terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Às vezes eu penso

Virando uma esquina hoje, perto de casa, tive a sensação de estar sendo observado por alguém. Olhei para trás e vi a banca de jornais e revistas, sem ninguém por perto, apenas o dono da banca, sentado em seu banquinho, entretido na leitura de um jornal. Será que ele estava me observando, disfarçadamente e, quando olhei para trás, escondeu o rosto atrás do jornal aberto?
Como nos filmes de aventuras. Segui o meu caminho mas a sensação permanecia.
Depois de uns vinte, trinta metros, olhei para trás novamente. A banca de jornais já havia sumido atrás da esquina. Ninguém mais à vista, a não ser os motoristas dos carros que passavam por mim, mas nenhum deles devagar o suficiente para estar me observando. Será que estou ficando louco? Desenvolvendo algum tipo de neurose? Como posso me sentir vigiado se não vejo ninguém por perto? Será que já inventaram a invisibilidade e eu não fiquei sabendo?
Continuei meu caminho, meio cabreiro, olhando para os lados, para trás de vez em quando e... nada! Ninguém me seguindo, nenhuma pessoa andando pela mesma calçada ou mesmo pela calçada do outro lado da rua. Aliás, a rua estava estranhamente vazia, não fossem os automóveis que passavam por mim na direção contrária, a impressão era a de um dia depois do fim do mundo, onde eu fosse o único sobrevivente. Quase dava para ouvir meus próprios passos na calçada, não fosse ela esburacada, como a maioria das calçadas de São Paulo, que me obrigava a andar devagar, olhando para onde iria pisar... por pouco não pisei num cocô de cachorro! Esse povo mal educado que sai com seus cães para fazerem as necessidades fisiológicas na rua mas não levam o necessário para recolher as fezes e jogá-las na lixeira mais próxima!
Finalmente, cheguei em casa! Quero dizer: cheguei ao prédio onde moro! Fui recebido com o sorriso mecânico do porteiro, que abriu os portões e grades que nos aprisionam e trocamos um comentário gentil sobre o calorão que tem feito ultimamente. Como se já não estivéssemos em pleno verão!
Entrei no elevador e o espelho retribuiu meu olhar meio envergonhado, pois todo mundo, quando entra num elevador e não tem mais ninguém dentro, dá uma olhadinha no espelho! Ou não dá?
A sensação de estar sendo vigiado misturou-se com a reprodução da minha imagem no espelho. Aquele cara não parecia comigo em nada! Era um sujeito meio gordinho, com pneus e barriga saliente, cabelos grisalhos denunciando os muitos anos de vida e a barba mal feita, ou feita há dois ou três dias! Eu não sou ele! Preciso falar com a síndica para que verifique o espelho do elevador, que está com algum tipo de defeito, distorcendo tanto as imagens que acabamos vendo outra pessoa do outro lado do vidro.
Será ele que anda me vigiando por aí? Mas, não! Não posso falar com a síndica, senão ela vai descobrir que eu também, homem já feito, com certa idade, costumo dar uma olhadinha no espelho do elevador. Melhor ficar quieto.
Pronto, cheguei ao meu andar. Saio do elevador e dou de cara com o faxineiro passando um pano molhado com um produto extremamente perfumado no chão. O aroma do produto é tão forte que me provoca espirros. “Saúde, doutor!” “Obrigado, meu filho!”
Enfio a chave na fechadura, confiro o número na plaquinha pra ver se não estou abrindo a porta errada e, após girá-la, entro para o conforto do meu lar. A sensação de estar sendo observado, curiosamente, desaparece assim que fecho a porta.
 
Por Zeca Paes Guedes

18 comentários:

Soninha disse...

Olá, Zeca!

Muitas vezes também tenho a sensação de estar sendo vigiada!
Não sei se pelos que nossos olhos não podem ver (desencarnados), ou pelos seres vivos como nós (encarnados)...
Sampa tem seus mistérios...
Acho que elevadores tem vida própria... Espelhos, principalmente.
kkkkkkkk
Valeu, Zeca.
Muita paz!

Anônimo disse...

Maravilhoso. Valeu a pena saborear cada palavra sua. Me vi em Sumpaulo.
Beijos
Yvonne

Miguel S. G. Chammas disse...

