imagem: Rua Antonio Lobo - Penha
Era muito trabalho para Dona Linda, minha mãe, por esta razão a
tia Maria, que morava no Jardim Penha, estava sempre em casa para ajudá-la a cuidar
dos seus nove filhos. Morávamos na Rua Antônio Lobo, no bairro da Penha de
França, e minha mãe não dava conta de lavar, passar, cozinhar, limpar e tantas
outras atividades que uma família grande como a minha precisava, ainda bem que
esta tia podia ajudá-la a tomar conta do pequeno batalhão. Claro que meu pai
havia combinado um salário, a condução e outras coisas que ela viesse a
precisar, afinal de contas, tínhamos seu carinho com muita exclusividade.
Elas conversavam muito, minha mãe e a tia Maria que estava sempre
alegre a nos ajudar em tudo que precisávamos. Muitas vezes eu as via conversando baixinho,
mas eu estava sempre atenta nestas conversas que certamente minha mãe não
queria que escutássemos.
Certa vez, ouvi em uma destas conversas que uma vizinha apanhava
constantemente de seu marido. Eram surras que judiavam e marcavam física e
moralmente esta mulher. Isso acontecia porque ele parava em um bar para beber
uma birita após o trabalho, mas acabava bebendo em excesso. Depois, ele descia a
nossa rua cambaleando e as paredes das casas funcionavam como guia e apoio ao mesmo
tempo. Alterado pelo álcool e já em casa, falava mal, batia em sua mulher e,
depois da discussão, ainda jogava com desprezo o prato de comida que com
certeza era feito com carinho, no chão.
Depois de um tempo, quando estávamos maiores, minha mãe acabou nos
contando casos que haviam acontecido no passado com algumas mulheres que
moravam na redondeza e dois deles ficaram retidos em minha memória. No
primeiro, a mulher levou tantos chutes de seu marido nas costas que acabou com
um rim danificado que precisou ser retirado. O segundo caso foi o de uma mulher
que sofria maus tratos e que, para piorar a situação, acabou pegando
tuberculose, então seu marido a abandonou levando sua única filha. Depois de um
tempo, essa mulher sem tratamento algum, sem recurso e na miséria, acabou
morrendo. Esta mulher chamava-se Ana; nunca esqueci seu nome. As lágrimas
sempre marejavam os olhos de minha saudosa mãe quando comentava sobre este
fato.
Outro caso era o da mulher de um advogado que era mantida presa em
sua própria casa. Ela saía raramente e apenas na companhia de seu marido e
nunca cumprimentava as pessoas, pois seu olhar era fixo no chão, acho que por
ordem de seu marido. Ela tinha uma aparência muito estranha apresentando certa palidez.
Os cabelos pretos eram presos e cobertos por uma tela e suas roupas eram sempre
escuras com mangas e saias longas, chegava assustar a todos.
Naquele tempo, as mulheres eram usadas para o trabalho domestico
ou então para trabalhos de baixo escalão e sem segurança alguma quando precisavam
ajudar no sustento da família. Totalmente desprotegidas e sem leis que as
amparassem, não tinham muita saída a não ser aguentar tudo isso.
Todos
estes casos contados pela minha mãe eram, na verdade, o produto de uma sociedade
machista e que desvalorizava descaradamente a mulher.
Graças à
união de muitas mulheres e muita persistência as nuvens negras foram-se
diluindo e, aos poucos, foi surgindo uma nova sociedade, transformada com o
decorrer da história e que hoje reconhece, dignamente, a mulher como a grande
doutora nos diversos setores da vida e da nossa sociedade. O respeito aos seus
direitos, ao seu trabalho e a sua vida ganharam um enorme espaço.
Hoje
presto uma homenagem em especial àquelas mulheres que sofreram e lutaram por
uma vida melhor e mais digna e que hoje já não se encontram mais aqui.
Aproveito
para estender os parabéns àquela mulher que não foge a luta, não tem medo de
assombração, nem de escuridão. Àquela de sabedoria única, de força, de
paciência grandiosa e que não teme esconder sua afetividade que flui livremente
dentro da sua alma.
O dia
que foi dedicado à mulher é um marco de muita tristeza, mas que reflete a nossa
maior alegria pelo espaço ganho e que foi construído ao longo de tantos anos.
