sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O que o nosso povo quer


Aqui em São Paulo não há como ficar indiferente ao que acontece na esfera federal. Sei que o nosso “Memórias” não se presta pra esse tipo de protesto, mas a corrupção está tomando conta de todas as dependências públicas e é chegada a hora de despertarmos para um desgaste que atinge, não só os assalariados, parcela mais atingida e sofredora de nossa nação mas, a nós, também, aposentados...
Não quero, absolutamente, levantar bandeiras em nome da moralização, apenas que não fiquemos totalmente alheios ao que está ocorrendo. Vamos sempre recordar passagens de nosso passado sem esquecer que, pra podermos continuar, precisamos cuidar do presente.
Não é possível mais conviver com essa situação.
No desfile do 7 de Setembro, a presidente Dilma Rousseff teve que assistir, também à Marcha Contra a Corrupção e deverá aceitar o que realmente o povo espera do seu governo: aplicação imediata da "Lei da Ficha Limpa", a anulação da constrangedora "absolvição" de Jaqueline Roriz e a continuação da "varredura" dos corruptos. O PT, que sempre se proclamou defensor da liberdade de expressão, luta, agora pra impor uma lei que controla a mídia, disfarce bem ridículo de uma censura à moda das republiquetas de triste memória. Para enfrentar os problemas com a saúde, a baixa remuneração dos aposentados, o ensino público e as emendas dispendiosas recorrem-se ao aumento de impostos. O país que mais arrecada imposto no mundo, com retorno em aplicações sociais inexpressivo, quer o que mais desse povo? Só com os últimos aumentos de salários vultosos que a grande trupe de políticos, de todas as esferas recebem, daria pra cobrir todos os problemas de saúde. Ganham muitíssimo bem, salários que muitos deles, na vida particular, se tivessem de trabalhar fora da esfera pública, nunca alcançariam nem a metade do que apuram. E, no entanto, roubam corruptos malditos.
Estão testando a paciência da população, querem impor um sistema de vida fazendo crer que a corrupção seja encarada como consequência banal na vida dos contribuintes.
A Marcha Contra a Corrupção foi pacífica, ordeira, educada e respeitosa. Mas, a angústia e a intolerância diante desse quadro de malversação dos bens públicos, isso falou alto, berrou, gritou, a dor dos injustiçados que sofrem depois de dedicarem suas vidas com trabalho e sacrifícios, em todas as categorias, pagando seus impostos na crença de que tudo vai ser para o bem público. A certeza de que não haverá movimentos das Forças Armadas como em 1964 dá a eles uma folga no aperto da justiça. A "absolvição" de Jaqueline Roriz é um exemplo disso. Vergonha danada, velhacaria nauseabunda, safadeza rasteira com odor putrefato de cadáveres em decomposição. Essa é a corja de políticos que brincam com o povo. Vagabundos, só pensam em viagens com "jatinhos" de empreiteiras. Com que cara ela e os outros envolvidos em corrupção vão enfrentar seus pares? Com as mesmas caras, pois sabem muito bem que o velho e safado ditado ainda funciona: "O roto não pode falar do rasgado". Farinha do mesmo saco. Pobre de nós.

