domingo, 27 de janeiro de 2013

A Rua Guarapuava, seu entorno e um "donnnaiolo"

 

M00CA, ANOS 50.
Meu tio era de uma beleza mediana. O cognome “il bello” (o belo) ficava por conta do “corujismo” da família. Afinal, para os meus avós “todos os seus patos eram cisnes”!... Titio não era nenhum Amedeo Nazzari ou um Vittorio De Sica e muito menos um Marcello Mastroianni. Mas, tinha charme, magnetismo – o famoso “sex appeal” (Apelo sexual).
Que tio Amedeo fosse um “donnaiolo” (mulherengo), ninguém tinha dúvidas. Carismático, bem-falante e “sexy”, envolvia a mulherada ao ponto de cada uma acreditar que - para ele - ela era “l’única al mondo” (A única no mundo).
E, de vez em quando, essas “únicas” encontravam as outras “únicas” e descobriam que não eram “a única”! Iradas, aos gritos, iam até a nossa casa tirar satisfações com o “bello Amedeo” que, mui corajoso, trancava-se no quarto e deixava a ”bomba estourar” nas mãos de vovó. E a “nonna” com os nervos à flor da pele, vassoura na mão, saía para dispersar o mulherio. A vizinhança se deleitava.
Para um “donnaiolo”, nada melhor do que morar na Rua Guarapuava. Lá, titio sentia-se como “una volpe dentro il pollaio” (Uma raposa dentro de um galinheiro). Lá, tio Amedeo “nadava no mulherio”. Ah! A Rua Guarapuava! Tão próxima às grandes fábricas e a um mundo de mulheres. E o mulherio eram as operárias das fábricas.
Colado à nossa casa estava a Chocolates Gardano (Mais tarde, absorvida pela Nestlé); mais adiante, a Alpargatas Roda; andando em direção à Rua dos Trilhos estava o Cotonifício Crespi. Seguindo-se pela Rua Conselheiro Justino (hoje absorvida pela Radial-Leste), atravessando os trilhos da “inglesa” (Santos a Jundiaí), entrava-se na Avenida Alcântara Machado (que estava sendo rasgada para dar origem à Radial-Leste),virava-se à esquerda, entrava-se na Rua da Mooca e ia-se ter à Fábrica de Tecidos Labor. Mulheres, mulheres, mulheres!
E titio adorava “fazer ponto” sobre as passarelas da “Inglesa” (Santos a Jundiaí) das Ruas da Mooca e Visconde de Parnaíba, aonde ele flertava com um mundo de operárias que iam e vinham...
Além das operárias, a imediação da Rua Guarapuava estava cheia de belezas locais. Havia ainda, as espanholas dos cortiços da Rua Visconde de Parnaíba e as italianas dos cortiços da Rua Caetano Pinto.
E titio vivia a vida de “na zanzara ne’mmielle” (uma mosca no mel)...
Vênus é pródiga com o mortal a quem ama. Dá-lhe o dom de ser amado. E quando o mortal abusa desse dom, Vênus se vinga.
Na trajetória “don juanesca” do meu tio Amedeo, Vênus se vingou muitas vezes, criando situações terríveis para ele, mas que eram hilárias para nós. Ela colocou no caminho do meu tio, mulheres possessivas, dramaticamente ciumentas. Mulheres que vigiavam o titio e faziam escândalo na frente de todos, ameaçando se matar... E matá-lo também! Quando não era isso, aparecia na vida dele as “mulheres carrapato” – aquelas que grudam e não soltam mais. Eram perigosíssimas! Apareciam de repente nos lugares onde ele estava, seguiam o titio por toda a parte. Houve uma que, com ou sem o titio em casa, ela entrava e “estacionava” na nossa sala a conversar com vovó e minha mãe. Titio “chiava”, mas não fazia nada... Um dia, não aguentando mais o incômodo e a “conversa mole", vovó disse “um monte” à desavergonhada, pegou-a pelo pescoço e a colocou na rua e, ambas fizeram o maior escândalo... Para alegria da vizinhança, claro!
Vênus nunca estava contente com as vinganças. Titio precisava de um corretivo mais eficiente: Então, colocou na vida dele uma mulher do tipo – como diríamos hoje – atração fatal. E pior, atração fatalíssima, dela pelo titio Amedeo...
Ermínia – a espanhola fazia parte de uma família que recentemente se mudara para a Rua Frei Gaspar, quase esquina com a Rua Guarapuava. Era tão feia a coitada. Pequenina, parecia uma anã. E meu tio, sobre ela, dizia uma frase divertida: “ Se essa dai tivesse de peito o que tem de nariz, até que “daria para o gasto”.
Pois é, minha gente. Foi “isso” o que Vênus colocou no caminho do meu tio.