Zecamigaço, este texto chegou a nos assustar.
Fiquei esperando uma faca aparecer nas mãos esqueléticas e pontiagudas de um zumbi, e você sendo atingido por um golpe fatal.
Ainda bedm que foi apenas impressão.

Jens disse...

Fiquei com medo. They are among us.

Zeca disse...

Soninha,

muitos olhos nos espreitam o tempo todo, sem que ao menos desconfiemos. Eles estão em outra dimensão e alguns, querem mesmo que os percebamos. Outros, nos protegem.
Quanto aos olhares humanos, estes carregam tantos sentimentos diferentes! Admiração, paixão, amor, inveja, ciúmes, rancor... e deles, tudo podermos esperar.

Beijos.

Zeca disse...

Yvonne!

Se este conto (ou crônica, sei lá!) serviu para fazê-la sentir-se em Sumpaulo, creio que consegui ganhar o meu dia! Obrigado!

Beijo.

Zeca disse...

Miguel,

Felizmente a zumbizada ainda anda aquartelada lá pelo sul do país. Nada a ver com o Jens, que sossegou o facho e foi churrasquear na estonteante Ilha da Magia.
Fique tranquilo e ande tranquilo pela nossa cidade, cujos olhares vigiam, espreitam mas geralmente não fazem mal a ninguém.

Abraço.

Zeca disse...

Jens!

Não tenha medo! Eles estão por aí, sim, mas respeitam os bons jornalistas pois deles depende a circulação das suas pretensões. E você, com certeza é um dos escolhidos!

Abraço.

Modesto disse...

Zeca, tudo na vida (terrena) tem explicações. Sendo que, o que estava ocorrendo, biologicamente falando, vc estava sendo seguido e observado por... vc mesmo. Ao entrar no elevador, viu, (como TODOS FAZEM), sua imagem desgastada pelo tempo. É evidente que, naqueles poucos minutos a transposição do tempo, no exato momento em que vc envelheceu, surgiu o antes (da sua imaginação, seu seguidor) e o depois (da sua realidade).
Quando olho no espelho, fico extaziado com o que vejo, me olho e pergunto: "Com 81 anos, vc ainda tem esse aspecto jovial, mesmo com cabelos totalmente brancos, vc poderia fazer muito sucesso com as mu...", aí, entra minha mulher, dizendo: vai demorar muito essa barba e pra que essa revista com a foto do Mecello Mastroiani, ai pendurada no espelho..." O pano cai e a comédia chega ao seu final... (desculpe a brincadeira, Zeca, é que a inspiração é, por demais traiçoeira.
Parabéns, Zeca, gostei muito do seu ensaio surrealista.
Modesto

Bernadete disse...

Zeca,sou sensitiva,vejo coisas que outros não veem. Sinto-me vigiada e não gosto de ficar sozinha. Mas enfrentar o espelho,principalmente para uma mulher,é muito assustador. Como aqui em casa tem vários,faço o inverso,vou para a rua e,se alguém me observar...fico feliz..rsrsr.Muito legal seu texto!

margarida disse...

Zeca, já tive esta sensação como você, mas dentro da minha própria casa e ficar sozinha me dava muito medo. Eu adoro um espelho e muitas vezes fico me enxergando quando era jovem, mas logo acordo e caiu na real e vejo que o tempo passou.Dou risada e acabo aceitando a moldura que tenho hoje.É a vida. Um abraço.

Zeca disse...

Modesto!

Como sempre que leio seus textos, também gosto muito dos comentários, sempre inteligentes e com um fino humor. Você pegou muito bem o espírito da coisa, ou deste texto que nem eu mesmo sei classificar; afinal não é um conto, não é uma crônica, talvez seja mesmo um ensaio...
Obrigado pela leitura atenta e perspicaz que fazem de você essa figura ímpar de quem todos nós gostamos tanto.

Abraço.

Zeca disse...

Ah, Bernadete!

Me diga, qual a mulher que não fica feliz ao perceber que está sendo observada? Principalmente se por olhos admiradores, não críticos ou acusadores... rs.
Mas é mesmo por aí... acredito que estamos sempre sob observação. O que importa mesmo é se essa observação é cuidadora, protetora, amorosa. Olhos invejosos, rancorosos ou com qualquer outro tipo de mau sentimento, que fiquem bem longe, que nem se aproximem! Estou falando sobre aqueles olhos que não vemos... aqueles que apenas pressentimos.