Por Modesto Laruccia

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Vou Matar A Waldelice


Anos 70

O barulho da máquina nos meus ouvidos parece rir de mim. Zomba de mim, “tirando uma com a minha cara”. Os meus olhos estão cheios de lágrimas e a adrenalina está a mil. Não consigo ficar imóvel.
Penso: - Vou matar a Waldelice! Juro que vou!
O barbeiro desliga a máquina e me diz: “Qualé, maninho! Sossega esse rabo! Parece que ta sentado num formigueiro, pô! Não adianta pirar “Mané”. Não dá para consertar a cag... que você fez na tua “lã” (cabelos), “mermão””.
Esforço-me para permanecer imóvel. O barbeiro e a máquina voltam a fazer o serviço. E a máquina, a zero, derruba os meus cabelos formando montes em torno da cadeira.
“É! Vou matar a Waldelice”!
Ah! Os meus cabelos, tão lindos...
Cabelo liso, castanho-alourado, tão liso que o “chuca-chuca” não resistia por muito tempo. Nem mesmo com o Óleo de Lavanda Johnson. Quando eu era criancinha ele era cortado, como se dizia à época, “com uma tigela”. Era só usar a tesoura para cortar o excesso, aparar a franja e pronto!
Fiquei maiorzinho e meu avô me levou ao barbeiro para que ele fizesse o meu primeiro corte profissional. Vovô queria o corte “Príncipe Danilo”. Corte usado por algum tempo até que o meu pai, sem paciência de esperar pela feitura daquele corte demorado, pediu ao barbeiro que cortasse o meu cabelo à “americano curto”.
Com esse novo corte, pareceu-me que o Inferno mudara-se de mala e cuia para a minha casa. Vovó comandava a “diabada”. Cada vez que eu voltava do barbeiro , a “fornalha reacendia”. Não adiantava enfrentar vovó. Ela podia mais. Cansado, na próxima vez que fomos ao barbeiro o meu pai foi logo dizendo: - Faça o corte “americano cheio”, bem cheio no menino.
A máquina, com seu barulho de risos fazendo o seu trabalho, debocha de mim.
“É. Vou matar a Waldelice! Bem devagar! Quero que ela sofra muito”!
Finalmente, a idade de ir sozinho ao barbeiro, lembrei. Por minha conta, eu sempre protelava a ida. Ia somente quando o meu tio Amedeo dizia que o meu cabelo estava comprido, a ponto de se fazer trancinhas, e que ele iria comprar umas fitas para pôr nas tranças “da menina”. Numa dessas idas ao barbeiro, invejando o corte de cabelo dos meus primos mais velhos, entrei e disse ao barbeiro: - Corta à “escovinha”. E a máquina, no número um fez a limpa na minha cabeça deixando, no alto, apenas uma coroa de cabelos compridos e repicados. Quando cheguei em casa foi um escândalo. Ouço os gritos da minha avó até hoje dentro da minha cabeça. Aprendi que experiências capilares, nunca mais.
Estou encharcado de suor, sentado nesta maldita cadeira de barbeiro, ouvindo aquela máquina infernal fazendo a sua destruição. Cheio de raiva, pergunto ao barbeiro: - Já falei para você que eu vou matar a Waldelice? Já?E o corte à escovinha, além do transtorno que causou não fez o sucesso que eu esperava. Foi mal. De volta ao “americano cheio” fui reparando que os cabelos das outras crianças e dos jovens estavam ficando mais cheios e mais compridos; que, aqui e ali, apareciam jovens com topetes enormes e volumosos, e costeletas. Elvis explodia nas paradas cantando “Jailhouse Rock” e sua presença nos filmes causava mais impacto que a presença do James Dean.
O meu corte americano cheio foi ficando mais cheio, o meu topete quando molhado chegava até a minha boca. Só que nada de costeletas. A barba ainda não havia aparecido...
O barbeiro me cutuca e diz: “Aí, meu. Toma essa água que “cê” ta suando demais. Putz! Lá fora deve estar uns “trocentos” graus”.
Falo alto: - Vou matar a Waldelice! O barbeiro ri e me diz: - Mata mesmo! Se quiser ajuda, pode me chamar.
Um dia o Elvis perdeu seu trono capilar. É que apareceram uns rapazes de Liverpool e os meus cabelos conheceram o esplendor, apogeu e glória.
Eu não precisava fazer nada para ser um dos Beatles! Foi só abolir a brilhantina, voltar ao velho método “corte de tigela”. Era só repartir o cabelo de lado, ou não e deixar a franja solta. Nada mais a fazer ou a usar. A não ser, em certas ocasiões, usar um monte de “laquê” para manter o cabelo durão e no lugar. E sempre, nas festas, o terninho preto, como um verdadeiro súdito de Sua Majestade. Convencia... Até que eu abrisse a boca. Porca miséria! - Some! ‘Queima o chão’, Waldelice! To chegando ai”.
Eu causava inveja nos anos 70, com o corte “Pigmalião”. Depois, com o cabelão comprido, até as costas, tipo Jesus Cristo, super star. Mas, nos anos 70 tudo mudava mais rápido que nos anos 60. Os cabelos compridos começaram a ficar ondulados, crespos, cacheados. Aposentou-se a velha touca de meia de náilon que muita gente usava à noite, para alisar os cabelos.
Passa o tempo e eu “grilado” com os meus cabelos lisos. Uma noite, no Redondo, sentado com os amigos, comentei sobre esse incômodo. Waldelice, minha amiga, cabeleireira profissional, que há anos trabalhava na Rua Augusta, dispôs-se a solucionar o meu problema. Que eu fosse domingo à casa dela para fazer uma ondulação leve. Eu ia ficar uma lindeza!
Pergunto ao barbeiro:
- Comentei com você que eu vou matar a minha ex-amiga Waldelice? Ele riu...
Domingo, lá estava eu, na cozinha da Waldelice pronto para a transformação.
Cabeça lavada, o líquido da permanente, um “bobby” aqui, outro ali; uns “bigudins”, neutralizante, fixador. E toda aquela parafernália que exige uma, ou um permanente. Nunca lembro se é um permanente ou uma.
Finalmente, chegou a ora de olhar no espelho. Meu Deus! Pirei completamente. Não sabia se estava olhando para o espelho ou para um pôster do Leão da Metro! A textura do cabelo, então, parecia a mesma de um Bom-Bril. Toquei nos fios e percebi que a coisa era pior. Era palha de aço pura. Não ganhei ondulações suaves, nem suaves cachos angelicais. Ganhei sim o que nunca quis. Um pu... cabelão “Black Power” castanho alourado. Terror puro de se ver e de se ter. Nem a Elke Maravilha iria encarar um cabelão como o meu! Peguei as minhas coisas e sai da casa da Waldelice falando um monte. E fedendo a líquido de permanente!
Em minha casa, quando cheguei, causei terror. Foi um Deus nos acuda. Tentei de tudo para fazer o meu cabelo voltar ao normal. Pensei até naqueles alisantes afro. Nada. Só tinha um jeito. Começar tudo de novo.
Agora, eu estou aqui, sentado nessa maldita cadeira de barbeiro e com a cabeça raspada a zero, lamentando o dia em que conheci a Waldelice. Piero, o barbeiro retira a capa que me cobria, passa a escova em meu pescoço e diz: - Está feito! Agora é esperar crescer.
Olho-me no espelho e o quê vejo? Vejo o Dunga da Branca de Neve, com suas enormes orelhas de... de... Dumbo! E, atrás de mim, o Piero, esforçando-se para não cair na risada, pergunta-me: - Trouxe um boné? O sol está de matar! Claro que tinha trazido! Não pelo sol, mas pela vergonha de sair por ai exibindo o meu “aeroporto de mosquitos”.
- Some Waldelice! Desapareça do mapa. Eu vou te matar!

