Dia 24 de Junho, dia de São João, era o aniversário de minha mãe, então, a festa era dupla: uma pelo aniversário e outra para a fogueira sagrada desse dia. Todo ano tinha fogueira e, um mês antes, eu e meu irmão, com a ajuda da molecada, íamos catando lenha e todo tipo de madeira para a fogueira, que era feita na Rua do Porto, Itaim Bibi. A princípio, colocava os mourões, que nada mais eram que troncos de eucaliptos grossos e bem secos, pois eram cortados meses antes, ficando sob o sol e chuva. Os troncos que estavam com tamanho de um metro, eram colocados em baixo, formando um quadrado e pedaços de madeiras que pegávamos na Marcenaria Fontes, na Rua da Ponte, eram colocados dentro. Gravetos completavam o conteúdo para pegar fogo mais fácil. A fogueira era armada durante o dia e só colocavam fogo quando estava escurecendo.
Às seis horas da tarde, o quentão já estava sendo feito na base de gengibre, açúcar e pinga; batatas doces já estavam selecionadas, sendo sempre as maiores para colocar na fogueira quando ela já estivesse em brasa. Depois que as batatas eram retiradas, era a vez dos homens pisarem nas brasas; eram os chamados “pés cascudos”, que não sentiam dor e não ficavam com os pés queimados.
Pipoca era feito aos montes. Muitos fogos eram comprados: Caramuru com um tiro canhão, ou de três tiros, e bombas com forte poder explosivo. Para as crianças, as bombinhas de dez centavos, biribas e fósforos de cor eram a farra da criançada.
Naqueles anos 1950, o céu estava cheio de balões, época que não era proibido solta-los. Balões de vários tipos se viam no céu e o que mais me chamou atenção foi o balão elefante, creiam, o “artista” fez até a tromba do bicho, que ficava cheio de fumaça dentro dela, depois saia por um pequeno furo feito na ponta da tromba.
Em frente à casa de dona Laura, seria solto um grande balão charuto, que meu pai tinha feito junto com Seu Osvaldo. O balão era tão grande que a boca tinha cerca de trinta centímetros do diâmetro. A tocha era enorme, com breu e querosene. Colocado a tocha, o balão estava em pé, com muita gente segurando e uma pessoa em cima do telhado para segurar o bico. Quando foi colocado fogo, o balão já pegou força para subir; não era necessário dar o impulso para cima. Quando todos soltaram, ele subiu rápido e Berto, para comemorar a subida dele, soltou um caramuru que estourou bem no meio do balão, que foi queimado rapidamente. Meu pai achou que ele fez de propósito, mas, Seu Osvaldo achou que foi uma fatalidade.
Quem gostava de fazer balão era meu irmão José... Desde garoto ele já fazia; começou fazendo balão-caixa de quatro folhas e, mais tarde, de oito folhas de papel de seda. Ele mesmo fazia a tocha com breu e o balão não subia devido ao peso da tocha e, quando ele diminuiu o tamanho, o balão não ia muito longe. Daí pra frente, ele passou a fazer as tochas com parafina, que era mais leve. Era difícil achar pedaços de parafina nas lojas... Foi daí que percebemos que tinham velas feitas de parafina e ficou mais fácil. Meu irmão, então, mudou a forma de se fazer tochas. Ele diminui ao máximo o tamanho delas, fazendo dois rolinhos de saco de estopa com parafina, colocando distante da outra, torcendo o arame, ficando uma a cinco centímetros da outra, formando uma cruz, que passou a ser chamadas de “tocha em cruz”. Daí, elas eram consumidas mais lentamente. Não tinha balão que não subia.
Na Copa do Mundo de 1958, o Dia de São João caiu numa terça-feira, dia em que o Brasil ganhou da França por 5x2 e o jogo final entre Brasil x Suécia estava marcado para o domingo, 29 de junho; naquele tempo, dia de São Pedro, caindo em dia de semana, era feriado.
Dois balões estavam sendo preparados para o dia da vitória que todos esperavam. Os dois eram enormes charutos de 96 folhas, que seriam solos logo depois do jogo, com o Brasil todo comemorando o título mundial soltando fogos. A nossa turma já estava preparada para soltar os balões; o primeiro charuto seria solto em sentido horizontal com quatro bocas, chamado de charuto deitado e com uma das bocas pendendo, fez com que o balão pegasse fogo. Já o segundo, era outro charuto de 96, de uma só boca, que foi solto em sentido vertical; meu irmão, especialista em tochas para balão, caprichou. Foi soltar o "bicho", vê-lo sumir nas nossas vistas.
