terça-feira, 7 de junho de 2011

Memórias de promessas friolentas


Nem só de maldades eram os meus dias com meu Tio Miguel.
Gostava quando ele, fazendo-se de rogado, com cara de indiferença, atendia aos meus rogos e, pegando os bolachões de cera, iniciava uma audição musical fenomenal.
Eram discos de selo verde, enormes, gravados por nomes famosos do cenário internacional.
Tito Schippa, Gigli, Caruso, Gino Bechi eram os meus preferidos; sabendo disso, ele os tocava com maior frequência.
Trechos de óperas, faziam uma audição especial. Eram executados, sempre, com uma pequena estorinha ilustrativa, ou um “causo” vivido por ele.
Tio Miguel fazia essas audições musicais ao cair da tarde, lá no Cambuci, depois que a sirene da fábrica de chapéus Ramenzoni berrasse a hora da saída dos seus operários, assim, aquele barulho insuportável não atrapalhava nossa música.
Devo a ele a minha pequena cultura musical.
Lembro-me, também, que nas noites friorentas de Sampa, quando a tradicional garoa paulistana descia borrifando com suas gotículas as janelas das casas, causando a impressão de um frio ainda maior, meu velho tio, esfregando suas enormes e bem cuidadas mãos, reclamava da friagem e dizia para minha tia: Maria, vamos tomar um café para afugentar o frio?
Perguntava e já se dirigia à cozinha, levando-me pelas mãos.
Minha tia, na sua calma lusitana, nos seguia e tirando o café da jarra de barro, colocava um pouco na panela e acendia o fogo para esquentá-lo.
Aí era a parte que eu mais aguardava; meu tio dirigia-se ao móvel da cozinha, tirava de lá um litro de uma bebida incolor, colocava uma pequena poção num copinho, mistura a essa bebida o café quentinho e me dava para beber.
Lembro que o café ficava muito mais gostoso. Ficava com um sabor de anis e rapidamente acalorava meu pequeno corpo.
Anos mais tarde, vim saber o nome daquela bebida mágica, era Licor de Sambuca, e hoje, sempre quando enfrento as noites invernais, vem à minha boca o gosto daquela mistura maravilhosa.
Prometo, então, comprar um litro de Sambuca e tê-lo por perto no inverno. Os meses passam, as estações também e, no inverno seguinte, volto a fazer a mesma promessa que, infelizmente, poucas vezes cumpri.
Por Miguel Chammas

24 comentários:

Zeca disse...

Ô, Miguel!

Felizes os que tiveram por perto um tio tão amigo e cuidadoso como o seu tio Miguel! Eu também tive um tio carinhoso, o tio que conversou comigo sobre sexo, que me dava conselhos e até queria conhecer as minhas namoradas! Era o meu tio Nelson, de saudosa memória, irmão caçula da minha mãe e que, muitas vezes, foi mais importante que o meu pai.

Só tem uma coisa: não entendi direito a parte onde sua tia tirava o café da jarra de barro... a coisa mais próxima que vi, foi no Perú, onde visitei uma família em Cuzco e a dona da casa, toda orgulhosa tirou de um vidro, uma espécie de xarope grosso, escuro e viscoso, que diluiu em água fervente e me serviu, dizendo que era café!

No mais, essa sua crônica está tão saborosa quanto todas as outras.

Abração.

MLopomo disse...

Como descendente de italianos, tinha tambem os discos de Tito Schippa, Beanino Gigli, Henrico Caruso, Gino Bechi. Tinha tambem disco de Mário Lanza, para mim o maior de todos os tenores. Varios discos desse cantor tinha em casa.dos nacionais tinha Roberto Luna, Solon Sales, Francisco Alves e da jovem cantora que era denominada a estrela de São Paulo Hebe Camargo

Laruccia disse...

Miguel, "a salvação da lavoura". Sambuca, nome mágico, no inverno, onde encontro uma garrafa? Minha mãe (meu pai, nem tanto...)não tomava café se não tivesse Sambuca. Que lembrança gostosa vc me trouxe. Me fala, porca miséria, onde encontro... Nada de anisete, eu quero, io voglio, i want, jo quiero SAMBUCA, Michele, capicci? Vc sabe onde tem? Seu texto é, no mínimo, EMBRIAGADOR. Parabéns, Chammas.
Laruccia

Miguel S. G. Chammas disse...

Mô, onde eu encontrei Sambuca na ultima vez, foi numa galeria da Rua Augusta no quarteirão antes da Avenida Paulista do lado´direito dr quem vai no sentido dos Jardins.
É uma loja no andar terreo importadora de bebidas.
Vai lá, compra e me chama para um cafezinho. rsrsrsrs

Soninha disse...

Oieeeee...

Que tio bonzinho o seu!
Em minha época de criança,os adultos não nos deixavam experimentar bebidas alcoólicas... Só eu avô materno, como descendente de italianos que não dispensava o vinho, misturava soda limonada ou água e açúcar no vinho para dar às crianças e, para nós, era uma festa isso...kkkkk
Também tinha a ocasião de férias, no interior, quando ia com minha prima buscar o leite, esperávamos o sitiante ordenhar a vaca e comprávamos o leite quentinho...ele nos dava um tanto para tormarmos uma caneca, alí mesmo, na ordenha, e colocava um tantinho de cognaque no leite e dizia que era para não dar dor de barriga...kkk
Era bommmmmmm!!!
Valeu!
Obrigada.
Muita paz! Beijossssss

Miguel S. G. Chammas disse...