 
Por Wilson Natale

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O Sobrevivente


1974. Vivíamos já há dez anos sob a tutela do regime militar instalado no Brasil em 1964. Depois da queda do presidente João Goulart (Jango) que como vice-presidente, havia assumido o poder depois da renúncia do recém eleito Presidente, Jânio da Silva Quadros. A Censura Federal, então, passou a fazer parte dos programas da televisão, das peças teatrais e da imprensa falada e escrita da mídia nacional.
Vivíamos ainda o chamado “milagre brasileiro”, éramos infelizes e a maioria fingia que não sabia. Afinal de contas, o Brasil era Tri Campeão Mundial e o livro “Brasil Nunca Mais” ainda estava sendo escrito pelos seus personagens nos porões dos cárceres da “nossa” ditadura.
O Programa Silvio Santos com seus picos de 75 pontos no IBOPE ia ao ar pela Rede Globo, Canal 5, São Paulo, nas tardes de Domingo, seguido do programa do Chacrinha, fechando o fim de tarde e o início da noite Global.
Eu participava de dois programas humorísticos da TV Tupi paulista: Deu a Louca no Show, dirigido pelo saudoso Paulo Celestino (já falecido) e Agência LIG-PAG, dirigido pelo Wilton Franco.
No intervalo da gravação de um dos programas acima mencionados, reunidos no corredor de acesso ao estúdio, nós aguardávamos o reinício das gravações, no maior bate papo, recheados de momentos hilariantes de humor e imitações improvisadas, sem a tutela da irritante censura que éramos submetidos nos textos oficiais a serem gravados.
Nesse dia, me lembro da participação de alguns colegas como o Gilberto Fernandes (Gibe, já falecido), Vianna Junior (falecido), Rony Cócegas (falecido), Roberto Ronney (falecido), Ankito (falecido) Marcos Plonka (falecido), Ary Leite (falecido), Roberto Marquiz (Teobaldo), Clayton Silva, e outros que não me lembro agora e nem sei se ainda estão nesse nosso mundo.
Havia muita alegria, risos então eram intensos, quando um dos redatores dos textos do programa e também um dos responsáveis pela minha carreira artística, vendo aquela bagunça, resolveu brincar com o grupo e, dirigindo-se ao grupo disse:
- É pessoal! Aqui, fora do ar, vocês agradam muito... Quero ver vocês agradarem assim quando estiverem em cena.
- E na hora, como que combinado, ouviu como resposta de um coral ensaiado, no meio de muitas gargalhadas:
- Aqui a gente agrada muito por que, aqui, o texto tem qualidade; é todo de nossa autoria. Foi uma gozação só até o término das gravações, fazendo todos esquecerem que já fazia dois meses que ninguém recebia o salário.

Em tempo:

O título dessa narrativa seria: Histórias da Minha Vida, porém, ao chegar ao final e notar o número de ex colegas agora já falecidos, percebi que, além de ser um dos presentes, eu também sou um dos poucos SOBREVIVENTES.

Obrigado Senhor,
por deixar gentilmente eu ficar por aqui,
seguindo a minha trilha.
Pois, nessa mudança de vida
Quero muito ser ultimo da fila.

Por Arthur Miranda (tutu)

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Sonhos, noite garoenta em São Paulo


A Avenida São João, vista da Praça Antonio Prado - antiga do Rosário – desaparece em meio à neblina que anuncia o anoitecer na Paulicéia Desvairada.
Neblina.
Frio.
Do monumento a Giuseppe Verdi até a porta do Conservatório Dramático e Musical são 15, 20 passos. Espero um bonde passar, atravesso a avenida e me abrigo da garoa e do vento frio sob a soleira de uma das enormes portas do prédio dos Correios e Telégrafos.
De repente Mario de Andrade

“... No Páteo do Colégio afundem o meu coração paulistano:
um coração vivo e um defunto
Bem juntos
Escondam no Correio o ouvido direito,
o esquerdo nos Telégrafos,
quero saber da vida alheia
Sereia!...”

A situação, o lugar onde me encontro, fez-me lembrar dos versos de Mário em Poemas da Amiga. Não sei dizer se ele já os escreveu ou ainda estão por escrever porque é bastante comum em minhas viagens ao passado da nossa cidade de São Paulo, que aconteça algo como o esvair-se da noção do tempo percorrido ou vivido; portanto peço desculpas por eventuais falhas em minhas relembranças ou deslembranças.
Sineta, campainha estridente. Término do horário das aulas do Conservatório. Alunos saem rindo, conversando e dirigem-se para os pontos de bonde, alguns enveredam pela Rua Formosa em direção ao Largo do Piques.
Espero e espero Mario de Andrade.
Mario desce os degraus e sai para a calçada. Sobretudo, luvas e chapéu. Alguns alunos ainda o acompanham até o início da ladeira de São João. Não podem me ver, faço parte da neblina. Caminham e param, caminham e param, sempre sob a luz dos postes da Light. Em cada parada, um aluno lhe apresenta uma partitura, um texto, comenta um acorde... Mário lê, ouve, explica. Despedem-se na esquina da Líbero Badaró:
- Até amanhã, professor...
-Até...
Mais alguns passos e Mário entra no Franciscano. Senta-se junto ao alto balcão de madeira envernizada, um verniz bem escuro já sem brilho. Coloca o chapéu sobre o mármore, tira as luvas. Limpa os óculos redondos do tipo ‘olho de coruja’:
- Hoje está frio, né? Por favor, me faz uma sanduiche de queijo com salame e uma guaraná gasosa gelada!...Dá prá espetar essa conta até amanhã?
- Claro, professor... O senhor manda... Vai uma manteguinha?
Quase 9:ooh da noite, Mário começa a caminhar para o Theatro Municipal. O frio continua. Enrola o cachecol em torno do pescoço. Aperta o passo...
Na escadaria do Municipal o encontro com amigos, músicos, literatos, jornalistas. Abraços, tapinhas carinhosos nas costas. Cumprimentos protocolares, beijos nas faces.
A escandalosa voz de Oswald de Andrade. Cumprimentos aos berros, gargalhadas.
O Clube da Antropofagia, capitaneado por Oswald, Tarsila e comitiva, vem confirmar seu apoio à candidatura de Júlio Prestes para Presidente da República e , para isso, organiza uma noite de cultura brasileira no palco do Theatro Municipal. Claro que a grita da ‘elite quatrocentona’ composta por descendentes de assassinos, ladrões, desertores e degredados que compunham a tripulação de Martim Afonso de Souza e foram abandonados à própria sorte em S. Vicente, repito, a grita foi geral: “Templo da música e da ópera conspurcado por políticos e politiquices”, foram os ditos menos agressivos publicados nos dias seguintes. É evidente que Cornélio Pires, Genésio Arruda e, entre outros mais, Sinhô, o auto denominado, ‘Rei do Samba’, faziam parte da tal malta de medíocres artistas circenses que se atreveram a pisar no palco do tal templo. Tudo do jeitinho que Mário e Oswald gostavam, cutucar os miolos da paulistanada conservadora, com o beneplácito dos Mesquita do “O Estado de São Paulo”, interessadíssimos, claro, na vitória de Júlio Prestes...
Permitam-me o direito de abrir um parêntese nessa viagem pelo passado político e cultural de São Paulo para falar de um dos pais do samba, José Barbosa da Silva, o Sinhô:
Infelizmente, a temporada de Sinhô em São Paulo acabou por agravar o estado de saúde do sambista...

