Que barulho é este? Veio daquele lado.
Perguntando e respondendo, ao mesmo tempo.
Todos olharam na mesma direção, olhos
arregalados e enigmáticos. O medo pairado no ar.
Tem bambuzal logo ali, portanto, tem saci.
Foi ele quem fez o barulho. Peralta demais e disposto a promover uma bagunça
daquelas. Foi o saci.
Todos se juntaram ainda mais, protegendo-se
mutuamente. A conversa ia solta, ao redor da imensa fogueira no quintal enorme
da chácara da Bisa, em Santa Teresinha, interior de São Paulo, cidadezinha próxima
à Garça. Nas noites frias e com céu estrelado daquele Julho longínquo, depois
do banho tomado e ainda sentindo o sabor delicioso do jantar preparado no fogão
a lenha, sentávamos ao redor da fogueira para ouvirmos os “causos” engraçados e
os relatos fantasmagóricos de todos os participantes. Cada um tinha uma
história pra contar e, cada uma delas, era mais aterrorizante que a outra.
Por mais que teimávamos em cantar as canções
da época e as mais antigas, a conversa sempre convergia para o sobrenatural.
O vento colaborava fazendo farfalhar as
folhas e galhos das árvores, provocando arrepios variados, de frio e de medo. O
trepidar das chamas da fogueira fazia-nos enxergar um sem números de imagens,
exageradas pela nossa imaginação.
À noite a história é sempre diferente.
Novo barulho e mais forte fez alguns de nós gritarmos
junto com muitas gargalhadas dos mais velhos. Eles adoravam assustar a
criançada e as primas, vindas da cidade grande, acostumadas com outros
estereótipos de monstros e fantasmas.
Os meninos mais velhos faziam questão de
cenografar a história e, previamente, até colocavam manchas de sangue feitas com
os famosos molhos de tomate e o caldo da beterraba. Sempre depois de nós, que já
estávamos sentados ao redor da fogueira, se aproximavam aos gritos, mostrando o
falso ferimento, dizendo terem sido atacados pelo lobisomem ou pelo Zé bicudo
do velho casarão da estradinha.
Depois de serem socorridos e fartos de verem
nossa cara assustada com lágrimas de dó e medo, eles caiam na risada sem o
menor escrúpulo. É certo que também levavam uns bons petelecos das tias, mas,
nada era capaz de tirar-lhes o prazer de ver a cara de todos.
Quando as chamas da fogueira já se recolhiam
ao descanso, deixando brasas maravilhosas e convidativas para assar batatas, a
Bisa nos alertava que já era hora de dormir. Fazia-nos tomar outro banho para
tirar o cheiro da fumaça e mangava dos pequenos para não fazerem xixi na cama.
Fiquei a recordar esta e outras tantas
passagens de minha infância, enquanto embalava em meus braços, minha filhinha,
meu bebê que não queria dormir, na sala de minha casa, na Vila Prudente.
Sinto saudade daqueles velhos tempos de
férias escolares quando podíamos passar o mês todo em casa de cada um dos parentes
que moravam no interior.
Sinto saudade, também, dos meus filhos
pequeninos. O tempo passou muito rápido e eles cresceram e se tornaram adultos.
Velhos tempos, belos dias.
Por Sonia Astrauskas
9 comentários:
Soninha, viajei com seu relato! Lembrei-me quando fui conhecer Sertãozinho terra de minha mãe. Meus primos aprontaram e me assustaram com suas histórias fantasmagóricas.
Valeu amiga! Um texto muito bem escrito e delicioso de ser lido. Bjos / Bernadete
Meu bem, ainda hoje esse ar de menina medrosa, por muitas vezes assoma seu semblante.
É por essas e mais um monte de qualidades (entre elas a de excelente escritora) que sou teu fanático admirador.
Sempre tinha alguém para contar uma "história de medo"! Eu só ouvia essas histórias aqui em São Paulo mesmo, pois a família toda era daqui e até hoje, sou frustrada por não ter passado férias na casa de um parente no interior. Aquelas férias inesquecíveis que eu ouvia as meninas contarem na volta às aulas e eu sabia que nunca teria uma para contar. E ainda agora, gostaria de poder também contar um "causo", mas fico apenas na vontade, mas sabendo que sempre haverá alguém para contá-los para mim, como você está fazendo agora. Parabéns pelo beleza de texto.
Sonia, recordo-me quando éramos (mano) crianças que fazíamos isso.
Vc transmitiu muito bem. Parabéns !
Asciudeme
Teste.
Soninha
Lindo, muitas saudades, bons tempos de histórias contadas em roda familiar.
Fabia
Soninha!
Que bom viajar nessas histórias, que são comuns à maioria de nós! Lembro que, em minha infância, um dos meus tios foi morar num sítio lá no Embu Guaçú e, vira e mexe, nos dirigíamos, a família toda, para lá. E à noite, era inevitável a fogueira no terreiro e os causos que adorávamos, mesmo com os sustos e medos que nos faziam. Delícias das nossas infâncias que, dificilmente nossos filhos e netos experimentarão!
Beijão.
Soninha, lembro que minhas filhas passaram por isso quando foram para a fazenda de um amigo do meu marido, passar férias. Muito gostoso relembrar os velhos tempos da nossa infância. Seu texto está muito bacana e retrata coisas que muitos de nós também vivenciamos. Parabéns! Um grande beijo.
Soninha, quem não tem saudades daqueles tempos? a dor da saudade só é amenizada pelos nossos filhos, testemunhas vivas da (des)agradável lembrança: vcs já estão "sobrando", por favor, siga em frente que atraz vem gente. Desculpe, Sonia, estou muito triste,domingo, ante-ontem, fui ao enterro de meu sobrinho Eugênio, (Geninho), 63 anos, minha irmã, (sua mãe)dizia, na hora do enterro que o certo era ela, com quase 90 anos e não o filho. Na verdade, o certo quem sabe é só Deus.
Sua narrativa trouxe muitas lembranças que eu nunca vou esquecer, Soninha, principalmente com esse sobrinho. Parabéns, Soninha.
Modesto
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