Ermínia, quando viu o titio Amedeo pela primeira vez, apaixonou-se loucamente. Passava, repassava constantemente pela nossa rua, na esperança de ver o titio. Um dia, ela bateu de frente com ele. Fez caras e bocas, insinuou-se descaradamente e o titio, que não era cego e nem besta, saiu pela tangente, dizendo que já era comprometido e rápido foi saindo fora. Isso magoou Ermínia profundamente. Ferida pelo desdém do meu tio, cheia de ciúme e desejo de vingança, ela começou agir “nas sombras”. Vigiava, espionava o meu tio. Sabia de todos os seus passos. Mal ele começava mais um dos seus “namoros relâmpago”, a “namorada relâmpago” recebia uma carta anônima falando horrores e barbaridades sobre ele. Então, uma a uma, as “namoradas relâmpago” discutiam, ofendiam, jogavam a carta anônima na cara do meu tio, viravam-lhe as costas e iam embora. E o “donnaiolo” Amedeo desacreditado, desmoronou. Também, não era para menos. O mulherio fugia dele como quem foge do diabo! Ermínia devia estar exultante ao ver que as suas manobras maquiavélicas surtiam efeito. Mas, o “bello” Amedeo era um sortudo, nascera com o “rabo pra Lua”...
Vindo do trabalho, titio parou na porta da Celina, sua amiga de infância. Fazia um bom tempo que não se viam. Conversaram muito e meu tio despediu-se e foi embora. Na noite seguinte, Celina veio à nossa casa, trazendo uma carta na mão e contou ao titio que fora abordada por uma espanhola baixinha que lhe entregara a tal carta onde se lia barbaridades sobre ele. Celina não tinha certeza, mas achava que era a espanhola que morava na Rua Frei Gaspar. O rosto do meu tio passou da palidez à vermelhidão de quem está prestes a sofrer um ataque apopléctico. Ele agarrou a Celina pelo braço e saíram. Caminharam em direção à Rua Frei Gaspar. E eu atrás... Eu ia perder o “bafafá”? Nunquinha!
Lá, em frente a casa da Ermínia, o “bello” Amedeo fez um escândalo tremendo, discutindo com o pai da vilã! Pessoas abriam as janelas e se debruçavam nos parapeitos, para melhor apreciar o bate-boca. Outras apareciam nos portões e a criançada fazia um círculo em volta dos briguentos. Titio gritava feito um louco. Falava em ir à polícia; em processo por perseguição, difamação e calúnia. O pai da Ermínia, que era um homem com muita vergonha na cara, deu uns bofetões na filha e jurou ao meu tio que iria manter a malcriada com “as rédeas curtas”. Acalmado os ânimos, titio e eu acompanhamos Celina até a casa dela e voltamos para casa.
O escândalo da Rua Frei Gaspar rendeu muita fofoca e também comentários frutíferos. Tanto que as “namoradas relâmpago” começaram a escrever bilhetinhos, pedindo desculpas ao titio. E Ermínia reclusa, vigiada, parecia conformada com a “perda do seu grande amor”. As faladeiras diziam que ela pensava em entrar para um convento... “Vai tarde”! – Comentou o Titio, se persignando.
Passado mais de um mês, o “donnaiolo” Amedeo estava em plena atividade e feliz!... Foi quando começaram a aparecer as cartas, via correio. Chegavam duas a três, todas as semanas, sem remetente. E dentro do envelope apenas um lencinho branco, de papel fino, com a estampa de um beijo em batom vermelho e a frase: “Te quiero más que a mi alma”! (Quero-te mais que a minha própria alma!). Titio não tinha dúvidas. Eram cartas enviadas pela Ermínia! A letra era a mesma das cartas anônimas. O sangue subiu-lhe à cabeça, mas relaxou. Ele lera as primeiras, não leria as outras que, sabia, viriam.
As cartas foram acumulando e o acumulo começou a irritar meu tio. Então ele foi ao quarto de vovó, retirou alguns lenços de papel da caixa e foi ao banheiro “fazer as necessidades”. Limpou-se nos lencinhos e os dobrou delicadamente. Deu a descarga. Saiu do banheiro com os lencinhos “carimbados”, dobrados na mão. Foi para o quarto e os colocou dentro de envelopes; e os endereçou à Ermínia. Olhou para mim e disse-me, sorrindo: ”Já que a Ermínia não vai à merda, a merda vai até ela”! No dia seguinte enviou-as ao destinatário. Nunca mais ele recebeu cartas da espanhola enlouquecida.
E o meu tio aprendeu a lição!...
Não mesmo! Aprendeu sim, a ser mais cuidadoso, mais esperto!
“E Venere che se ne freghe! (E Vênus que se dane!)”.
 