-“Jura
Jura,
Jura pelo Sinhô,
Jura
Pela imagem
Da Santa Cruz do Redentor
Prá ter valor a tua jura”...

Uma hemoptise incontrolável, incoercível, levou Sinhô para o céu dos sambistas em 1930. Manuel Bandeira escreve uma crônica histórica – O Enterro de Sinhô - sobre seu velório e enterro, com os pobres, os negros, as prostitutas do Mangue, a malandragem, a cidade do Rio de Janeiro ‘underground’, da Pequena África dos iniciados, rendendo-lhe homenagem...
Voltando à vaca fria:
Discursos, fotos, espoucar de flashes de magnésio. “Rumo à vitória nas urnas” é o leit-motif dos políticos e politiqueiros.
Acabou.
Os participantes do meeting se dispersam. Sinhô percorre a cidade no meio da madrugada garoenta e descobre que São Paulo não é o Rio, que o centro de São Paulo não é a Lapa carioca. Vai dormir em um hotel da r. Mauá. Tosse. Escarro com laivos de sangue todo o tempo. Não consegue dormir... A Parca vai segui-lo até o embarque no ferry-boat da Cantareira que de Paquetá deveria leva-lo à Praça XV. Sinhô morreu no mar, afogado em seu próprio sangue...
Tarsila, Pagu e outros amigos do grupo vão terminar a madrugada na garçonerie da Líbero Badaró, mantida por Oswald de Andrade, um abatedouro de luxo.
Absinto, champanhe, whisky, cocaína, cigarros do Pai João...
Mário segue à pé pela Barão de Itapetininga até a Pça da República. Muito frio. Conta os níqueis. O dinheiro é suficiente para um taxi. Nada de andar até a Barra Funda:
- ‘Tá frio, né doutor? Prá onde vamos?
- Rua Lopes Chaves... Chegando lá eu mostro a casa...
Durante alguns minutos escuto uma valsa ao piano.
Silêncio.
Tiquetaquear de uma máquina de escrever.
Talvez um artigo para um jornal, talvez anotações para um livro, talvez fichas para seu arquivo particular... As luzes das ruas se apagam. Os carroceiros começam sua fâina de entregas de pão e leite. Barulhos das latas de lixo sendo jogadas nas calçadas. Mario dorme profundamente enquanto a cidade começa a acordar. Em menos de um ano o país vai sofrer uma virada, política e cultural. Governos serão derrubados, eleições fraudadas bilaterlmente levarão o Brasil a um novo regime. Crack da bolsa de Nova York. Oswald de Andrade vai à falência...
Suicidios quatrocentões...
Mario de Andrade dorme um sonho profundo. Talvez sonhe com uma São Paulo perfeita, a São Paulo de seus sonhos, a comoção de nossas vidas...
Não sei se o que narrei, aconteceu verdadeiramente, foi um sonho muito doido... Mas bem que poderia ter acontecido, porque não, heim?
Por Joaquim Ignacio de Souza Netto

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Memórias cinematográficas


Época: 1955
Local: Rua São Bento – São Paulo – BR
Locação: Cine Rosário
Participantes: Eu e meu tio João Kalil Hojaij Neto
Uma da tarde, sem qualquer aviso ou preparo (como era soer acontecer), meu tio, ainda namorando com minha tia Zazá, chega em casa e, com aquele vozeirão habitual, vai me chamando desde a porta de entrada.
-Miguelzinho...Miguelzinho...
Apareço na porta do quarto em que dormíamos meu pai, minha mãe eu e meu irmão; ele, meu tio, me olhando espantado disse: - Ainda não está pronto? E sorrindo comanda: - Vai se trocar que nós vamos sair.
Não esperei uma segunda ordem. Corri para trocar de roupa, em poucos minutos estava pronto para sair e enfrentar uma nova aventura.
Aonde vamos? Perguntei curioso. A resposta foi rápida e lacônica: - Sair...
Despedimo-nos, eu de minha mãe, meu tio da namorada e saímos. Ônibus na Augusta com destino ao vale do Anhangabaú, ponto final embaixo do Viaduto do Chá. Subimos as escadarias da Galeria Prestes Maia (ainda sem as famosas escadas rolantes), chegamos à Praça do Patriarca e nos dirigimos para a Rua São Bento. Alguns passos mais e estávamos em frente à bilheteria do Cine Rosário.
Dei uma olhada nos cartazes e descobri que o filme em cartaz era O GAVIÃO E A FLECHA, ESTRELADO POR Burt Lancaster e a linda Virginia Mayo.
Enchi meus pulmões e dei um suspiro dos mais expressivos. Novamente meu tio me fazia a vontade.
Bilhetes comprados, entramos no cinema.
O Cine Rosário tinha uma característica especial, a tela ficava na parte de trás da sala de projeções, assim que você entrava, via à sua frente e até o final da sala apenas as cadeiras, a tela estava às suas costas.
Esclarecimentos prestados, vamos à continuação desta lembrança.
O filme tinha como cenário a Lombardia do século XII , o vilarejo se defendia dos invasores do Rei Frederico, Dardo (Burt Lancaster) era o líder dos camponeses que lutavam contra o Conde Ulrich – O Falcão. Não pretendo, aqui, fazer um condensado do filme, no meu entender um ótimo espetáculo. Apenas e tão somente, quero registrar mais uma tarde de cinema nos idos da minha pré adolescência.
O Burt Lancaster, que iniciou a vida como atleta e acrobata, faz nesse filme grandes proezas acrobáticas, em uma delas usando os mastros de bandeiras colocados nas aléias da muralha do castelo como trapézio, ele faz uma sequência de saltos mortais que deixava o público quase sem respirar.
Depois das lutas e acrobacias do filme, saímos do cinema e demos uma paradinha no rei da Salsicha no Largo do Café, para devorar um duplo de salsicha com mostarda acompanhado por um guaraná da Brahma bem gelada e, enfim, voltarmos para casa na velha Rua Augusta de todos os sonhos.

