imagem do site Condomínio do Prédio Martinelli: Edifício Martinelli visto do Vale do Anhangabaú - 2004; Luiz Saidenberg
Texto de Abril de 2008
Docemente constrangido, retorno ao Prédio Martinelli.
E aí, sim. Adentrei suas entranhas, até onde um dia, há 48 anos, foi nosso estúdio de desenho. O convite partira da TV Bandeirante, que queria me entrevistar sobre minhas crônicas, e a primeira coisa que pensei foi no Martinelli.
E não deu outra, foi mesmo esta a sugestão deles. Mas, seria bem diferente de minha frustrada tentativa de três anos atrás, quando cheguei ao 19o. andar, mas do corredor não passei.
Desta vez, só gentilezas, a começar pelo segurança da portaria na Libero Badaró, que espantou-se ao saber que eu trabalhara ali, tanto tempo atrás. Subimos até lá e fomos recebidos pelo Dr. Wagner, diretor do Contru, que nos escancarou as portas.
Ali, driblando mesas e cadeiras, cheguei ao nosso cantinho: o ângulo da “ladeira” São João com Libero Badaró. O janelão de quina recebeu-me, bandeiras espalmadas.
Mas, como todas as paredes foram derrubadas, fica difícil localizar os limites de nossa sala, e das dos amigos vizinhos. É como um labirinto ao contrário: fica-se perdido por falta dos antigos corredores, quase túneis sombrios. Fotografei o que pude, para depois tentar reconstituir o ambiente, como um quebra cabeça.
E agora, um passeio pelos terraços do Comendador Martinelli, com suas balaustradas guardadas por pirâmides. A altura parece espantosa, mesmo para os padrões atuais. O prédio não tem mais de trinta andares. Hoje, isto não é nada.
Dia destes, almoçando no Horti Fruti da Santo Amaro, reparamos espantados, no prédio em construção na esquina da José dos Santos: contei até trinta e cinco andares, depois desisti. E dizer que o pobre Martinelli causou comoção em sua época, enquanto o atual gabarito é visto como absolutamente normal. Mas, é bela a visão das sacadas do Comendador. Aqui o Anhangabaú, lá a Sé, lá o Banespa, bem mais alto. De minha emoção, não quero nem falar.
Pergunta o repórter Bruno: - mas que foi que aconteceu aqui?
- Melhor seria perguntar o que não aconteceu, respondi. Romances, reuniões com jornalistas e assessores da Presidência, tiros para o ar, brigas, amor e ódio. Mas, numa coisa sinto-me ainda em casa; os modernos habitantes do prédio continuam com a simpatia dos antigos, acolhendo-nos generosamente.
A loira Gisleine, assessora de imprensa, com quem brincamos dizendo ser a loira fantasma do Martinelli, com quem eu teria namorado e ronda seus corredores até hoje; o Graco, que nos guiou pelos meandros do labirinto.
Enfim, um tour, não por um prédio, mas por uma existência: entrar ali adolescente e sair, 48 anos depois, novamente rejuvenescido.
Por Luiz Saidenberg
18 comentários:
Saidenberg:
O mais importante é ver aquilo que os olhos não mais pode ver.
O Martinelli, um presente que o "comendatore" oferecia a São Paulo e que seria também sua alegria, transformou-se em tristeza e pesadelo.
O "signore" Martinelli, desgostoso, passava longe dele.
E o prédio que nasceu para ser a glória da cidade entrou em decadência.
Meu pai e tios falavam do luxo e requinte do Hotel Glória e do requintado esplendoroso Cine Rosário... Os cassinos, "night-club", os salões de festas...
E o "luxo", aos poucos foi-se tornando "lixo".
Das salas e cubículos transformados em escritórios aos "apartamentos" que deram ao edifício o adjetivo de "primeiro favelão vertical"...
Sina triste de um edifício lindo, de tão efêmero esplendor...
Depois de muitas décadas de "gambiarras" e "lambuzadas de tinta, em 1975 a Prefeitura assume o prédio. Em 1977 começa o restauro e reformas de adaptação às necessidades modernas. Evitou-se o fracionamento que acelera a deterioração interior...
E hoje, o Martinelli ainda está ai. Não é mais a maior estrutura em concreto do mundo, nem o maior da américa do Sul.
