Turma do Braz contra os “coca cola
parte 2
Ano pós-guerra, 1946\47, com meus amigos de infância e juventude, Carrieri, Teófilo, (falecido), Stoppa (falecido), Nino Dragone, (falecido), Rafael Chiarella, (falecido), Miguel Scarico, (falecido) fundamos Juvenil São Vito, em 1946.
A vida era uma alegria só, jogos só no campo do adversário, no verão era futebol todas as noites no parque D. Pedro II, jogos de rua, (uma-na-mula, palha-ou-chumbo, mãe-da-rua, bola-casinha, bola-queima, pega-pega, cacheta (não era de cartas, punha-se uma caixa de fósforos, de pé, encostada na parede com as moedas em cima e do meio-fio, se arremessava auréolas de aço), carrinhos de rolimã e até “amarelinhas”. Sábados à noite, ir pra “zona”, na Itaboca ou Aymorés, depois pro centro num cinema, comer cachorro-quente no Salada Paulista ou ao Ponto Chic, no largo Paissandu, saborear o maior sucesso da época: BAURU.
Em casa, minhas irmãs, Lita e Maria, pespontavam calçados, Ana Maria, a mais velha, (já falecida), modista formada por escola italiana de modas (ela fez os vestidos de noivas de todas as irmãs, inclusive o da Myrte, uma verdadeira obra-prima de vestido). Quando a necessidade exigia a compra de presentes, minha mãe se encarregava de comprar, pra casamentos, pra futuros genros e futuras noras, ali pertinho, na General Carneiro, nas Joalheria Confiança ou na Casa Pastore, naquela via. Ia pela Rua do Gasômetro, passava pelo Parque D. Pedro II e General Carneiro. Pra ela, um passeio que fazia sempre acompanhada por uma das filhas. Dei, há poucos dias atrás, um alfinete de gravata, pro meu neto, Matheo, de ouro com um rubi, que ela presenteara meu pai, quando noivos. Quando era pra comprar um terno novo, a loja era “Ao Empório Toscano”, durante a guerra mudou o nome pra “A Metropolitana”. Morávamos na rua Alfândega e eu me encarregava de buscar lenha pra nosso fogão, na fábrica de formas de calçados do pai do Rafael, Sr. Giacomo Chiarella, na rua Monsenhor Andrade, “Chiarella e Tabini”.
As temporadas tinham como norte, as festas e quermesses de São Vito. A quermesse era (e ainda é) realizada em frente à paróquia, na Rua Polignano a Mare, (na época, Rua Alvares de Azevedo). Quando ficou decidido se fazer a festa de São Vito num ambiente fechado, com músicas e cantores conhecidos, houve uma pequena cisão, polignaneses tradicionais de um lado e os mais avançados de outro, sem haver ruptura, as procissões continuam até hoje, fogos e prendas nas barracas e na festa “fechada”, com lugares pra sentar em mesas confortáveis, com a já famosa culinária italiana, cuja finalidade é a creche, também continuam.
Corriam os anos de 1946\47, sábado, junho, as noites frias e garoentas, eram aquecidas pela quermesse de São Vito. Toda a barezada escanhoada, com seu melhor terno e gravata, banho tomado (era semanal, no inverno) tentando conquistar as barezinhas, vestidinhos de gala, todas “não me toques”, que se faziam de difíceis, esnobando a todos, dando sempre preferências aos “frastieres” (forasteiros; quem não morava no Braz e não era barês, era um estrangeiro). Hoje, quando vou às festas de São Vito, a grande maioria delas está na tarefa de “mamas”, na cozinha da festa e me cumprimentam... Agora, eu, heinn? Mas, elas continuam uma simpatia.
Bem, entre estes “estrangeiros”, que nós, os barezinhos abominavam, estava a “coqueluche” das barezinhas, os cadetes da aeronáutica. Nas proximidades da quermesse, mais precisamente, na rua Dr. Almeida Lima, ao lado da estação do Braz, (estação Roosevelt) estava situada a Aeronáutica, onde os cadetes, aproveitando-se da enorme promoção recebida dos americanos, logo após o fim da guerra, alardeavam suas posições diante das garotas, recebendo o apelido de “coca-cola”, refrigerante lançado nessa essa época. O formato da garrafinha era (e ainda é), acinturado, lembrando o corpinho delicado de uma garota. Bobagem mas, na época, equivalia chamar o cara de “viadinho”.
