quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Pequena crônica de um novo tempo

Esqueça como era, veio a ordem pelas sinapses que não controlo. O apartamento é aquele, mas não é. Os móveis são outros ou, para dizer o mínimo, foram mudados de lugar. Aquele quadro não estava na parede que, por sinal, era amarela. Antes, o botão do elevador levava-me para o segundo; hoje, o andar está acima. Lembro-me de uma varanda, onde eu podia apreciar um trecho da rua, nas tardes frescas ou nas noites quentes. Ficava imaginando o destino daquele senhor que dobrava a esquina, a passeio com o cachorro.
Hoje, vejo daqui da varanda com mais horizonte, como é a esquina depois da curva. E aprecio o senhor com o cachorro, mesmo depois da dobra da esquina. A esperá-lo, uma criança ainda não preparada para o passeio com o cachorro, segurando as mãos de uma senhora. Fazem uma festa, o senhor, a criança, a senhora e o cachorro.
A dobra da esquina não é mais um mistério. Entro no apartamento. Mas, não é igual. O dentro não é igual e o fora, também. Estou tateando nesse novo lugar, como quem anda em silêncio, com as pontas dos pés, para não acordar alguém. Como quem chegou tarde da noite, sorrateiro. Mas, o relógio, em algum canto do apartamento, avisa que uma nova hora está começando. Uma hora nova e uma era nova. O relógio não se preocupou com o silêncio do apartamento e cumpriu seu dever, como um bom e fiel guardião do tempo. Despertou-me por alguns segundos, enquanto badalava sobranceiro e indiferente.
Mas, continuei tateando, por precaução, exagerada talvez, por desconhecer ainda a nova conformação do apartamento, a nova arquitetura do prédio, o novo andar, o novo morador, o porteiro que começou ontem, a visão mais ampla da varanda, os novos quartos, o senhor com o cachorro, a senhora com a criança, os novos botões do elevador que deveriam ser apertados. Como é bom apertar o botão de elevador, pensei. Apertar e sair correndo. Já fiz isso! Já fiz? Não lembro. Mas, se não fiz, outro fará em meu lugar.
Era um aprendizado aquela nova era anunciada pelo relógio em forma de oito, o oito do infinito. Se assim podia ser entendido, era um aprendizado o que eu fazia. E podia assim ser entendido, como um aprendizado, sem dúvida.
Eu, um aprendiz. E por que não? Somos todos aprendizes, mesmo sendo sábios. O sábio virou sábio aprendendo, filosofei. Continuei em silêncio, e assim estava também o relógio, após sua algazarra atrevida de lembrar-me sobre a nova era.
Passei pela sala, pela cozinha, pelo corredor, pelos quartos. Não entrei nos banheiros. Talvez até devesse, por necessidade. Como era diferente. Aquilo não era ali, ali não tinha aquilo. Mas é bonito, pensei. É aconchegante. Há perfumes que não havia antes. Aliás, nunca havia sentido esses perfumes.
Abro um dos quartos e vejo uma mulher. Ela é familiar. É muito bonita. Ela dorme. O perfume também vem dali. Parece que emanado de uma auréola que, como protegendo, pair
a sobre essa mulher. Ela, embora dormindo, tem o sorriso de quem melhorou o mundo. Dorme, na placidez do dever cumprido.
Entro em outro quarto, esse novo, para minha visão. Não havia esse quarto, não havia esses móveis. E essa luz então? Ela é muito forte! E o perfume aumenta, inunda, sem perturbar. Ao revés, inebria. Há uma luz, muito forte e difusa no canto. Ali é a nascente do rio perfumado. Ouso, tateando ainda, aproximar-me. Parece uma criança, um bebe ainda, nascido há pouco. Na verdade, é o que parece. Não há dúvida. Uma tenra criança, um bebê de poucas horas nesse novo mundo.
Vejo a nascente do perfume, aquele que amolece os sentidos e ativa uma emoção difícil de expressar. Parece que o rio da vida nasce ali. Por onde serão seus leitos? Quem serão seus afluentes? Isso não importa, pelo menos agora. Aprisiona meu olhar e minha atenção, nesse momento, a nascente do rio de perfumes. Penso comigo mesmo. Consigo refletir... E concluo: "Nada será como antes!"
(em homenagem ao Frederico, vindo ao mundo exterior em 10 de fevereiro de 2011, às 12:13, no Hospital São Luiz - SP/SP, com 3.270 Kg. e 48 cm)

Por Gentil Gimenez - avô

9 comentários:

Miguel S. G. Chammas disse...

Gentil, que lindo texto de recepção ao neto que veio alegrar e aquecer o coração do avô.
Nós, avôs também, sentimos na pele essa homenagem.
É sempre bom ver uma vida nascer cheia de punjante alegria
Parabéns!

Luiz Saidenberg disse...

Parabéns, Gentil. No seu caminho, constata que tudo muda, tudo se renova, e a vida também. Mais um ser humano sobre a Terra, e é seu neto. Muitas felicidades a todos!

suely schraner disse...

O Frederico é um garoto esperto.Escolheu bem em que família cair. Escolheu ainda um avô talentoso e poético. Uma avó pra lá de especial e tios bem legais. Ah, e esta "tia avó", de contrabando...rsrsrs

Soninha disse...

Olá,Gentil!

Como diz a canção: "...e a vida se refaz; e a morte não é mais pra nós!"
Parabéns. Gentil...a você, à mamãe e papai de Frederico.
Que Deus os abençoe com muita saúde e alegrias.
Obrigada pelo texto.
Seja bem vindo ao mundo,Frederico!
Valeu!
Muita paz! Beijosssssssss

Leonelloo Tesser disse...

Gentil, como avô eu posso imaginar a sua alegria e emoção, realmente após o nascimento de um neto nada será como antes, parabéns, abraços, Leonello Tesser (Nelinho).

Leonelloo Tesser disse...

Gentil, como avô eu posso imaginar a sua alegria e emoção, realmente após o nascimento de um neto nada será como antes, parabéns, abraços, Leonello Tesser (Nelinho).

Zeca disse...

Gentil,

seu texto, de tão poético e amoroso, chega a ser comovente. Parabéns a todos, pais e avós do Frederico. E a ele, que seja muitíssimo bem vindo e que encontre toda a felicidade que sua família está pronta a perseguir para ele.

FREDERICO, SEJA MUITO BEM VINDO!

Abraço.

Wilson Natale disse...

Lindo, Gimenez - avô!
Nem um dia é como outro. Tudo vai mudando dia-a-dia. Mas, certos dias se tornam um um acontecimento unicos em nossas vidas.
Parabéns Vovô!
Que seu neto cresça com saúde, que seja feliz e prospere muito!
Abração,
Natale

Modesto disse...

Original mensagem de amor por um neto que acaba de chegar. E é aquariano, o que é melhor ainda. Nunca vi ou lí uma recepção tão rica em detalhes e muito bem descritos. Parabéns, Gimenez.
Modesto