Está ai, perpetuando a memória do Comendatore Guiseppe Martinelli em singular monumento.
O Comendador venceu!
Como venceu vox populi, quando mudaram o nome do Prédio para "Edifício América". Naquela época e até hoje, para o povo, sempre foi e será Edifício Martinelli.
Sei que o prédio está modificado internamente - nem é o mesmo do meu tempo de office-boy.
Mas deve ter sido mais fácil você ver sem os olhos tudo aquilo que via no tempo em que trabalhou lá.
Afinal, parte da sua vida ainda está ali. E livre da sujeira, dos odores, das contravenções.
O "seu" Martinelli e o Martinelli dos escritórios, dos pequenos negócios; da vida mais democrática e também dos negócios escusos.
Sem o cunho elitista, o prédio seguia no seu rítimo burguês.
Pedaços de nossas vidas ainda permanecem lá...
Texto ótimo, gostoso de se ler e que faz a gente lembrar tanta coisa alí vivida.
Abração,
Natale
Saidenberg,
O texto excluído é meu. Postei em duplicata.
Abraços,
Natale
Olá, Luiz!
Quem perdeu foi a TV Bandeirantes, que não transmitiu a matéria... Ganhamos nós, com este seu texto, compartilhando conosco sua história, sua experiência com o Martinelli.
Cá entre nós, "fantasmas"existem desde todo sempre, inclusive vivos...kkkkkkk
Pero que las hay, las hay! Vai saber!
Valeu! Obrigada.
Muita paz!
Natale,
quando lá entrei, pela primeira vez, em 1960, o prédio já era decadente. Os assassinatos a que se refere já haviam acontecido, e portanto , fantasmas já deveriam rondar os corredores. Mas, nunca senti nenhum medo, trabalhando até a noite, e numa vez, uma noite toda, para entregar um cartaz de cenário para TV Excelsior.
Dava-me bem com a eclética vizinhança- dentista, alfaiates, negociantes, até médico tinha, fotógrafos, bares, botequins, o Sindicato dos Bancários, a Academia Ono de jiu jitsu, malandros, sinuqueiros, vigaristas de toda espécie, prostitutas, vendedoras de café(sic), gays. Mas, tutti buona gente.
Nunca nenhum problema.
Logo viria o apocalipse, e aí sim, o prédio ficaria intransitável.
Mas, eu já estava fora disso. Dali, à noite, saia calmamente para tomar o onibus, ou bonde para as Perdizes, no Paissandu. Eeehê, São Paulo! E obrigado, cara Sonia, pela presteza de publuicar esse texto, que é oportuno após O Beijo do Natale!
Saidenberg,
Pois foi nesse tempo (1962) que eu - boy fiz o meu "debut" no Martinelli. Depois, quase sempre pelas escadas, ia aos escritórios.
Esse era o período democrático do Martinelli: Tinha dentro dele, de tudo um pouco. Depois de 67, o prédio virou uma zona nada sustetável. Ai, não dava mais pra segurar a barra.
Cofesso que nunca ví a loura - nema loura dos banheiros; não ví a memina sem rosto e muito menos o fantasma do garoto assassinado. Mas que morrria de medo de vê-los, morria... És que yo soy un curioso, pero un curioso mui cagón!
Ahahahaaaaaa!
Natale
.
Saidenberg!
Belo texto, que me fez lembrar dos tempos em que eu também frequentei o Martinelli! Ele abrigava o antigo Banco da América, onde meu pai trabalhava e eu, de vez em quando, ia com ele passar o dia. Já escrevi sobre isto aqui. Mas sua crônica traz, para os nossos dias, todas as histórias e até os fantasmas que sempre habitaram a imaginação do povo e os infindáveis corredores desse edifício.
Abraço
.
Saidenberg, também trabalhei no Martinelli por uns 6 meses e era Ofice-boy em l956 no l5ª andar, sal. 1509. ( se não me engano). Fiz uma visita ao prédio no final de 2010, e acolhido com muita cortesia, mas impedido de ver e entrar na sala onde ficava o escritório de Contabilidade em qual trabalhei que era de propriedade de Ariosto Orsini e sua esposa Dna. Venina. Bom poder recordar tudo isso graças a sua narrativa. Parabéns.
