos os que buscavam serem selecionados, além deles, outros já tinham sido
escolhidos, entre eles estavam Osmar Prado, Marcelo Gastaldi, a cantora Tuca –
cuja morte precoce abalou o meio artístico -, e o grande ator Alceu Nunes.
Olhando
esses nomes, eu comecei a curtir a possibilidade da minha dispensa e, graças a
Deus, ela não aconteceu. Ao final da tarde Nydia Licia me chamou e disse que eu
fazia parte do grupo Teatro para a Juventude.
Aleluia!
Começamos
os ensaios. Era uma revista com diversos temas e autores. A direção de Libero
Miguel com a supervisão de Nydia Licia foi sensacional e, em poucas semanas,
estávamos prontos para a estreia,
Chegou,
então, o momento da divulgação e fomos escalados para uma entrevista na TV. Era
um programa que deu o formato, anos depois, para o Programa do Jô.
O
Programa Silveira Sampaio, no último horário da TV Record, já era sucesso e nós,
eufóricos, nos dirigimos aos estúdios da Rua da Consolação para a tal
entrevista.
Nydia
e Libero, nos prepararam para dizer apenas o necessário e não quebrar o
encantamento da estreia.
Estávamos
todos dentro do estúdio, aguardando o Programa entrar no ar quando, na porta de
entrada do estúdio, surgiu a figura de um sambista que estava na crista da onda
na ocasião. Jair Rodrigues também seria entrevistado.
O
sambista, como sempre alegre e saltitante, cumprimentou a todos e quando bateu
os olhos na minha pessoa, parou e deu uma sonora gargalhada.
Eu,
quando percebi sua presença, tentei me esconder, mas fui pouco criativo na
tentativa.
Aqui,
esta narrativa merece um pequeno parágrafo explicativo: Na época, eu boêmio
inveterado, tinha como companheiro das noitadas uma penca de outros boêmios e,
entre eles, Jair Rodrigues, que estava iniciando sua caminhada solo.
Não
deu outra, a figura saiu do local em que estava e veio, a passos largos,
abraçar seu amigo de noitadas. O ti-ti-ti foi intenso, as brincadeiras ruidosas
e continuas.
A
direção de TV pediu silêncio; nós não respeitamos e continuamos o papo e as
risadas.
Não
deu outra, o Miguel (pouco ou nada conhecido no meio) foi convidado a se
retirar do ambiente e o Jair, avisado que se não fizesse silêncio, seguiria o
mesmo caminho.
O
programa foi para o ar, o Miguel perdeu a chance de aparecer na TV, mas ganhou
muito cartaz como amigo íntimo de Jair Rodrigues.
Sei
que hoje, depois da distância que nossos caminhos tomaram, a lembrança dessa
amizade já não povoa a mente do sambista, mas a minha memória não se perdeu no
tempo e eu me orgulho muito de ter sido companheiro desse patrimônio nacional.
Com
ele tive várias passagens e, na medida do possível, escreverei sobre elas.
Salve Jair, salve amigo, salve TV Record, salve Teatro para a Juventude, Salve
a vida, salve tudo, salve o Chico Barrigudo.
Por
Miguel Chammas
9 comentários:
Oieee...
Passagem interessante de sua via...
Naquela ocasião não deu certo a empreitada, mas, quem sabe você poderia ter tentado outras vezes... Ter investido mais na carreira artística, lutado por um oportunidade, por um espaço?!
Quem sabe, também, ainda há tempo para conversar com Jair Rodrigues e recordar juntos estas passagens... Será que ele não lembra?
Valeu!
Muita paz! Beijossss
Miguel,
sabia por alto das suas aventuras artísticas, mas aqui elas ficaram melhor explicitadas. Que honra! Ser escolhido pela própria Nídia Lícia para integrar o Teatro para a Juventude! Pena mesmo é que você não tenha dado continuidade no meio teatral. Quem sabe, hoje, não seria um dos monstros sagrados, amado pelo Brasil inteiro e respeitado em todos os lugares?!