Por Miguel Chammas

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Meus tempos de paulistano


Eu, Luiz Gonzaga Sant'ana, hoje aposentado, moro em minha terra natal que é Descalvado, SP, também tive os meus dias de paulistano.
No início, viemos de Araraquara para o bairro do Jaraguá. Moramos lá por oito anos e meio, depois nosso saudoso pai comprou uma casa em Pirituba, lá na Vila Zatt.
Minha família está esparramada na região, uns no Jaraguá, outros em Pirituba.
Agradeço a todos os paulistanos que nos acolheram quando aí chegamos.
O meu pai trabalhou e se aposentou como funcionário público estadual, graças a Deus e a Jânio da Silva Quadros, então na época governador do estado e da sua Senhora Primeira Dama do Estado, Dona Eloá.
Eu trabalhei como jornaleiro na Rua Catão, no bairro da Lapa, depois fui trabalhar no Bom Retiro, no setor calçadista.
Na época em que aí morei, havia muita diversão, como por exemplo: cinema, Parque do Ibirapuera, pico do Jaraguá, Horto Florestal, futebol no Pacaembu, tempos de futebol arte, com Canhoteiro, Cláudio Cristovão, Luizinho, Zizinho, Julinho, Mauro, Waldemar Fiúme, Djalma Santos, Pelé, o maior jogador de todos os tempos, juntamente com Garrincha, outro gênio e por aí vai. Eu vivi essa era, graças Deus.
Eu tenho orgulho de ser um bom tempo um cidadão paulistano.
Aqui vai o meu abraço a todos os paulistanos.


Por Luiz Gonzaga Sant'ana

domingo, 18 de setembro de 2011

Memórias estudantinas


Outro dia, relembrava alguns fatos que ficaram marcados em minha adolescência. Foi quando veio em minha memória a época em que passei a frequentar a Escola Estadual de Primeiro Grau Professora Adelina Mazagão Alcovér, que ficava na Rua Celso de Azevedo Marques, na Mooca, quase no final da década de 60.
Meus olhos de menina de 11 anos deslumbravam um mundo completamente diferente do que eu estava acostumada na escola primária, dirigida por freiras, que era o Círculo Operário, na Vila Prudente, hoje Círculo de Trabalhadores Cristãos de Vila Prudente e Colégio João XXIII.
Nos primeiros dias de aula de ginásio, meu amado paizinho me acompanhava para me ensinar o caminho. Íamos a pé, desde nossa casa, na Rua Umuarama (Vila Prudente) até a escola. Um longo caminho, mas, era preciso, pois não tínhamos carro e nossos parcos recursos não nos permitiam ir de táxi; as linhas de ônibus, disponíveis na época, não nos levavam ao nosso destino e teríamos de utilizar várias linhas para conseguirmos chegar à escola.
Mas, para mim, tudo era fascinante. Eu me sentia crescida, adulta e tinha orgulho por ter conseguido passar no exame seletivo e frequentar aquela escola. Naquela época, as escolas estaduais eram hiper melhores do que as particulares, em se tratando de qualidade de ensino, conteúdo, rigor, disciplina etc, e preparavam o aluno para os cursos posteriores, como o segundo grau e faculdade.
Saíamos de casa bem cedo, pois as aulas iniciavam-se às 8:00 h. Descíamos a Rua Umuarama, onde morávamos, até um determinado trecho da Rua José Zappi, onde nos dava acesso à Rua Chamantá (Parque da Mooca), e esta, por sua vez, nos dava acesso à Avenida Paes de Barros, na altura do início da Rua Juatindiba, hoje Rua Juventus. Andávamos toda a extensão da Rua Juatindiba até chegarmos à Rua Celso de Azevedo Marques, em tempo de eu poder participar do hasteamento das bandeiras do Brasil, de São Paulo e da escola, ao som do Hino Nacional, cantado por todos os alunos.
Logo aprendi o caminho e ia sozinha para a escola. Depois, acompanhada pelas colegas que se foram somando, mesmo porque acabei fazendo parte da equipe de voleibol da escola. Esta atividade curricular me abriu as portas do Clube Atlético Juventus. No início de 1970, o treinador da equipe feminina juvenil do clube, o Ademar, juntamente com nossa professora de educação física, a Rosália, buscavam novos jovens talentos para o esporte e davam oportunidade aos alunos de nossa escola que desejassem praticar o vôlei. Nestas seleções, fui escolhida e lá fui eu jogar voleibol pelo time juvenil B do Juventus. Estudava pela manhã e treinava à tarde, no clube. Participamos de vários campeonatos locais e até intermunicipais, conquistando algumas medalhas e troféus para o clube.
Bons tempos, aqueles.
Depois, passei para o segundo grau e tive de me despedir da escola querida que eu jamais esqueceria, por tantos bons aprendizados e tantas alegrias recolhidas.