Zeca,
minha tia, nas primeiras horas da manhã coava uma grande quantidade de café e a colocava na jarrade barro. Depois, durante o dia, esquentava apenas a quantidade que ia consumir a cada vez.
Explicado?
abraços

WPT-Brasil disse...

Saborosa e caliente história, caro Miguel. Sambucca Romana...lembro que muitas vezes quando minha firma almoçava- bons tempos- no Piazza Colonna, R. Maranhão, era de praxe pedir uma sambuca com um grão de café em cima e au flambeau-isto é, em chamas(ói teu nome aí!)
Abraços.

Luiz Saidenberg disse...

Macché cazzo é questo de WPT? Quem escreveu fui eu, Saidenberg...
esse site tá com coisa!

Miguel S. G. Chammas disse...

Caro amici Luiz, com tão requintado comentário, eu nunca poderia julgarque fosse de outra pessoa.
Os ambientes citados só poderiam ser coisas de Saidenberg.
Valeu o comentário

Soninha disse...

Oieeeeeee WPT Brasil....ops,Luiz!

Deixa eu explicar.Quando fazemos login nos diversos serviços Google ou blogger, sempre tem a opção "mantenha-me conectado" e devemos observar se esta opção está selecionada. Caso esteja, ficaremos conectados.
Acredito que alguém deva ter usado seu computador com aquele login e o manteve conectado...Assim, quando você enviou o comentário, saiu como WPT Brasil. Fui verificar esta ID e o blog é legal também...tem uma abordagem de como cuidar de papagaios e tem uma publicação assinada por André Saidenberg.
Penso que foi isso o que aconteceu,amigo.
Coisas do mundo virtual!
Valeu!
Beijinhos em Márcia.
Muita paz!
Fraternal abraço.

Arthur Miranda disse...

Miguel, como eu nunca havia ouvido falar em Sambuca, no inverno quando era criança me esquentava embolado com meu gato da raça tomba lata, chamado Samuca, que era preto e branco e é claro como eu corintiano, e ambos na época ja estavamos esperando o novo Estádio. rsrsrsrs.
Gostei dessa sua historia caliente. abraços e parabéns.

Miguel S. G. Chammas disse...

Tutu, gato Samuca e corintiano?
Sai fora que é FRIA.kkkkkkkkkkkkkkkkkk

Wilson Natale disse...

O teu "Zio" Michele era bonzinho!
A minha cultura operística com toda a explicação veio do meu "nonno". Mas as explicações, sobre as óperas, do meu "Zio" Amedeo eram mais interessantes; Ex: Explicando o livreto da Traviata - " Ela era uma "vagabonda", uma p... de luxo qui dava prá todo o mundo qui tivesse dinheiro... Dizem qui ela morreu tuberculosa, má a verdade e qui ela tava pdre mesmo, di tanto dá. Ela moreu é di sífilis... (risos) Por ai você vê por que eu gostava de ouvi-lo. Ahahahaaaaa!
Não sei se é a mesma coisa. Mas o Sambuca lembra-me o Harak ou Arak., aquele anizette feito pelos árabes, que se mistura com água ou com o café. É considerado digestivo. Se você quiser mando a receita. É fácilde fazer.
Minha avó não usava a jarra, e sim, uma botija de barro para por o café. E servia da mesma maneira que a sua tia.
E você sabia que o café na jarra, ou recipiente de barro permanece quente por mais de 3 horas? Pois é. O barro (cerâmica) é térmico.
Ótimo texto. Valeu!
Abração,
Natale

Miguel S. G. Chammas disse...

Natale, receitas nunca são demais. Pode mandar que eu agradeço.

Miguel S. G. Chammas disse...

Aliás Natale,mminha descendencia é ´rabe e napolitana, então o Arak é uma das bebidas de minha preferência. O que é preciso é tomar cuidado ao bebê-la, parece inofensiva, mas dá um tombo daqueles.....kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

Wilson Natale disse...

Meiguel:Foi o que eu pensei:Arak. Com "H" fica parecendo "HARA" e licor de hara ninguém merece! Ahahahaaaaaa!
O Arak pode ser feito como refresco, sem alcool.
Quando mandar a receita eu explico isso melhor.
Abração,
Natale

Luiz Saidenberg disse...

O arak, tal como ouzo, sambuca e outros traçados de aniz, como
cantava Nelson Gonçalves, é uma cacetada. Mistura-se água, e ele se torna branco turvo. E o primeiro gole já sobe para o cérebro como um golpe de adaga sarracena. Mas que bom, isto é...abraços. Ah, Sonia quem colocou o WPT foi mesmo meu filho. É uma organização ecológica de proteção a papagaios. Bjs.

Giuseppe Orsini disse...

Vem para a Italia onde ainda encontra-se a Sambuca apesar nao ter muita gente que toma essa bebida de sabor antigo. A mais famosa è SAMBUCA MOLINARI.
Abraços
G. Orsini

Miguel S. G. Chammas disse...

Orsini, é um grande prazer tê-lo comentando em nosso blog. Eu estava saudoso de seus comentários. Volte sempre.

MLopomo disse...

Uma pergunta: A foto é de quem, Tito Schippa, Gigli, Caruso, Gino Bechi?

Giuseppe Orsini disse...

Com certaza volto.
Hoje liguei para o Modesto exiplico para mim como escrever no blog.
Deu certo
Abraços

Miguel S. G. Chammas disse...

Para quem não conhece, o cantor da foto é o famoso Titi Schippa.

marcia ovando disse...

Nunca ouvi falar dessa Sambuca, mas que deu vontade, ah deu!
abraço grande

Luiz Saidenberg disse...

Márcia, se vc já tomou arak, ou ouzou, ou mesmo anisette, é por aí!
Abraços.