Quanto ao Jair Rodrigues, não tenho tanta certeza que ele não se lembra mais dos amigos de boemia! Quem sabe, num encontro, vocês não reatariam a antiga amizade? Não custa tentar! E ele me parece uma pessoa bastante acessível, além de esbanjar carisma e simpatia. Pense nisso!
Abração.
Pô, camarada Miguel, o teatro brasileiro e, possivelmente, o cinema e a televisão perderam um galã. Te imagino, por exemplo, atuando em O Machão, novela escrita pelo gaúcho Sérgio Jockymann (baita jornalista) e exibida pela Tupi entre 1974/75:
Rede Tupi apresenta O Machão - Um Exagero de Homem.
Estrelando: Miguel Chammas!
Uau!!!
***
Menos mal que a carreira de ator não decolou em razão do teu encontro delicioso com Jair Rodrigues, além de excelente intérprete, um boa-praça, ao que tudo indica. Valeu a recordação.
***
A propósito, estou lendo a biografia do Marcos Rey - um dos maiores escritores do Brasil. Como você e o Jair, era também um boêmio paulistano. Me pergunto se não topaste com ele em alguma madrugada perdida...
(PS: pretendo escrever alguma coisa sobre o livro para o Memórias de Sampa e assim pagar a promessa que fiz para a Soninha).
Um grande abraço, camarada.
Miguel, olha só a chance que surgiu, devia ter insistido um pouco mais, mas cada um sabe o que faz. Duvido que o Jair esqueceu o passado, não custa tentar um aproximação, nem que seja por e-mail.Muito legal seu texto, vamos aguardar novas peripécias da sua juventude. Um abraço.
"Miguel I, o Impoluto", passei por essa tremedeira também, mas não cheguei a fazer o ceucial teste; foi na escolha do elenco para o Arena conta Zumbi. Preciaam de negros ara o elenco e eu fui tentar. Fila enorme e eu comecei a pensar: 'o que é que eu estou fazendo aqui?'. Fui para a Xavier de Toledo e tomei o último bonde para Pinheiros... O teatro, assim, perdeu um grande ator (KKKKK). Outra tentativa: a TV Record anunciou que precisava de redatores para o humorismo; escrevi 6 sketches e encaminhei de acordo com as instruções. Não aconteceu nada, claro, mas alguns dos meus textos foram usados, chupados 'verbum ad verbum' em alguns programas... Desisti de vez!!!! Só voltei a escrever quando descobri o SPMC e o Memórias...
Abraço do Ignacio
E eu vi o Miguel no palco do Teatro Bela Vista, na Rua Conselheiro Ramalho. Lembro-me muito bem do Osmar Prado num dos esquetes e eu já o conhecia dos teleteatros juvenis da TV Paulista (canal 5, da Organização Vitor Costa); se não me engano, Miguel contracenou com Marcelo Gastaldi.
E, para quem não sabe, Miguel era o produtor, diretor, roteirista e ator no GATO. Bem que ele me convidou para participar, mas eu não tinha talento para o palco; ficava só na plateia com muita vontade de estar no palco, mas me divertia muito.
Uma carreira tão incerta... nem sempre os que projetam são os melhores. Além do talento e batalha, é preciso ter estrela! Conheço pelo menos dois atores que não desistiram do teatro, mas trabalham nos bastidores, como professores de teatro. O importante é estar no meio, de que modo for, pois só assim sabemos das oportunidades em primeira mão.
Suas experiências devem ter sido gratificantes! E espero ter a oportunidade de poder ler mais sobre a sua história de vida!
Beijus,
Miguel, eu desconhecia esta sua inclinação para a vida artística, sem dúvida ser escolhido pela Nidia Lycia foi uma vitória mas, até certo ponto foi bom pois talvez nós hoje não estaríamos privando de sua amizade, abraços, Nelinho.-
Não deu certo, né, Miguel.
Mas não importa muito. Ficou uma bagagem e tanto de memória artística e de personalidade. A fama, quando acontece, esgota-se rápido. O que fica, o que importa são as histórias para contar.
Gostei demais!
Abração,
Natale
Postar um comentário