Por Sonia Astrauskas

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Dona Margarida


Dona Margarida nasceu em Joinville - Santa Catarina no longínquo ano de 1886. Sofreu bastante na vida, mas conseguiu criar muito bem dois filhos. Mudou-se ainda jovem para São Paulo, fixando residência na Vila Mariana e posteriormente no Parque Jabaquara, onde enviuvou. Lá morava com seu filho solteiro, o Alberto, bastante brincalhão quando jovem, solteiro e era feliz. Assim eu a via quando criança.
Quase não me lembro de seu marido, pois ele faleceu quando eu tinha apenas quatro anos de idade, e os fatos ocorridos nos primeiros anos de nossa vida são gravados de forma tênue na memória. Lembro-me, porém, que um de meus programas prediletos era passar um fim de semana inteiro com Dona Margarida: só eu e ela!
Sua casa, simples, porém espaçosa, estava localizada em um amplo terreno no qual boa parte da floresta nativa foi mantida. Como vizinhos, de ambos os lados, terrenos ainda não utilizados contando com a cobertura florestal! Quantas vezes fomos catar cogumelos, plantas e amoras silvestres! Quando eu estava lá, ela cantarolava feliz e me fazia gostosos almoços e jantares.
Lá, eu tinha um patinete (veículo sem motor, de duas rodas, no qual você se mantém em pé), com o qual eu descia a rua, mais esburacada que superfície da Lua, em desabalada carreira. Que gostoso!
- Tito! Pare já com isto! Se você se machucar, o que vou dizer a seu pai?
Mas, acreditem, nunca cai. Eu esperava os dias para voltar lá e andar no meu patinete.
Eu gostava também de sumir no meio do mato onde havia uma casa escondida! Lá, não morava ninguém. Esta casinha estava localizada no atual Parque Conceição.
-Tito! Sumiu de novo! Onde esteve?
Um dia seu filho mais novo casou e foi embora. Dona Margarida ficou sozinha. Os filhos acharam que ela não podia morar só naquele fim do mundo e ela teve de mudar-se para o Alto da Lapa, para morar com o seu filho mais velho.
A partir deste dia, Dona Margarida nunca mais foi feliz.
 
* * *
Dona Margarida era minha avó. Seu nome de batismo era Margaretha Wassermann, casada Flügge, também chamada de Oma Grete (Oma em alemão é avó).
A rua em que ela morava chamava-se das Guajuviras e hoje se chama Rua Volkswagen.

Por Roberto Flugge

domingo, 11 de setembro de 2011

Transporte em São Paulo



Na represa Billings, perto da Escola de Emergência São Benedito, tinha a canoa do Zezinho. Ao menos uma vez por semana, ela e ele remavam até o outro lado. Uma cachoeira e as casas dos ricos eram as atrações. Navegar não é preciso.
E tinha também o bonde. À noite, o curso clássico, no Alberto Conte. Chegou março de 1968 e o bonde morreu. Bem ali, no Largo 13, onde, hoje, centenas de camelôs e seus clientes de pouca grana e muita fama se movimentam. Essa massa humana movimenta-se ainda mais rápido quando chega o "rapa". Que força nas pernas, meu! Que categoria nos braços com toda aquela tralha! Quanto equilíbrio na corda bamba da vida. Nessa olimpíada, essa turma é ouro. Ouro de tolo.
Numa quase meia-noite, ela no ponto de ônibus da Praça D. Benta. Bem atrás da Santa Casa de Santo Amaro, do lado do necrotério. A pilha de livros nas mãos. Pra quê tanto caderno, meu Deus? O ônibus chega e vem cheio. Lugar só para um pé no degrau. Mas, dá pra subir. O outro pé fica pendurado. Material num braço e o outro com a mão livre pra segurar na porta. O ônibus parte e faz a curva para pegar a Rua Isabel Schmidt. O peso do mundo desaba sobre ela. A gritaria é geral. O motorista, que não era surdo nem nada, pára. Mas se engana quem pensa que ela caiu. O homem ao lado, agarrou seu rabo de cavalo e a manteve suspensa no ar. Material escolar estatela-se no chão. Tudo recolhido, segue transportada. Lugar mais à frente do ônibus apareceu do nada. "Que rabo forte, hein?" - um falou. "Essa foi por pouco".
Táxi era coisa rara, ainda mais praquelas bibocas. Não iam lá por dinheiro nenhum. Transporte certo era o "SPédois". Em tempos de Karman Guia.
Agora todos plugados, distâncias encurtadas em muitos megabites e esta demora para chegar. Os carros, bibelôs de asfalto. Da canoa do Zezinho à cidade dos helicópteros, cuja frota só perde pra Nova Iorque.
Ainda assim, 1/3 dos deslocamentos nessa cidade ainda é a pé.

Por: Suely Aparecida Schraner

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

De repente, a esperança.