 
Por Wilson Natale

14 comentários:

Teresa disse...

Muito boa sua história. Fez-me lembrar das histórias que eu ouvia contar no Bixiga, onde nasci.

Soninha disse...

Olá, Wilson!

Belo texto!
Lembro-me dos "Don Juan" de meu bairro... Minha mãe sempre nos advertia quanto a eles, orientando-nos para não nos deixar levar por sua lábia...

E tio Amedeo, heum? Não casou com nenhuma daquelas moças casadoiras?
Ficou solteirão?^Esta foi a vingança de Vênus?
Agora nos conte, tá?!

Valeu, Natale!
Muita paz!

Asciudeme disse...

História bem narrada.Parece uma comédia. Gostei ! Parabéns !

Miguel S. G. Chammas disse...

Natale, teu tio me encheu de revolta. Eu pensava que nos meus aureos tempos tinha sido um grande conquistador. Qual o que! Fui apenas um bom namorador se comparado ao Tio Amedeo.
Vou jogar fora meus títulos e medalhas de "Don Juan".
Ganhei-os imerecidamente.

Zeca disse...

Natale!

Há quanto tempo não nos brindava com teus textos gostosos, bem escritos, repletos de bom humor e fina ironia! Foi um excelente começo de domingo para mim, iniciar meus passeios pela internet lendo esta deliciosa crônica!
Eu também tive um tio metido a Don Juan, que me ensinava suas táticas e suas técnicas de sedução. Mas nada que se iguale ao teu tio Amedeo! Eu não serviria nem para calçar os chinelos dele! As minhas conquistas ficaram muitíssimo aquém das dele! E as do meu tio, se diluiram no tempo, não restando nem mesmo lembranças para construir história tão divertida quanto a tua!
Faça um esforço e nos presenteie com outros textos! Eles fazem uma falta tremenda!
Aliás, preciso dizer que, através da leitura, passei a "conhecer" a Rua Guarapuava e seu entorno. A de antigamente, claro! Onde a mulherada se esmerava para obter, ao menos, um olhar ou um sorriso do inesquecível tio Amedeo!

Abraço.

margarida disse...

Natale,realmente um conto divertido! Amedeo, teve uma enorme coragem de enviar seus lencinhos sujos à Ermínia, também ela mereceu, aliás não sei quem mereceu mais! Antigamente os casos de amor eram resolvidos com muito exagero. Será que depois de tudo isso eles conseguiram arrumar um parceiro definitivo? Parabéns pela historia tão bem escrita. Um abraço.

Laru disse...

