quarta-feira, 22 de junho de 2011

Sexo e Montepio da Família Militar.


Há mais de trinta anos, nos tempos da ditadura, eu trabalhava na Denison Propaganda, na Brigadeiro, quase esquina da Paulista.
A agência ficava numa pitoresca galeria, que tinha várias lojas embaixo. Papelaria, bazar de jóias, um restaurante japonês e o Zakuska, bar russo que era o ponto dos colegas chegados a uma bebidinha. E pouca gente ali não o era.
Certa vez, encontrei lá, 5 da tarde, um contato já de cotovelo no balcão, degustando seu aperitivo.
Como fazia todos os dias. Os donos, o Russo e a Russa, bebiam mais que os clientes, quietinhos no seu canto. Sua vodka vinha direto do congelador, com estalactites de gelo.
Podia-se acessar a agência por elevador ou pela escada espiral, já que ficávamos no primeiro andar.
Nas duas hipóteses, não havia nenhuma fiscalização sobre quem subia. Não havia portaria, naquele tempo, e as entradas da agência ficavam em pontos cegos. Podia entrar quem quisesse, coisa impensável hoje. Assim, eram frequentes os roubos e não se podia deixar nada nas mesas, a não ser bem escondido.
Certo dia, voltando do almoço, passei pela sala de um colega, que perguntou:
-Ei, você viu a mulher?
-Que mulher?
-Uma que está vendendo títulos do Montepio da Família Militar... E sexo oral, de brinde!
Fiquei estupefato, mas, ali podia-se esperar qualquer coisa e quando, a seguir, a mulher apareceu, eu já estava prevenido.
Era uma senhora baixinha, sobriamente vestida, nada sexy. Pareceria uma tia daquela época, mas, agora o tempo passou e somos muito velhos para ter tios assim.
-Psiu, chamou ela. -Você quer entrar para o Montepio da Família Militar?
-Não, minha senhora. Eu detesto militares.
-Ei, ei... E que tal um sexo oral, então?
-Muito obrigado. Mas estou cansado... Transo toda hora!
-Ah, é?! Ei, ei, e com quem, com quem?...
-Com todo mundo... Aqui é uma zona!
Aborrecida, a mulher partiu para assediar outros colegas. Ninguém topou e ela saiu furiosa, reclamando aos berros:
-Seus gays! Todos gays! Aqui não tem homem nenhum!
Essas coisas são mesmo incríveis... Mas, reais! Pior é que umas colegas vieram reclamar que eu havia maculado a honra das “donzelas” da agência!
Como sou desenhista, fiz uma caricatura do acontecido, com a única correlação que pude achar entre os fatos: Todo mundo olhando espantado, e a senhorinha dizendo- Ei, ei, que tal; Montepio e sexo oral, hein, hein? A Família Militar quer mais uma vez "ferrar" com todos vocês!

Por Luiz Saidenberg

21 comentários:

Miguel S. G. Chammas disse...

Luiz, sei qual é esse predio, aliás, não só sei como foi lá que eu tive o escrtório da minha primeira firma de Consultoria. A Data C.
Era realmente do jeito que vc relatou, e no lado da Brigadeiro, o restaurante alí instalado, fazia, às 6as. feiras, uma excelente bacalhoada na hora do almoço.
Dias felizes.....

Soninha disse...

Olá, Luiz!

Nos tempos da ditadura, eu era bem pequena...Mas,lembrome que não se podia falar nada... Os adultos nos mandavam falar baixinho ou nem falar sobre detrminados assuntos.
Engraçado, na sua história, ao menos sobre sexo podia-se falar, ao menos pelos corredores dos prédios, sem que fossem presos ou detidos para interrogatórios,não é mesmo?!
Mas, um belo texto e uma bela história, bem engraçada.
Valeu!
Obrigada.
Muita paz!

Zeca disse...

Caro Saidenberg!

