1963
13
de junho dia de Santo Antônio.
Meu
pai Antônio já por tradição de família, todo ano fazia a festa de Santo Antônio
para reunir a família e os vizinhos em nossa pequena chácara em Itaquera.
A
festa era preparada com antecedência e minha mãe encarregava-se de preparar os
doces típicos que fazia com muito carinho e competência, pois para ela nada mais
importante no mundo que receber elogios de suas comadres de como estes estavam
deliciosos.
Meu
pai como que por um ritual, sempre uma semana antes ia até o Calipeiro, onde
hoje está o Itaquerão, para escolher o mais belo exemplar que seria
transformado em mastro para sustentar as imagens dos três santos, Antônio, João
e Pedro, ao pé do qual na noite da festa seria rezado o terço sob o comando do
Juca da dona Olâmpia, o “maió” rezador da região.
A
mim ficava a missão de durante as semanas que antecediam a festa ir catando
lenha para armar a fogueira, que não podia ser pequena e pela tradição deveria
queimar a noite toda e amanhecer ainda acesa.
O
dia da festa amanheceu lindo como um típico de inverno com sol tímido num céu
sem nuvens de um azul brilhante que
contrastava com o frio dos ventos de inverno.
Minha
mãe e Ana minha irmã deram início a decoração do quintal que foi todo enfeitado
com bandeirolas de papel de seda colorido. Meu pai como exímio carpinteiro já
ia improvisando os bancos de madeira de construção ao redor da fogueira. Eu fui
escalado para ir buscar um saco de capim gordura, de preferência seco, que
seria utilizado no processo de acender a fogueira.
Missão
dada missão cumprida, peguei um saco de estopa que utilizada para carregar o
capim que normalmente eu cortava para os coelhos, passei na casa do João Turco,
e chamei o João Burrão para ir comigo buscar o capim.
Sabia
que na entrada do Calipeiro havia muito capim gordura, pois eu o havia avistado
no dia em que fui com meu pai buscar o mastro para o estandarte dos santos.
Fomos diretos para lá e foi muito fácil cumprir esta missão, pois nesta época
de seca quase todo o capim estava bem seco, no ponto para ser queimado.
Ao
colocarmos o capim no saco avistamos, mais a frente em uma touceira isolada em
uma haste de sementes do capim gordura, uma bola escura que ao longe nos
parecia ser um ninho de bico de laca, um passarinho de porte pequeno que vive
junto aos papa-capins. Nos aproximamos
do ninho e pudemos notar que não era de bico de laca e sim era uma bola de
carrapatos micuins também conhecidos como carrapatos pólvora.
Nesta
época do frio eles escalam estas hastes e se amontoam para acasalarem e depois
serem levados pelo vento para reprodução em qualquer lugar. Uma bola desta deve
ter mais de milhão de pequenos seres, prontos para encontrarem um animal
mamífero de sangue quente e se alimentar antes de morrem.
Olhei
para o João e ele para mim. Pronto a traquinagem já estava desenhada. Corremos
para casa com o saco de capim e retornamos para o Calipal agora com um saquinho
de papel destes onde eram vendidos a granel os grãos de arroz e feijão, que
comprávamos no armazém de secos e molhados do Seu Luiz Português.
A
habilidade do João era extrema. Vergou suavemente a haste do capim gordura,
colocou o saquinho debaixo e com um leve bater de dedos de forma contínua foi
derrubando toda a ninhada para dentro do saco. Agora saco com a boca amarrada era
só levar e guardar nosso tesouro para o grande momento.
A
festa tinha seu ritual, ou seja, o povo
ia chegando a partir das 18 horas e até as 20 todos já estavam lá. Às 20 horas
em ponto meu pai hasteava o mastro com os santos sob um estrondar dos fogos que
simultaneamente eram queimados pelos especialistas, meus tios Nine e Antônio.
Mastro fixado era a hora de todos sentarem-se nos bancos para a reza do terço.
Após o terço a fogueira é acesa e começa a comilança. Naquele ano meu pai havia
contratado um sanfoneiro que iria alegrar a festa e tocar para o povo dançar.
Assim
que o mastro começou a ser erguido e todos estavam com o olhar fixo nos santos,
os santinhos João e eu pegamos o saquinho e esparramamos os “porvinhas” por
todos os bancos.
Já
na segunda Ave Maria que o Juca rezava teve início o baile, sem música, porem
era um tal de coça coça, mexe mexe, sem parar e que por respeito a reza ia
sendo aguantado com bravura, principalmente pelas mulheres.
Não
teve jeito, antes do primeiro Pai Nosso o povo não aguentou foram levantando
dos bancos, os homens coçando para todo lado e as mulheres mais recatadas
correm para dentro de nossa casa onde minha mãe as ajudou a livrarem-se dos
carrapatos já depois do estrago feito.
Meu
pai indignado falou que os carrapatos só poderiam ter vindo junto ao feixe de
capim gordura, e sendo assim ateou fogo na fogueira e solicitou os homens que
passassem tochas de fogo pelos bancos e pelo terreiro para matar os micuins.
A
fogueira iluminou todo o quintal, porém o estrago era grande e a mulherada não
para de coçar. Minha mãe tentou distribuir suas guloseimas, mas não adiantou as
nove da noite só restavam no quintal o Chico Torto que sempre ficava até a meia
noite quando descalço passava sobre as brasas da fogueira sem queimar os pés e
o Seu Eduardo que ficava até acabar o caldeirão de quentão.
O
assunto foi tema das conversas entre as comadres durante toda a semana e motivo
de gargalhadas quando comentavam sobre s as mais diferentes e engraçadas formas
de se coçar de cada uma das senhoras.
Meus
pais ficaram frustrados com a festa do Micuim, porém atribuíram o fato a uma
fatalidade.
João
Turco e eu nunca contamos a verdade para eles, e durante muitos anos seguidos
sempre que havia a festa de Santo Antônio na minha casa nós lembrávamos este
fato olhávamos um ao outro de soslaio e riamos da piada que somente nós
entendíamos.
Por
Marcos Falcon
6 comentários:
Olá, Falcon!
Que traquinagem mais gostosa de se ler.
Adorei que você tenha tomado a iniciativa de voltar a escrever no blog.
Venha sempre. Divulgue.
Ninguém sabia desta sua "arteirice", mas agira já sabem os que lerem... kkkkkkkk
Obrigada.
Muita paz!
Sonia Astrauskas
Meu amigo essas traquinagens, por pior que fossem, eram imbuídas de alegria e purexa. Hoje jå não podem ser realizadas.
Restam as lembranças e este espaço para serem recordadss.Parabéns pelo lindo texto.
Tempo bom Miguel hoje só o prazer de recordar.
Abraços amigo
Obrigado Sônia vamos manter vivo este espaço para perpetuar nossas lembranças
Grande abraco
Caro amigo Falcon, grandes lembranças dos alegres momentos da infância, a gente cometia esses atos irresponsáveis mas sem a intenção de ferir o próximo, apenas para nossa diversão, parabéns pelo texto.
Eta tempo bom Falcon! E você sempre aprontando né! Consegui imaginar a situação e dei boas risadas! Muito boa sua história, parabéns!
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