Com o progresso e o crescimento da cidade, foi proibido soltar balões; assim mesmo as pessoas soltavam, mas, não tinha mais aquele glamour... As ruas já estavam asfaltadas e não se podia fazer fogueira, a não ser num terreno baldio, ou então, para quem tinha quintal, e até os quintais foram sendo suprimidos para aumentar a casa. E as festas juninas ficaram na memória de quem viveu aquela época.
Por Mário Lopomo
7 comentários:
É verdade, Lopomo!
As festas juninas acabaram ficando mesmo na memória de quem viveu aquela época. Depois, foram ficando restritas às quermesses e quase desapareceram, sendo atualmente recuperadas pela vontade de pessoas saudosas, como nós. Ou em cidades que fazem delas eventos para atrair turistas, mas já sem aquele charme de antigamente, com as pessoas da rua ou do bairro envolvidas na preparação, como você tão bem narrou nesta gostosa crônica.
E que saudade daquelas noites frias, com noites escuras e enfeitadas por luzinhas coloridas, que eram os balões! Infelizmente, se por um lado eram uma beleza de ver e admirar, por outro lado eram um perigo, causando incêndios, muitas vezes de proporções desastrosas. Mas que era bonito, isso era!
Abraço.
Olá, Mário!
Bacanas suas lembranças!
Creio que são nossas também. Lembrou-me das festas juninas de nossa casa, de nossa rua, de nossa escola...eram bem legais.
Meu irmão e toda a turma da rua faziam balões enormes...dava até medo. Mesmo porque, tinham de subir no telhado para segurar a ponta e minha mãe ficava apavorada.
Sobre os fogos...nossa....lembrei-me de certa vez quando fui acender um fósforo de cor e a faísca pegou em meu cabelo, queimando um tantinho da franja...chorei até...rss
Valeu!
Obrigada.
Muita paz!
Lopomo: É uma pena que a magia dessas festas tenham se perdido!
E,ainda bem que vivemos essas festa de junho com toda a intensidade!
Lembro que,além das ruas embandeiras, as foguerias ardiam nos pátios das igrejas, onde também haviam as quermesses junidas a par das barracas de guloseimas.
Nas rádios, tudo era uma "festa na roça"! Até os comerciais tinham a sua trilha feita com "música caipira".
Na televisão, programas e comerciais ao som da quadrilha e com cenários simulando arraiais...
Hoje a maioria das festas são restritas aos colégios, aos clubes e a poucas paróquias...
Hoje, persiste a tradição. Mas perdeu-se a magia.
Gostei muito do seu texto!
Abração,
Natale
Desculpem-me pelos êrros terríveis!
Hoje eu tô que tô!
Tá braba a minha "dislexia" tecladal.
Acho que é por causa do gengibre que puzeram nos muitos "quentão" que tomei! Ahahahahaaaaaaaa!
Abração,
Natale
As festas juninas sempre atraiam famílias, por mais simples que fosse o bairro.Estas eventos deixaram inúmeras ocorrências, a grande maioria, alegres e com colorido todo especial. Sua narrativa é uma prova disto. Parabéns, Mário.
Modesto
MÁRIO: Histórias como esta ressuscitam a amigável cultura dos nossos velhos tempos, as quais mantinham as pessoas mais próximas e mais amigas. O que Você nos conta sobre o São João do Itaim podia ser replicado em qualquer outro bairro, por exemplo, desfrutei de tais festas no Ipiranga onde nasci, na Pompéia dos meus avós, na Moóca dos meus tios. Hoje em dia este autêntico São João a que Você se refere só existe no Nordeste, onde tive a oportunidade de viver alguns anos. Porque acabou o São João aqui em Sampa? Porque o progresso capitalista predatório vai introduzindo as torres residenciais/comerciais, os shoppings, os veículos automotores aos milhares, a selvagem competitividade entre as pessoas etc. em detrimento dos valores culturais/humanos e da aproximação/empatia entre elas.
Este blog é um impagável esforço de reviver estes valores do passado e, sobretudo,manternos unidos.
Por isto, peço a Você, Caro Mário, grande escritor e pesquisador, que continue nos brindando com suas brilhantes postagens. Abs. Laerte.
As festas juninas ficaram nas lembranças. Ótimo crônica. Que a tocha da memória ilumine cada vez mais suas ideias inspirando novos tetos. Parabéns!
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