Gostei do texto! Especialmente por me lembrar que, há trinta anos, eu ainda morava na Av.Paulista, no Edifício Tuiuti, esquina com a Maria Figueiredo. Curiosamente, um edifício construido por e para militares que, com a ditadura, acabaram vendendo os apartamentos para "civis", embora velhos generais insistissem em continuar morando ali até o dia da morte.
Portanto, conheci a tal galeria, cujo nome não recordo. Mas era, praticamente, "ao lado de casa". Quem sabe não nos cruzamos por lá?
Se era o mesmo predio que imagino, no último andar havia uma academia que eu frequentava e, portanto, utilizava, pelo menos, os elevadores do edifício todos os dias.
Quanto aos montepios... que viraram "moda" nos tempos da ditadura, eu mesmo não escapei deles e amarguei o prejuizo de alguns anos de mensalidades pagas religiosamente. Só não fiz sexo oral com a vendedora já entrada em anos. Coisas da juventude!

Wilson Natale disse...

Saidenberg: Achei seu texto muito triste!
Você não teve compaixão da pobre senhora que, além de vender o Montepio, completava a renda "orando" um Monte-de-"piu-piu"... Ahahahahahahaaaaaaa!
Muita maldade a sua!
E, realmente, naquele tempo, não só as galerias, mas os prédios de escritórios eram uma zona ao cubo. Lá no escritório onde trabalhei, na R. Álvares Penteado, também era assim: um entra e sai na casa da mãe Joana! Certa vez, uma moçoila, vendedora da linha masculina dos produtos AVON invadiu o prédio a nos oferecer os produtos e támbém, se quiséssemos, por um precinho módico, ela pegaria no nosso "microfone" e "cantaria Babalú"... Ahahahahaaaaaaaa!
Teve gente que comentou que a donzela - ma non troppo - "cantava Babalú até em grego!
Ótimo texto!
Abração,
Natale

Luiz Saidenberg disse...

Muito obrigado. Não lembro de academia no topo desse prédio, mas havia nele um dentista, que alguns colegas frequentavam.
O prédio ainda existe, e a galeria tb. Fica numaa esquina, em que se girando pela ruazinha de trás, volta-se á São Carlos do Pinhal.
Bem melhor o seu caso, Wilson, pois a tal "tiazinha" não dava pé mesmo, a menos que vc tivesse passado uma temporada na prisão, ou voltado de anos numa ilha deserta. Mas, o mais intragável para mim era o tal Montepio, nos tempos da dita Dura!
Arrrrghhhh!!!!

Luiz Saidenberg disse...

E peço perdão aos leitores sensíveis, em especial às damas, pela crueza da história e tb, como disse Wilson, pela minha frieza e crueldade no ato. Mas, afinal, eu dei uma amenizada nos palavrões proferidos na ocasião, bem mais chulos do que escrevi. Abraços.

Laruccia disse...

Olá, Luiz, vc tb "caiu" nessa do "Montepio", não? mas, eu caí. Quanto a mulher querer vender e oferecer uma "secção de sexo" de consolação, ela deve ter esbarrado em um problema muito comum, na época, a "dita...dura", ela não permitia qualquer liberalidade, impedia toda iniciativa seste sentido.Gostei do texto, Saidenberg.
Laruccia

MLopomo disse...

Nos anos 1970- 80 se vendia muitos títulos. Esse do montepio da família militar cheguei a receber um vendedor. Tinha também uma tal família de Harry Cristas ou coisa que o valha que se não vendia carnês, enchia o saco para focar ao lado da teoria deles. Muitos outros títulos eram vendidos:Carnê do Baú, Paulistão, Erontex, do Juventus, Corinthians, Palmeiras, o carnê do Paulistão era para terminar de construir o estádio do Morumbi. A principio se fazia um sorteio de um carro Galaxie em 1966, todos os dias no hall de entrada da TV Excelsior, Rua nestor Pestana 196. Sem contar os carnês de compras da A-Exposição - Clipper, Mappin, Garbo. etc.

Wilson Natale disse...