Luiz, asx primeira vez aue entreinesse edificio foi ´por volta de 1950. Fui para partic\iparde um baile de cafrnaval infantil do CAFE (Funcionários da Fazenda Estadual),levado pelas mãos de minha tia Zazá que era diretora do Clube. Lógico, o que é bom deve ser repetido e eu repeti essas visitas durante muitos anos. Depois, na minha carreira de "offi\ce-boy" fui por diversas vezes a essze prédio. Nunca vi qualquer tipo de fantasma.
Mais velho ainda, voltei ao Martinelli para executar um trabalho de Consultoria no BNH.
Devo dizer que tenho especial carinho ao prédio que foi durante uma época, a prova de arrojo do paulistano.
Então, caros amigos.
O prédio foi expurgado de tudo isto que tinha- até do Banco America(que, temporáriamente) lhe deu o nome). Bancários, sindicalistas, prostitutas, cafetões, ladrões baratos, gays gentís, bares, hotel, profissionais liberais, sinistros corredores, paredes divisórias, tudo varrido escadas abaixo.
Só faltou, como os velhos romanos, espalhar uma camada purificadora de sal no solo conquistado e asséptico- Tabula Rasa!
Agora uma imensa repartição pública, parece que do velho folclore só sobrou mesmo a antiga loira fantasma, que coitada, aparece fora de hora- há 50 anos atrás nosso relacionamento seria outro, talvez! E não há mais ninguém com disposição para vê-la, ou ouvir seus lamentos. Abraços.
Saidenberg, sua entrevista com certeza foi cheia de emoções. Este tour pelo prédio desencadeou lembranças inesquecíveis de sua adolescência, foi como um filme onde você foi o artista principal.Um grande abraço.
Saidenberg, independentemente de sua entrevista ter sido veiculada ou não pela Band, penso que o retorno a lugares que nos marcaram, é sempre um pouco aflitivo, algum tremor nas mãos, uma barra de gelo sobre a barriga; dessa vez, pelo menos, lhe foi permitido entrar e sentir as vibrações de seu antigo atellier.
Abraço o Ignacio
Saidenberg, seu retorno ao antigo aconchego da labuta diária, foi emocionante e a volta a realidade daquilo que, dentro do sono tranquilo, parecia um sonho nunca acontecido. Conforme a Sonia informou, a Band não veiculou o trabalho, por razões que vc desconhece. Aí tem "dente de coelho", pois comigo, fiquei uma tarde inteira percorrendo os locais tradicionais do Braz com jornalista e filmador da Band e, como vc, nada foi transmitido.
Quanto au Martinelli, só entrei uma vez, como contei a respeito do "gay" que me levou até o 7º, na década de 1940, texto publicado aqui no "Memórias...". Sua rememoração foi bastante significativa, cheia de "recuerdos" que devem ter trazido muitas alegrias. Parabéns, Luiz.
Laru
Cara Soninha,
muito obrigado pela correção no espanhol do título.
Que não foi sua culpa, de nenhuma forma; veio assim direto do importado do VIVASP. Eles erraram, e eu na hora não notei.
Abraços.
Luiz, permita-me parabenizá-lo pela excelente crônica, a lamentar a omissão da Rádio Bandeirantes em não levar ao ar a entrevista mas a sua narrativa cumpriu bem a tarefa, "Volver, com la fronte marchita, un dulce recuerdo que lloro otra vez...abraços, Leonello Tesser (Nelinho).
Luiz, permita-me parabenizá-lo pela excelente crônica, a lamentar a omissão da Rádio Bandeirantes em não levar ao ar a entrevista mas a sua narrativa cumpriu bem a tarefa, "Volver, com la fronte marchita, un dulce recuerdo que lloro otra vez...abraços, Leonello Tesser (Nelinho).
Luiz, permita-me parabenizá-lo pela excelente crônica, a lamentar a omissão da Rádio Bandeirantes em não levar ao ar a entrevista mas a sua narrativa cumpriu bem a tarefa, "Volver, com la fronte marchita, un dulce recuerdo que lloro otra vez...abraços, Leonello Tesser (Nelinho).
Como sempre texto comovente! parabéns! adoro
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