Um abraço
com carinho a todas as mulheres da cidade de São Paulo.
Por
Margarida Peramezza
8 comentários:
Olá, Margarida!
Sua história retrata a realidade de muitas mulheres, de todos os tempos e não só daqui, do Brasil, como do mundo todo.
Desde os primórdios dos tempos as mulheres foram subjugadas, discriminadas, violentadas... sofridas.
A humanidade ainda tem uma longa caminhada em direção à igualdade, fraternidade, solidariedade, que tanto nosso planeta necessita.
Chegaremos lá, com certeza!
Triste, mas linda sua história.
Valeu, amiga!
Muita paz! Beijossssss
Marga, os "machos" ousados e valentões, já estão sendo deslocados de nossa sociedade.
É verdade que essa atitude ainda é morosa e que levará um grande espço de tempo para se instalar definitivamente, mas o início já aconteceu.
Eu abomino essas atitudes e me sinto enojado quando delas tenho conhecimento.
Mesmo por que, eu tenho a graça divina de ter ao meu lado uma mulher de fibra e de muito amor.
Tdu texto é um brado de alerta e deve ser respeitado.
Valeu amiga!
Margarida!
Que belo relato, o seu! Me fez lembrar das histórias que eu também ouvi quando criança e já adolescente, cheguei mesmo a presenciar. Homens que tratavam suas mulheres como seres inferiores, com direito apenas ao trabalho doméstico e ao cuidado dos filhos. Sem qualquer outro direito, nem mesmo o da palavra, pois quando seus "donos" não autorizavam elas abaixavam a cabeça e se mantinham caladas. E muitas que eram surradas, algumas brutalmente, ficando com marcas pelo corpo todo. Isso ainda acontece, em pleno século XXI, mas está em vias de extinção pelo empenho, pela coragem, pela persistência de todas essas mulheres que você homenageia com seu belo texto.
Talvez não cheguemos a testemunhar um tempo em que absolutamente todas as pessoas convivam em paz e em harmonia, com direitos iguais e sem qualquer tipo de dominação, discriminação ou brutalidade. Mas sabemos que caminhamos para isso.
Parabéns, Margarida!
Abraço.
Margarida, antigamente as mulheres eram realmente tratadas como escravas, sómente serviam para lavar, passar e fazer comida, felizmente as coisas começam a mudar, maridos violentos tem que ser preso sem fiança para aprender que a mulher não é saco de pancada para aturar homem bêbado.-
Marga, vc expôs em carne viva as injustas e degradantes situações em que a mulher era (ou ainda é, em alguns casos, não se pode ser radical pois o inverso também ocorre), espezinhada por covardes e machões que agiam dessa forma acobertados pela embriaguez mal curtida do mau bebedor. Gostei muito do seu relato, Marga, parabéns pela escrita bela, como sempre. Um forte abraço.
Modesto
Soninha, Miguel, Zeca, Nelinho e Modesto. Muito obrigada pelos comentários. Modesto, bem lembrado o inverso também existe.
Um beijo para todos.
Peramezza:
Lendo o teu texto, pensei em uma peça de teatro. Peça cujo conteúdo e dramaticidade as tornaram imortais.
A peça é sempre a mesma.As personagens são as mesmas, só os atores mudam à cada temporada e através dos anos.
Nós,espectadores,assistimos, nos emocionamos e calorosamente aplaudimos ao cair do pano... Saimos para a rua e em pouco tempo esquecemos.
Uma Peça chama-se MULHER. Uma peça para nunca ser esquecida. Mas esquecem...
Até as mulheres esquecem. Vivem repetindo a si mesmas que "assim foi, assim é assim será"...
Certa esteve, está e estará Simone de Beauvoir: Só a mulher pode elevar a mulher aos patamares de direitos e igualdade que têm os homens.
Simone, je suis d'acord! Vous êtes perfait!
Adorei o texto!
Abração,
Natale
Peramezza:
Cometi um errão. Ia escrever a frase no Plural e mudei para o singular e... Deixei o resto no plural.
Leia-se:
"Peça cujo conteúdo e dramaticidade a tornou imortal".
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