Saidenberg: São Paulo é um livro de contos de fada e é também um romanção do Nélson Rodrigues.
Muita coisa acaba se perdendo pela auto-censura ou pudores.
Livre e solto, você trouxe à baila um fato divertido e também muito importante:
Eu mesmo lembrei disso pelo seu texto.
No tempo da ditadura,para não cair na "vidiagem", as prostitutas tinham que comprovar que tinham renda lícita. Algumas que eu conheci, nos intervalos de recebimento da "clientela", exerciam a função de camiseiras,vendedoras de roupas, passadeiras. Outras vendiam produtos Avon, bijuterias, etc. Conheci também duas, lá da Rua Vitória, que "trabalhavam à noite" e aproveitavam a manhã a a tarde trabalhando como vendedoras do Mappin.
Algumas "vendedoras", de escritório em escritório, acabavam por receber "cantadas" e, então, uniam o útil ao agradável... E a moda pegou!
Claro que haviam as "oferecidas", como essa que você descreveu.
De todas elas, as que melhor destino tiveram foram as vendedoras de roupas. Muitas, no tempo da ditadura deixaram de lado a dita "dura" e tornaram-se donas de "Boutiques"...(risos)
E a beleza sobre os textos das nossas reminiscências paulistanas está em fazer parte de paisagem humana e interagir com pessoas dos mais diferentes grupos.
Gosto de textos assim, como o seu!
Não me basta São Paulo como um cenário fantástico ou fantasioso a ser descrito. É preciso preenchê-lo com a humanidade dos seus habitantes. Todos eles e não somente os biografáveis.
Abração,
Natale

Wilson Natale disse...

Consertando: No comentário supra, leia-se VADIAGEM e não vidiagem :)
Esqueci de dizer que, quanto ao MONTEPIO, não caí nesse conto. Lembro muito da propaganda do Montepio da Família Militar que invadia o rádio e a televisão.
Abraços,
Natale

Arthur Miranda disse...

O unico Montepio que conheci bem de perto, foi o um monte depios no ninho da galinha da minha vizinha que vivia sempre choca andando pelo quintal, e bem longe do galo, mas essa galinha nunca pensou na dita dura e muito menos em sexo oral.
Saidenberg, gostei da história, as galerias todas, eram verdadeiros puleiros de penosas.

LAERTE CARMELLO laertecarmello@hotmail.com disse...

SAIDENBERG: Trabalhei na Colgate (Vila Clementino) como gerente de
produtos entre os anos 69 e 72. Não
me lembro mais dos nomes dos contatos, mas lembro bem do Ercílio
Tranjan que comandava a criação, como também jamais esquecerei do Sepp Baenderek e principalmente do expansivo/loquaz Hector Brener. Quanto às reuniões de fins de tardes nos bares das vizinhanças, as mesmas eram mandatórias,pois faziam parte da empatia cliente-agência, resultando nas aprovações das peças publicitárias. Muitas saudades daqueles tempos! Abraços!

Luiz Saidenberg disse...

Laerte, que concidência! A Colgate era mesmo tradicional cliente da Denison, como a Cia. Telefonica, Chrisler, Hering e outras mais contas. E trabalhei mesmo nessa fase do Ercilio, de 1977 a 1978. Ele fazia dupla com Anibal Guastavino, já falecido, e o chefão era Barone, que tb já se foi. Mas quem mandava mesmo era o Tranjan. Conheci, portanto, muito bem toda essa turma. Apenas nós dois não nos conhecemos lá porque eu não fazia parte do grupo Colgate. Então, certamente, vc frequentou o bar Zakuska, ponto favorito da turma. E caro Modesto, não cai não no golpe do Montepio, viu? Agora, tais atividades eróticas, com ou sem ditadura, exécito, igreja, religião, polícia, sempre foram, e serão praticadas, enquanto o mundo é mundo. Grazie Dio! Abraços a todos.

Luiz Saidenberg disse...