3ª parte.
Descobrindo a quermesse, os cadetes, com suas fardas bege, quepe de lado na cabeça, cabelo com corte “americano”, mocinhos bem apanhados, sem barrigas, com sotaques carioca, mineiro, nordestino e até de paulista (muito difícil), pareciam se impor junto às “nossas” meninas. Em qualquer roda de papo, eles centralizavam as atenções das meninas, explicando alguns detalhes sobre aviação, de onde eram, suas preferências em matéria de música, cinema, teatro e as mais distantes localidades que costumavam ir. Quando as garotas se afastavam, conversavam entre si, as comparações eram, constantemente, com os atores de destaques, na época. “Veja aquele de bigodinho, é o retrato do Errol Flinn... aquele outro, loiro, veja é o Alan Ladd, que coisa linda...” isso foi incomodando a nossa turma, chegamos à conclusão de expulsar os “coca colas”. Naquele mês de junho, eles apareceram em um ou dois fins de semana. Num deles, vi minha irmã junto às outras garotas falando sobre eles.
Reunimos alguns da nossa turma e chegamos à conclusão de que estava havendo invasão em nosso território, e isso era intolerável. Como se nós fossemos os donos da rua, traçamos um plano e colocamos em prática o mais rápido possível. Pegamos dois deles, na calçada do “parafuso” (antiga metalúrgica, cujo prédio existe até hoje e eles não tinham armas). Deixamos bem claro nossas intenções e eles responderam que a rua era publica, eles eram cadetes, não iam embora de jeito nenhum. A discussão foi aumentando; eles sinalizavam pros outros colegas, nós, idem, e o quebra pau começou. Eles estavam em dez ou quinze, quando a troca de sopapos pegou no breu, apareceu a turma dos “irmãos mais velhos” (na comunidade, sempre existiu essa divisão na família, um ou dois anos, a mais ou a menos, já não era da mesma turma, mas, não deixava de, num aperto, surgirem pra nos defender) então, foi um verdadeiro massacre. Quem assistia de longe via só os bonés, quepes, camisas rasgadas, fardas em frangalhos, tudo quanto vestiam; parte eles seguraram, outras iam pra cima do telhado da metalúrgica. Alguém chamou a polícia, prenderam alguns que foram soltos no domingo de manhã.
O massacre dos “coca colas”, ficou registrado nos anais da quermesse. Não façam juízo destas ocorrências nos conceitos atuais, aquela época era... aquela época.
Por Modesto Laruccia
parte 2
Ano pós-guerra, 1946\47, com meus amigos de infância e juventude, Carrieri, Teófilo, (falecido), Stoppa (falecido), Nino Dragone, (falecido), Rafael Chiarella, (falecido), Miguel Scarico, (falecido) fundamos Juvenil São Vito, em 1946.
A vida era uma alegria só, jogos só no campo do adversário, no verão era futebol todas as noites no parque D. Pedro II, jogos de rua, (uma-na-mula, palha-ou-chumbo, mãe-da-rua, bola-casinha, bola-queima, pega-pega, cacheta (não era de cartas, punha-se uma caixa de fósforos, de pé, encostada na parede com as moedas em cima e do meio-fio, se arremessava auréolas de aço), carrinhos de rolimã e até “amarelinhas”. Sábados à noite, ir pra “zona”, na Itaboca ou Aymorés, depois pro centro num cinema, comer cachorro-quente no Salada Paulista ou ao Ponto Chic, no largo Paissandu, saborear o maior sucesso da época: BAURU.
Em casa, minhas irmãs, Lita e Maria, pespontavam calçados, Ana Maria, a mais velha, (já falecida), modista formada por escola italiana de modas (ela fez os vestidos de noivas de todas as irmãs, inclusive o da Myrte, uma verdadeira obra-prima de vestido). Quando a necessidade exigia a compra de presentes, minha mãe se encarregava de comprar, pra casamentos, pra futuros genros e futuras noras, ali pertinho, na General Carneiro, nas Joalheria Confiança ou na Casa Pastore, naquela via. Ia pela Rua do Gasômetro, passava pelo Parque D. Pedro II e General Carneiro. Pra ela, um passeio que fazia sempre acompanhada por uma das filhas. Dei, há poucos dias atrás, um alfinete de gravata, pro meu neto, Matheo, de ouro com um rubi, que ela presenteara meu pai, quando noivos. Quando era pra comprar um terno novo, a loja era “Ao Empório Toscano”, durante a guerra mudou o nome pra “A Metropolitana”. Morávamos na rua Alfândega e eu me encarregava de buscar lenha pra nosso fogão, na fábrica de formas de calçados do pai do Rafael, Sr. Giacomo Chiarella, na rua Monsenhor Andrade, “Chiarella e Tabini”.
