sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Minha história mesclada à de Sampa – 4ª parte

Voltando à casa em que morávamos, em frente ao Grupo Escolar Conselheiro Crispiniano, como já disse antes, eu tinha cerca de três anos – talvez um pouquinho mais - quando nos mudamos para lá. Era uma bela casa, bastante espaçosa, com quintal e uma enorme jabuticabeira, que dava jabuticabas enormes e tão deliciosas quanto a sombra que nos protegia do sol. Saia-se de casa, pela cozinha, direto num pátio cimentado e, depois desse pátio, a jabuticabeira, enorme e soberana. Lá nos fundos, de um lado uma pequena horta e do outro um galinheiro. Eu costumava brincar nesse pátio, enquanto minha avó se ocupava das lides domésticas. A porta de entrada (a dos fundos) dava num corredor que se abria para a cozinha de um lado, para o banheiro do outro, para os quartos e, lá no fundo, para a sala, que só era aberta para receber visitas.

Várias vezes alguns movimentos no interior da casa me levavam a sentar nessa porta e ficar atento ao que se passava lá no fundo, na sala, que não era muito clara devido às pesadas cortinas que eram fechadas logo após a limpeza matinal. Eu via macaquinhos pulando pela sala! Claro que ninguém me dava atenção, mas eu via! Lembro, até hoje, como se pudesse vê-los ainda. Só que eu não entrava, não por medo dos macaquinhos – pelo contrário, tinha vontade

de brincar com eles – mas, pela proibição de brincar dentro de casa. Então, ficava ali, sentado e vendo seus movimentos rápidos, na esperança de que eles viessem brincar comigo no pátio. Mas, eles nunca vieram!

Outra coisa um pouco estranha acontecia à noite, após todos se deitarem. Não eram todas as noites, apenas de vez em quando. Eu estava dormindo e era acordado por um vulto, todo branco e de branco, debruçado sobre as grades do meu berço, sorrindo para mim. Só isso! Na verdade eu não via o sorriso, nem mesmo suas feições! Apenas sabia que ele estava sorrindo e que não me faria nenhum mal. Mas, mesmo assim, de vez em quando eu gritava assustado. Minha avó e minha mãe vinham correndo, acendiam a luz e a visão sumia. Nesse caso, ao contrário do caso dos macaquinhos, meus pais e minha avó acabaram se preocupando, pois veio uma senhora, bem velhinha, acompanhada de outras duas pessoas e, durante alguns dias, fizeram orações no meu quarto e no resto da casa, com velas, flores brancas e defumações (naquela época não se usava incenso). Depois disso, sumiram os macaquinhos e o homem de branco.
Um dia eu encontrei um lápis de marceneiro: um lápis que não era redondo, m
as retangular e bem maior que os comuns, com o grafite achatado e largo. Fazia parte das ferramentas do meu pai que, antes de fazer contabilidade e direito, havia feito, por imposição da mãe dele, o curso de marcenaria. Só que ele não gostava de trabalhar com isso, embora tivesse todas as ferramentas e até uma pequena oficina instalada num quartinho no quintal – e até havia feito alguns dos móveis que tínhamos em casa. Bem, de posse desse lápis, sai rabiscando todas as paredes laterais da casa! Acho que estava treinando para ser um futuro grafiteiro. Imaginem o que aconteceu comigo depois... rs.

A rua de casa não era grande. No final dela havia um eucaliptal, onde não podíamos ir brincar, pois ali havia lobos – e os lobos comiam criancinhas. À tarde, para dormirmos (meu irmão e eu), minha avó dizia que o lobo estava rondando a casa, atrás da janela do quarto e que nos pegaria se não dormíssemos. E nós, com toda nossa inocência, caíamos nessa conversa e pegávamos no sono rapidinho. Virando à esquerda, logo após o eucaliptal, havia a Santa Casa de Misericórdia, dirigida por irmãs de caridade. Lá também havia uma capela onde era rezada missa, diariamente. Assim, era comum vermos passarem na rua, padres e freiras. Naquela época ainda havia aquelas freiras que usavam aqueles chapéus voadores que parecia que iriam levantar vôo a qualquer momento. E eu, claro, logo me tornei amigo de alguns dos padres e de algumas das freiras. De vez em quando, com autorização de minha avó, eu ia com eles assistir à missa. Creio que começou ai a minha vocação sacerdotal.

Retornando à jabuticabeira, uma tarde eu queria fazer bolinhas de sabão. Para isso precisava de um talo de folha de mamoeiro. Só havia um problema: minha avó estava deitada, descansando, e a empregada já tinha ido embora. Então, esperto que nem o que, fui até o fundo do quintal, onde havia um mamoeiro, bem ao lado do galinheiro e junto ao muro dos fundos. Levei uma cadeira e, não sei muito bem como, consegui subir no muro para pegar uma folha do mamoeiro. Acordei horas depois, com um tremendo curativo no lábio superior e minha avó, mais algumas vizinhas, todas preocupadas em volta do meu berço. Aconteceu o seguinte: devo ter perdido o equilíbrio na hora de pegar a tal folha e caí dentro do galinheiro. Lá havia, no chão, um tijolo e eu cai logo com a boca sobre esse bendito tijolo, que me quebrou um dente (ainda bem que era de leite) e furou o meu lábio. A galinhada fez um barulho danado, uma das vizinhas, que estava no seu quintal, ouviu, espiou por cima do muro e me viu lá, desacordado e todo ensanguentado. Acordou minha avó e me levaram correndo até a Santa Casa, onde me deram uma anestesia e alguns pontos no lábio e depois me mandaram de volta para casa. Praticamente todas as vizinhas foram me ver e passei alguns dias de astro, sendo o centro das atenções não só dos familiares como também da vizinhança e dos meus amigos padres e freiras que vinham me visitar e me traziam tercinhos, livrinhos coloridos de orações, docinhos e outros mimos. Dessa aventura ficou um calombo no meu lábio que me acompanhou durante toda a minha infância e acabou saindo quando eu era adolescente, com uma plástica.