Ah, Modesto, o que quiz dizer é NÃO CAÍ. Nem no do Motepio, nem da citada senhora.

Luiz Saidenberg disse...

Ah, Modesto, o que quiz dizer é NÃO CAÍ. Nem no do Motepio, nem da citada senhora.

Zeca disse...

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Ah, bom, Saidenberg!

Eu me enganei na localização! O prédio onde fica a galeria descrita por você é do outro lado da Paulista, na esquina oposta ao que eu confundi. É onde existe uma antiquíssima loja da Kopenhagen, onde eu me empanturrava de chocolates. E onde existia também um alfaiate que fazia minhas calças e camisas e um cabeleireiro, que naquela época ainda era chamado de barbeiro, onde eu cortava os meus cabelos.
O prédio ao qual me refiro é um que fica naquele triângulo formado pela Brigadeiro, Al.Santos e Manoel da Nóbrega. Alí também existiam uns bares no térreo e, nos dois últimos andares, a tal academia que eu frequentava.
Ambos os prédios, o "seu" e o "meu" ainda existem. A kopenhagen também, mas a tal academia não tenho a menor idéia.
Essa galeria que você mencionou era praticamente um ponto de passagem obrigatório para todos que frequentavam aquela área. Ela ligava a Paulista à São Carlos do Pinhal, livrando-nos das calçadas lotadas, na Brigadeiro, com os varios pontos de ônibus ali existentes. Além de ter, em seu interior, um comércio bem variado que, com o tempo, foi decaindo como tudo, naquela área. E eu cheguei a ter amigos que moraram nos muitíssimos apartamentos que existem naquele prédio.
Como vê, seu texto continua me fazendo lembrar, com detalhes, uma época da minha vida.

Abraço.

suely aparecida schraner disse...

Muita gente caiu nessa do Montepio. Já a cantada da "dona" nem um pio.
Eu gostei. Parabéns pela narrativa! Abraço.

Luiz Saidenberg disse...

Muito obrigado. Caro Zeca, a galeria fica mesmo na esquina da rua que sobe para a Brigadeiro na qual termina a Al. Campinas. Atrás, uma estreita ruazinha, que dá para a São Carlos. Vc localizou, mesmo. Conheço a outra a que se refere, e fiz tb ginástica na academia ali, noutra época.
Abraços.

Luiz Saidenberg disse...

Aos habitués e mais chegados a um balcão, sugiro a leitura de Nervos de Aço e Fìgados de Alumínio Anodizado, neste mesmo site. Abraços.

LAERTE CARMELLO laertecarmello@hotmail.com disse...

SAIDENBERG: Acabo de lembrar o nome
dos profissionais que me atendiam na Colgate: O Fabiano e o Newton Guerra(grande pianista)com os quais compartí bons momentos no Zakuska.
Falando em Agências, não me lembro onde li que Você também trabalhou na Almap quando era na Pça.da RepúblicaXVieira de Carvalho.
Eu ia lá frequentemente atender o Alex Periscinoto e Julio Ribeiro, que pediam pesquisas na Marplan(R.24 de Maio) onde trabalhei entre 64 e 68. Esses profissionais também eram meus professores na Escola Superior
de Propaganda na 7 de abril, prédio dos Diários Associados. Dá para perceber que também fui do seu ramo!

Luiz Saidenberg disse...

Caro Laerte,
pena, mas não lembro de
Fabiano e Newton Guerra. Mas, na arte, conheci o português Edmundo, Lavinho e o redator Mauro, responsáveis pela criação. Antes havia tb trabalhado Paulo Azevedo, redator, mais conhecido como Paulinho Louco.
Realmente, trabalhei na ALmap da República, quando era apenas ilustrador, em 67 e 68. Quase dez anos depois, trabalhei novemente lá, mas na Paulista. Trabalhei em publicidade por 36 anos, em, creio, 14 agencias, entre grandes, medias e (poucas) pequenas.
Fomos mesmo colegas desse ramo!
Grande abraço.