Abraço.

Zeca disse...

Margarida!

Quando nos olhamos num espelho e percebemos como éramos e como somos, temos mais é que nos alegrar mesmo! A imagem atual traz consigo a soma de toda uma vida, de toda uma gama de emoções que nos formaram e transformaram no que somos hoje. E se somos pessoas do bem - como você! - só podemos mesmo é sentir orgulho da vida vivida e bem aproveitada.

Abraço.

Wilson Natale disse...

ZECA:
A verdade é que sempre somos observados.
Pela população que passa, pelos que nos são mais próximos. E claro, pelos meliantes interessados no nosso mirrado dinheirinho e, ao contrário do velhos Marechal Rondon - o grande indianista - matam, se preciso for... Aliás, matam pelo prazer de matar.
Somos vigiados também, pelas lentes das cãmaras das casas, dos prédios, das ruas.
No mais, somos vigiados por nós mesmos, quando insistimos em nos isolar.Aí, o nosso outro Eu, nos incomoda, nos sacode e nós diz: _Vai se enturmar!...
Claro que a violência urbana, invisível, inesperada, tem muito a haver com esta sensação. Saímos e não sabemos se vamos voltar.

Quanto aos espelhos, eles são MENTIROSOS. Acho que o único que fala a verdade é o meu.
Pego uma marreta, olho para ele e "espelho, espelho meu"... Prontamente ouço ele dizer: " Sois o mais belo e mais jovem entre todos os belos e jovens"!
Abaixo a marreta, pego minhas coisas e saio para a rua... Ahahahahahahahahahahaaaaaaaa!
Abração,
Natale

Arthur Miranda disse...

Zeca, quando eu era jovem 14 anos, eu ao voltar para casa sozinho, pois havia ido a casa de uma tia juntamente com minha mãe e minhas irmãs, e elas resolveram aguardar o parabéns para comer o bolo e eu com sono pois já era noite perto das 21 horas, saí antes. nessa caminhada de perto de 600 metros tive a sensação de estar sendo seguido (parecia ouvir passos atras de mim), Apressei meus passos e chegando em casa entrei rapidamente troquei de roupa, vesti o pijama e já estava na cama quando de repente ouvi a porta da entrada se abrir e ouvi passos dentro de casa. Para me certificar e esconder o meu pavor gritei:
- Bença Mãe!
E uma voz respondeu:
- Deus te abençoe meu filho, mas eu não sou sua mãe.
Fiquei super apavorado , comecei a chorar baixinho.
Quando pela fresta da porta do meu quarto notei que era o meu pai. E como não existe piadas velhas, e sim gente velha que conhece todas as piadas, eu tive a coragem de postar essa. kkkk. Gostei desse seu suspense Hitchcockiano. parabéns.

Zeca disse...

Natale,

até seus comentários se transformam em um texto novo ou, no mínimo, um complemento para o outro... você acrescentou algo que não havia imaginado quando escrevi: os olhares da violência que nos espreitam para tirarem o melhor proveito de algum descuido. Ou mesmo se não nos descuidarmos, tirar o melhor proveito através das armas, tão comuns hoje em dia!
Mas, falando sério: me dê o endereço do local onde comprou o seu espelho... até hoje só conheço os mentirosos. E como mentem!

Abraço.

Zeca disse...

ArthuR!

Sim, claro que não existem piadas velhas! E sim, existe pessoas velhas que conhecem todas as piadas! Mas a grande maioria não tem o menor dom para contá-las. Por melhores que sejam, se o "contador" não tiver o dom, ela fica xoxa, completamente sem graça, até mesmo chata em muitos casos. E você, com esse dom que Deus lhe deu ao nascer, sabe muito bem contá-las. Tanto que, essa piada, por mais batida que possa parecer, prendeu minha atenção durante toda a leitura, em suspense, à espera do desfecho. E só então, percebi que era uma piada. E pude rir e relaxar...
Você tem o raro dom de saber como contar uma piada.
Parabéns por isso! E eu o invejo, pois se for contar essa mesma piada, com todas as palavras, não conseguirei arrancar nem ao menos um sorriso de ninguém...

Abraço.