Uma vez, minha mãe estava recebendo um vendedor na varanda de casa, que estava lhe mostrando uma enceradeira, que ela acabou comprando. Uma das casas vizinhas estava recebendo uma reforma e havia um monte de areia em sua frente, onde eu, meu irmão e o filho da vizinha, estávamos construindo estradas e túneis. Num determinado momento, ela me perguntou quem era aquele homem que estava na varanda com minha mãe e eu disse que era um vendedor de enceradeira. Como ela quisesse saber por que minha mãe havia vendido a enceradeira usada para ela, eu disse candidamente que era porque a outra dava ch
oque. Ela ficou furiosa e foi até lá tirar satisfações. Não sei como elas resolveram o assunto, mas minha mãe foi me buscar, levou-me para casa pelas orelhas e passou pimenta na minha língua para que eu deixasse de ser linguarudo. Só sei que chorei muito e esfregava a língua no tanque para ver se parava de arder. Dentro daquela enxurrada de lágrimas sentidas, ficava me perguntando o que estava errado, afinal, a minha própria mãe sempre me ensinava que não podíamos mentir e eu apenas havia falado a verdade! Coisas de adultos!

Essas são apenas algumas das recordações daquela casa que ficava em frente ao grupo escolar, onde entrei “na marra” no jardim de infância, onde tive algumas visões (que se repetiriam mais tarde) e onde tive, pela primeira vez, contato com padres e freiras (minha mãe, católica não praticante e meu pai, ateu declarado). Depois dessa, ainda nos mudamos diversas vezes e, muitos anos mais tarde, voltei ao mesmo prédio do grupo escolar, só que para cursar a primeira série do ginásio. Mas isso já fica para outras histórias...

Por Zeca Paes Guedes

8 comentários:

Wilson Natale disse...

Zeca: É incrível como a vida e o mundo cabe dentro de uma casa! Como um quintal pode conter mistérios e aventura. E o entorno, então, transforma-se em lugares distantes a se descobrir.
E como é bom ter infancia, mesmo com todos os perigos.
E você criança, como tantas outras (eu fui) foi um Marco Polo.
Texto ótimo. Parabéns!
Tem tudo o que faz parte do mundo infantil e da criança.

Abração,
Natale

Zeca disse...

LOURDES E MODESTO!

Como não estive por aqui ontem, aproveito hoje para deixar meus votos de feliz aniversário aos dois; à Lourdes que aniversariou ontem e ao Modesto que soprará velinhas amanhã. Que Deus os abençõe com muita saúde, paz e sucesso em todas as suas empreitadas.

Abraços e, novamente:

FELIZ ANIVERSÁRIO!

Luiz Saidenberg disse...

Caro Zeca, que mundo mágico o seu, na infância. Embora cada criança tenha o seu, pois tudo é descoberta e deslumbramento, só as mais sensíveis são capazes de tão belos sonhos e visões.
Faz-me lembrar cenas de Bergman, de Fellini. Que bela e feliz infância a sua, e olha que infância não é sinônimo de felicidade, muitas vezes pelo contrário. Aguardamos seus próximos capítulos! Abraços.

Laruccia disse...

Zeca, agradeço seus cumprimentos e vou esperar pra ver o "Coringão" (sou palmeirense) ser campeão da "Libertadores". Isso me dá mais UNS 20 ANOS. Tá bom.
Sua cooleta de pequenos epizódios de sua infância tem sua importáncia quando defrontamos o mundo infantil relacionado com os adultos. Vc não se preocupou, em descobrir, como apareceram os macaquinhos dentro de sua casa e o vulto todo de branco em seu berço. Deixe que a quimera de sua infância "trabalhe" pra vc e continue a pensar que vc, realmente viu macaquinhos e fantasmas. É muito mais gostoso... Parabéns, Zeca.
Laruccia

Modesto disse...

Em tempo: quando vou ter o privilégio de ver o cartão, tão bonito anunciando "FELIZ ANIVERSÁRIO - MODESTO LARUCCIA -
05\02\32 - Será que a Sonya ainda está brava comigo?
O "chorão"

Miguel S. G. Chammas disse...

Zecamigão, tua casa teu mundo.
Como é bom se recorda de causos da infância e poder dividi-los, depois de muitos anos, com outros amigos.
Fiquei feliz em te reencontrar. Conte mais, por favor!

Soninha disse...

Olá, Zeca, querido amigo!

Sem querer justificar,mas,explicano, estou meio atrasada nos comentários aqui, pois tive muitos hóspedes em casa,nestas férias e, quando vou parao notebook, edito textos, procuro imagens, acabo pesquisando outras coisas e posto os textos,o que me causa imensa satisfação.
Mas,as lembranças da infância são sempre bons momentos,quando nos tranportamos, cada um de nós,paranossa infância distante e querida.
Bons tempos os seus...a imaginação explicando algumas situações, a curiosidade levando a outras, as horas agradáveis de brincadeiras e descobertas...que saudade!!
Adorei conhecer um pouco mais de sua história.
Obrigada.
Muita paz!

suely schraner disse...

Zeca,
“Macacos me mordam”. O fantástico do seu texto me empolgou. Abraço, Suely