As temporadas tinham como norte, as festas e quermesses de São Vito. A quermesse era (e ainda é) realizada em frente à paróquia, na Rua Polignano a Mare, (na época, Rua Alvares de Azevedo). Quando ficou decidido se fazer a festa de São Vito num ambiente fechado, com músicas e cantores conhecidos, houve uma pequena cisão, polignaneses tradicionais de um lado e os mais avançados de outro, sem haver ruptura, as procissões continuam até hoje, fogos e prendas nas barracas e na festa “fechada”, com lugares pra sentar em mesas confortáveis, com a já famosa culinária italiana, cuja finalidade é a creche, também continuam.
Corriam os anos de 1946\47, sábado, junho, as noites frias e garoentas, eram aquecidas pela quermesse de São Vito. Toda a barezada escanhoada, com seu melhor terno e gravata, banho tomado (era semanal, no inverno) tentando conquistar as barezinhas, vestidinhos de gala, todas “não me toques”, que se faziam de difíceis, esnobando a todos, dando sempre preferências aos “frastieres” (forasteiros; quem não morava no Braz e não era barês, era um estrangeiro). Hoje, quando vou às festas de São Vito, a grande maioria delas está na tarefa de “mamas”, na cozinha da festa e me cumprimentam... Agora, eu, heinn? Mas, elas continuam uma simpatia.
Bem, entre estes “estrangeiros”, que nós, os barezinhos abominavam, estava a “coqueluche” das barezinhas, os cadetes da aeronáutica. Nas proximidades da quermesse, mais precisamente, na rua Dr. Almeida Lima, ao lado da estação do Braz, (estação Roosevelt) estava situada a Aeronáutica, onde os cadetes, aproveitando-se da enorme promoção recebida dos americanos, logo após o fim da guerra, alardeavam suas posições diante das garotas, recebendo o apelido de “coca-cola”, refrigerante lançado nessa essa época. O formato da garrafinha era (e ainda é), acinturado, lembrando o corpinho delicado de uma garota. Bobagem mas, na época, equivalia chamar o cara de “viadinho”.
3ª parte.
Descobrindo a quermesse, os cadetes, com suas fardas bege, quepe de lado na cabeça, cabelo com corte “americano”, mocinhos bem apanhados, sem barrigas, com sotaques carioca, mineiro, nordestino e até de paulista (muito difícil), pareciam se impor junto às “nossas” meninas. Em qualquer roda de papo, eles centralizavam as atenções das meninas, explicando alguns detalhes sobre aviação, de onde eram, suas preferências em matéria de música, cinema, teatro e as mais distantes localidades que costumavam ir. Quando as garotas se afastavam, conversavam entre si, as comparações eram, constantemente, com os atores de destaques, na época. “Veja aquele de bigodinho, é o retrato do Errol Flinn... aquele outro, loiro, veja é o Alan Ladd, que coisa linda...” isso foi incomodando a nossa turma, chegamos à conclusão de expulsar os “coca colas”. Naquele mês de junho, eles apareceram em um ou dois fins de semana. Num deles, vi minha irmã junto às outras garotas falando sobre eles.
Reunimos alguns da nossa turma e chegamos à conclusão de que estava havendo invasão em nosso território, e isso era intolerável. Como se nós fossemos os donos da rua, traçamos um plano e colocamos em prática o mais rápido possível. Pegamos dois deles, na calçada do “parafuso” (antiga metalúrgica, cujo prédio existe até hoje e eles não tinham armas). Deixamos bem claro nossas intenções e eles responderam que a rua era publica, eles eram cadetes, não iam embora de jeito nenhum. A discussão foi aumentando; eles sinalizavam pros outros colegas, nós, idem, e o quebra pau começou. Eles estavam em dez ou quinze, quando a troca de sopapos pegou no breu, apareceu a turma dos “irmãos mais velhos” (na comunidade, sempre existiu essa divisão na família, um ou dois anos, a mais ou a menos, já não era da mesma turma, mas, não deixava de, num aperto, surgirem pra nos defender) então, foi um verdadeiro massacre. Quem assistia de longe via só os bonés, quepes, camisas rasgadas, fardas em frangalhos, tudo quanto vestiam; parte eles seguraram, outras iam pra cima do telhado da metalúrgica. Alguém chamou a polícia, prenderam alguns que foram soltos no domingo de manhã.