É por isso que eu, as vezes dou uma de "bairrista". Natale, com essa crônica encantadora, alegre, despretenciosa, nostálgica e VERDADEIRA, vc está num patamar superior aos critérios exifidos pela GLOBO, nos enredos apresentados em suas novelas. Novelas atuais calcadas em favelas, praias, Copacabana, Leblon e suas malandragens idiotas; quando deparamos com um enredo como esse, fica-se imaginando que bela novela que ela daria. Mas, seria na Moóca, no Braz e não na "Av. Brasil", Cabo Frio, Búzius. Como essa droga de "Guerra dos Sexos", uma piada pra cima dos paulistas, caricatura grosseira e ainda, contando com o concurso de atores paulistas (isso que doi). Deixa pra lá, Natale, nós temos vc. E basta... Parabéns, fratelo mio, un baccio in testa.
Laru.

Wilson Natale disse...

FIORE:
Seja na Mooca, no Brás ou no Bexiga, a italianada era a mesma. E todo italianinho adolescente ou jovem, descobria o seu lado predador do "lupo cattivo" (lobo mau). Todos, seguindo a tradição, sentiam-se um Rodolfo Valentino(risos).
Valeu o comentário!
Abração,
Natale

Wilson Natale disse...

SONINHA:
Tio Amedeu era mais um "oriundi" entre os muitos que existiam nessa Mooca de Deus. Ahahahahahaaaaaa!
Um dia, conheceu a Tia Luisa e acabou-se a festa. Com grande amor ela cortou-lhe as asinhas; casaram-se tiveram dois filhos e ficaram juntos até a morte do meu tio.
Titio, independente da vontade castigatória de Vênus, divertiu-se e aproveitou a vida (risos).
Abração,
Natale

Wilson Natale disse...

ASCIUDEME:
Era uma comédia!Os gritos, os exageros, o excesso de dramaticidade do meu tio fazia-me chorar de tanto rir. Sevocêestivesse lá e visse a cara que ele fazia, você ia se mijar de tanto rir.
Abração,
Natale

Wilson Natale disse...

MIGUEL:
Não jogue nada fora! Ahahahahahaaaa!
Todos somos farinha do mesmo saco!
Abração,
Natale

Wilson Natale disse...

ZECA:
A Rua Guarapuava daquele tempo, devido a proximidade da Estação Metro Brás-Mooca (Estação Bresser), esta desaparecendo rapidamente, dando lugar aos prédios. O sobrado dos anos 30, onde eu morei continua lá, todo descaracterizado. Breve não restará mais nada.
E meu tio, mais irmão do que tio, numa diferença de 13 anos,nunca contou sua tática. Era um egoísta. Ahahahahahaaaaaaaaaaa!
Valeu!
Abração,
Natale

Wilson Natale disse...

PERAMEZZA:
Tio Amedeo seguiu a tradição dos calabreses vingativos. Essa é a tal da VINGANÇA PORCA (Porca Vendetta) que conhecemos ou já ouvimos falar. Ahahahaaaaaaaaaaa!
Vingança bem melhor do que a sangrenta "vendetta".
E Tio Amedeu, no início dos anos 60,encontrou uma mulher lindíssima, que seria algum tempo depois a minha tia Luisa. Foi paixão, amor à primeira vista. E viveram felizes até a morte do meu tio.
Abração,
Natale

Wilson Natale disse...

LARÙ,bello:
Eu desistí da Globo faz um tempão.
Novelas nunca foi o meu forte. Sou ansioso demais. Gosto de tudo que tenha começo, meio e fim, rápido. Porisso fico com os livros.
Veja que, para as televisões não existe o sul do Brasil, que tem lugares maravilhosos.
Felizmente para eles e infelizmente para nós, eles dão ao povo o que o povo gosta. Veja os números do IBOPE...
O negócio é não esquentar e pensar quão ruim seria uma novela onde os oriunda falassem o português italianizado com sotaque carioquês e com pronúncia forçada.
Se ainda existisse a TV TUPI, com certeza teríamos grandes novelas sobre os oriundi,tão grandiosas como "Vittoria Bonelli" ou "Nino,o italianinho".
Abração,
Natale