Dizem que o verde é a cor da Esperança. Pois foi justamente assim que começou este caso.
Estávamos colhendo verde, não para plantar maduro, mas para examinar uma folha de parreira que pendia do muro da casa que fica na esquina das ruas Califórnia e Indiana, no Brooklin.
Foi então que ele se aproximou.
Os olhinhos vivazes, perguntou se íamos plantar. -Não, expliquei. Uva não pega assim. É que vou fazer uma bandeja no formato desta folha. -É para o Natal, disse minha mulher. E ele:- Mas o Natal está longe, ainda.
Acho que vocês são como eu, sempre antecipando as coisas. Afinal, tenho 93 anos e não sei até quando vou viver...
Fiquei pasmo! - Não está com jeito de quem vai morrer, disse eu. 93 anos! Dificilmente alguém lhe daria 80!
-Nasci em 1918. Advoguei por 71 anos, e por 71 anos estou com minha esposa.
Meus filhos, que já casaram e separaram várias vezes, dizem que sou um mau exemplo.
Era espantoso. O rosto, liso e corado, os olhos brilhantes, boa postura, baixo e troncudo.
Ninguém lhe atribuiria tal idade. Aliás, conheço gente que nem chegou aos 60 e está longe dessa vitalidade.
-Pois é, advoguei durante tantos anos e agora escrevo. Vocês gostam de ler?
-Sou também escritor, disse-lhe. Sobre quê está escrevendo?
-Bom, não sei o que vocês acham... É contra a Igreja Católica!
-Por nós, pode mandar bala, dissemos.
-Então vou deixar-lhe um livro na portaria. Moro naquele prédio, ali adiante...
Despedimo-nos e lá se foi ele, com seu andar firme. Nenhuma ajuda, nenhuma bengala, sequer um claudicar. Pois passaremos lá amanhã, para ver se cumpriu sua promessa.
Mas, levava todo o jeito que sim.
Então, é possível sim, mesmo com a vida problemática e agitada que levamos, chegar a uma idade provecta em boa forma física e mental!
Ali estava a prova viva disto, meus caros e lamurientos colegas. Ah, a Esperança!
Ele nascera no final da Primeira Grande Guerra, atravessara os loucos anos 20, a Grande Depressão, a Revolução Constitucionalista, a Segunda Guerra, a Revolução Cultural e a Contra Cultural, o fim do Comunismo que vira nascer, o Bug do Milênio e ali estava, firme, aparentemente intacto.
Tudo para dar-nos uma lição, ó homens de pouca fé. 93 anos e com um jeito de quem ainda vai longe.
A Esperança é mesmo a última que morre!

Por Luiz Saidenberg

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Histórias da Light - 2


Pois bem, tinha meu cunhado, Arnaldo Passacantando, já falecido, trabalhando na Ligth, (seu único emprego na vida). Por coincidência, trabalhava lá, também o marido de minha prima Amália, o Rubens, que, às vezes, nós nos servíamos deles pra não ter que ir até o centro da cidade. Minha tia Izabel (já falecida), mãe da Amália, um dia esqueceu-se de pedir ao genro, Rubens, pra pagar a conta que vencia naquele dia. Pediu, então, ao filho de uma sobrinha dela, Toninho. Garoto esperto, vivo, inteligente, nem um pouco tímido. Há muitos anos que não o vejo, sei que hoje é um bom dentista. Ele recebeu instruções como chegar à Ligth, devia ter dez anos, mais ou menos, década de 50 pra 60.

A instrução da tia Belina, era pra ele chegar lá e perguntar pelo Rubens, dar a conta a ele que iria pagar. Não deu o dinheiro porque tinha receio que ele perdesse e depois acertaria com o genro. O Toninho chegou naquela bela entrada do prédio, só via gente atrás dos guichês. Não sabia o que fazer, de repente lhe vem à memória as instruções. Pôs as duas mãos em concha na boca e deu um tremendo de um berro:- “Eu quero falá co Rube, (pronunciava o nome do Rubens a moda dos italianos, o “R” era o “R” do urubu, (não carregava como se fosse dois erres), vocês entenderam, né, então...? - É o Rube da Belina, chama ele pra mim, pô, voceis son surdo?”

Veio o segurança, acalmou o Toninho, descobriu o andar em que o Rubens trabalhava e assim o Toninho foi pra casa, missão cumprida.

Por Modesto Laruccia

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Um “Viva” para Nossa Senhora da Penha


A Penha de França é um bairro antigo da cidade de São Paulo e que teve seu início quando uma capela foi erguida no alto de uma colina. Neste local atualmente encontra-se a Igreja Nossa Senhora da Penha, conhecida como a igreja velha, isto porque o bairro ganhou um novo santuário para acolher a Nossa Senhora.
As festas tradicionais para comemorar seu aniversario, além de contarem com a fé dos moradores do bairro e seus vizinhos, sempre foram fontes de atração também de romeiros vindos de longe, para cumprirem suas promessas.
A data escolhida foi 08 de setembro, dia da natividade de Nossa Senhora. Neste dia, lembro que as escolas do bairro se mobilizavam para dar um brilho especial à grande festa; eu mesmo participei muitas vezes, pois tocava na fanfarra da escola, que levava o nome da querida santa.
Logo cedo as fanfarras desfilavam pelas ruas do bairro e a do meu colégio, Instituto Estadual de Educação Nossa Senhora da Penha, era a mais esperada por todos, inclusive por toda comunidade religiosa. Um privilégio, uma honra e um sentimento de proteção pairavam em nossos corações.
Nos arredores da igreja montavam-se as barracas, como de uma quermesse, para que as famílias pudessem passar algumas horas de alegria e felicidade neste dia tão importante para o bairro da Penha de França. As novenas e as missas em homenagem à Nossa Senhora, também não podiam faltar e o comparecimento das pessoas era de grande porte. O bairro ficava movimentado e as famílias mais unidas, voltadas para o sentido daquela grande festa.
À noite, finalizando a festa, um festival de fogos iluminava o céu da Penha e, neste momento, podíamos sentir as emoções tomarem conta de todos os corações que, humildemente, se conectavam com a Nossa Senhora.
Até hoje, esta festa se faz presente em sua nova sede. A quermesse continua agora no pátio, em frente à Igreja. A novena e as missas também, mas, sinto que algo está diferente. Talvez aquela emoção e fervor dos fiéis tenham se oxidado com o tempo, mas o importante é que a Nossa Senhora da Penha continua lá, para receber as homenagens do seu dia.
Que a Santa Senhora da Penha escute o coração e as palavras de todos seus filhos, com alma confiante de que Ela possa nos dar seu carinho, nos envolver no calor do seu manto maternal e atender nossas preces.
Neste dia 08 de setembro quero prestar minha homenagem para a padroeira da cidade de São Paulo, apesar de não ser declarada oficialmente, sabemos que, pela tradição e devoção popular, é denominada inclusive pelas autoridades religiosas como: padroeira da cidade de São Paulo.
Um “Viva” com muito amor à rainha da Penha, Nossa Senhora da Penha de França.