O massacre dos “coca colas”, ficou registrado nos anais da quermesse. Não façam juízo destas ocorrências nos conceitos atuais, aquela época era... aquela época.
Por Modesto Laruccia
8 comentários:
Modesto,
acabei rindo bastante com a sua descrição do quebra-quebra. Parecia estar assistindo um daqueles filmes "americanos" onde as turmas não se entendiam e, frequentemente, se pegavam para resolver no braço suas diferenças.
De qualquer forma, para tempos logo após o encerramento da II Guerra Mundial, até que vocês não estavam muito preocupados com os tempos de paz, não é mesmo? Queriam mais é defender suas posições (ou garotas)!
Espero que essas reminiscências não parem por aqui, pois sei que ainda deve ter muito mais para ser contado.
Abraço.
AMIGOS:
peço licença ao Modesto para justificar minha ausência no encontro realizado ontem, na Moraes.
Na 4ª feira fui fazer um passeio de escuna pela baía de Paraty, com um casal de amigos. O passeio foi excelente, não fosse um pequeno acidente acontecido quase na chegada ao cais.
É que eu, descendo uma daquelas escadinhas íngremes, de um convés para o outro, escorreguei e me estatelei, ficando com hematomas no braço e na coxa esquerdos.
A princípio, não dei muita atenção às dores, mas como elas não passarem, ao contrário, aumentaram, na 6ª feira, ao invés de tomar o ônibus para São Paulo, como já estava programado, fui para o hospital local tirar radiografias.
Graças a Deus, não houve nenhuma fratura e está tudo bem, mas as dores me prenderam aqui e acabei novamente perdendo, desta vez por um acidente, a oportunidade de curtir a companhia de vocês.
Tenho certeza de que o encontro foi, como sempre, bastante gostoso (em todos os sentidos) e, se Deus permitir, no próximo, lá estarei, sem acidentes.
Abraços a todos.
Mô, naqueles dias, defender posições, garotas, turmas, eram motivos mais do que justos.
Eu também, tive algumas arruças desse tipo.
Enfim, eram resquícios dos tempos de pós guerra.
Adorei ler e imaginar as cenas por você tão bem relatadas.
O mais gozado foi lembrar que você não lembrava o que havia escrito quando de nosso encontro ao redor de lindas e saborosas redondas.
Olá, Modesto!
Parece coisa do reino animal,quando os machos defendem suas fêmeas e demarcam terrenos,não é mesmo?!
COm os humanos,acontecen igual...esta coisa de defender seu território e não querem que "marmanjo" algum venha cortejar suas mulheres...
Mas, fiquei imaginando a cena, em plena festa religiosa,a quiprocó armado,dispersando a todos e causando confusão... rss
Ontem, no encontro na Moraes, foi engraçado também, você não se lembrando do que havia escrito...kkkkkkk
Só você mesmo, heim,Modesto?!
Valeu!
Obrigada.
Muita paz!
A Guerra da Coca Cola...com isto, acentuou-se nesta época a ojeriza às Cocas( Colas), que muitos diziam ter gosto de Sabão Aristolino. Hoje, não ha´mais cadetes em S. Paulo, e a Coca reina indômita no reino dos refrigerantes! Bela história, Modesto !
Parabéns Modesto, historia muito bem contada, e que ao chegar ao seu final sempre nos deixa um gosto de quero mais, quero mais viu!
Era assim mesmo Larù! "U forastiere" quando chegava tinha que fazer por merecer a amizade dos que viviam na rua ou quarteirão.
E os pobres cadetes, escolhidos a dedo pela altura, porte físico e beleza causavam tumulto. Era concorrência demais e desleal. Ahahahaaaa! Meus tios os chamavam de "Cacca"-Cola (Cocô-Cola).
Boas e divertidas lembranças de um modo de vida que desaparceu.
Abração,
Natale
No texto achei falta das porteiras do Brás, que eu e o colegas do SENAI ajudavamos a empurrar quando ia passar o trem da Santos a Jundiai.
Postar um comentário