Por Margarida Peramezza

terça-feira, 6 de setembro de 2011

O prédio do DOPS


(Uma experiência insólita)

 
Sempre passei “batido” por lá. Nunca havia entrado e nunca quis entrar.
Prefiro pensar nesse edifício como a segunda estação da Sorocabana.
Antes dela, havia uma estação rudimentar com alguns arremedos de galpões.
Em 1914, Ramos de Azevedo projetou e construiu o novo edifício. Mas, São Paulo crescia vertiginosamente. A Sorocabana necessitava de uma estação maior e melhor aparelhada. Nos anos 20, começa a construção da estação que ora se vê - projeto de Cristiano Stockler das Neves – e que, desde 1952, chama-se Estação Júlio Prestes.
O DOPS, em São Paulo, foi fundado em 1924. Teve o nome de Delegacia, depois, Intendência. Naqueles tempos turbulentos da Anarquia, do Sindicalismo revolucionário, a sua função era o controle dos movimentos que colocassem em risco a Ordem Social e os cidadãos. Nos seus primeiros tempos a sua função era mais preventiva do que repressiva. Isso tudo mudou radicalmente com o “Estado Novo”. Mudança que continuou até 1983, quando o DOPS foi extinto.
Em 1935, o prédio projetado por Ramos de Azevedo, passou a abrigar o Departamento de Ordem Política e Social. E, desde 1935, o prédio transformou-se no cenário macabro das vítimas do Estado Novo e da Revolução de 1964.
Desnecessário se faz aqui relatar os dramas e a violência que acontecia entre aquelas paredes. É de conhecimento geral...
Eu prefiro pensar no edifício, como a segunda Estação da Sorocabana. Uma estação que, nos anos 10, era uma porta de entrada a trazer progresso e riqueza para a Capital e o Estado. Um lugar aonde vidas iam e vinham. Por suas portas passavam os sonhos, as decepções e, acima tudo, a esperança.
Uma linda estação que foi transformada na porta de entrada do inferno de Dante: “Deixai toda esperança, vós que entrais”!
Nunca havia entrado lá, nem nunca quis entrar. Mas, já diz a velha frase: “Nunca diga nunca”!
Por necessidade, tive que enfrentar os “meus fantasmas da ditadura” e entrar naquele lugar cuja egrégora era tão negativa e deprimente. Eu tinha que fazer a sinopse para um projeto de pesquisa sobre a ocupação do prédio. Passei pelo Memorial da Liberdade, Pelo Museu do Imaginário do Povo Brasileiro. Até ai, tudo ia bem. Mas havia chegado o momento de descer aos “porões” do DOPS...
Em meio aos visitantes, digital na mão, eu iniciei a indesejada visita. As celas estavam alteradas. Somente o espaço para o banho de sol permanecia intacto. Cada cela continha, nas paredes, materiais alusivos ao período da ditadura: “Posters”, panfletos, capas de revistas, etc. Cela a cela, fui fotografando. Mas a última, no fim do corredor, foi-me impossível fotografar.
À porta da última cela senti-me paralisado. Senti com se minha energia estivesse sendo sugada. De repente fui acometido por uma estranha depressão e uma forte dor de cabeça. Congelado entre aqueles umbrais, olhando o interior da cela, aterrorizava-me aquilo que os meus olhos não viam, mas – coisa sem sentido – eu sabia que algo estava lá, invisível. E, dentro de mim, eu sentia que ali não estavam os torturados e sim, os torturadores falecidos que voltaram e entre aquelas paredes, cada um vivia o seu inferno particular.
Um casal se aproximou por trás de mim e o homem pediu licença para entrar na cela. Com o som da sua voz eu recuperei a minha mobilidade e afastei-me. O casal entrou. Encostei-me à parede do corredor. Sentia-me exaurido. E que dor de cabeça! Dentro da cela, a mulher começou a chorar desesperadamente e pedia, entre os soluços, que o homem a levasse dali. Saíram e eu fui atrás. O casal saiu rápido pela porta de entrada, sob os olhares assustados das atendentes. Eu saí, logo em seguida.
Explodia de dor de cabeça! Entrei em um bar e pedi um café-expresso. Abri a mochila e retirei a cartela de Aspirina. Peguei dois comprimidos e os engoli com o café sem açúcar – a velha fórmula da Cafiaspirina caseira. Passados alguns minutos a dor de cabeça desapareceu completamente. Achei estranhíssimo. Mesmo com as aspirinas, a minha dor de cabeça mais simples levava, pelo menos, meia-hora para desaparecer... Foi-se a dor e “bateu” uma tremenda fome. Pedi dois X-salada e uma água mineral.
Enquanto esperava pelo lanche fiquei pensando no que acontecera. Fora auto-sugestão, dei asas à fantasia? Catarse? Infestação do local? Memórias que permaneceram impregnando aquelas paredes? Teria sido a minha imaginação a pregar-me uma peça?... Foi a minha imaginação? Sei lá!
E por que aquela mulher que me pareceu tão calma e equilibrada de repente ficou histérica? Teria ela entrado em sintonia, como eu, com as energias daquele ambiente? E, sem desprezar a lógica, pensei: Talvez, ela fosse parenta de alguém que foi torturado lá...
Continuei por um bom tempo a perguntar-me, em busca de respostas improváveis, mas não impossíveis que me acenassem com alguma solução plausível. Nada! Concluí que o insólito é o insólito. Ele é difícil de explicar ou justificar...

Por Wilson Natale