Todos têm saudades. Não existe ser vivente, neste mundo de meu Deus, que não tenha saudades, Saudades de alguém, de alguma situação, de uma época, de emprego, enfim saudades de qualquer coisa. Este cronista, ou melhor, este rabiscador de textos insólitos também as tem, e muitas, de muitas coisas, de muitas ocorrências, mas Saudades mesmo, com “esse” maiúsculo eu tenho de uma senhorinha de estatura pequena, de nariz abatatado, de olhar intrigante e melancólico que povoou meus dias por mais de 40 anos.
Uma grande mulher embora de estatura pequena. Uma mulher que sofreu em silêncio ao ver seus sonhos irem, a cada dia, sendo apagados ou desestimulados. Uma mulher que dedicou sua existência a um casamento falido, a cuidar, com denodo, de uma família que não era originalmente sua, a zelar por filhos gerados dentro de seu útero, com todo carinho e responsabilidade, ensinando-os desde os primeiros passos, as primeiras letras, os primeiros voos, as primeiras desilusões, como deveriam enfrentar o mundo. Esses ensinamentos, lembro-me bem, foram efetuados de todas as formas e possibilidades, ora com carinhosos gestos, ora com surras homéricas.
Uma mulher que zelou, ainda, pela educação e acolhimento dos filhos de sua cunhada quando ela foi convocada por Deus para a espiritualidade.
Uma mulher que, acreditando no dever de suas promessas, ao perder, ainda na gestação, uma filha tão desejada, foi já no outono da vida, buscar na adoção a filha desejada, dela cuidando, acalentando e perdoando suas falhas e erros até sua despedida deste plano.
Isso mesmo, estou falando de Dona Thereza, minha tão honorável mãe, que neste 23 de setembro, se viva estivesse, completaria 97 anos de vida.
É, minha mãe, minha velha, como eu habitualmente e carinhosamente te chamava, hoje, novamente, aliás como todos os dias, me lembrei de você.
Lembrei de nossos segredos, de nossos desejos, de nossos sonhos, mas mais ainda, lembrei dos lindos momentos que juntos desfrutamos. Sabe minha velhinha, lembrei de várias tardes em que juntos, sentados no nosso quarto lá na casa da Rua Augusta, onde eu assistia você, com suas mãos milagrosas e mágicas, bordava os pontos em cruz ou outros mais difíceis ainda, nas peças de lingerie, de cama ou, ainda, de mesa que lhe encomendavam e que você agradecia por poder melhorar as finanças de nossa família com o suor e sangue de seus dedos.
Lembra, velhinha? Lembra que você, em várias oportunidades me olhava entretido em seus afazeres e perguntava, o que você está querendo Miguelzinho? E na ausência de minha resposta concluía: quer cantar comigo? E na ausência de minha resposta, começava a cantarolar, com sua voz maviosa e afinadíssima: “vide el mare quanto é bello....”, “Mamma son tanto felice”, ou ainda, “sola fané descangayada, la vi esta madrugada sair de um cabaret”, “La cumparsa de misérias sem fin desfila” “Il primo amore non siscorda mai” e tantas outras melodias que emolduravam nossas tardes com muita alegria.
É, minha velhinha, faz tempo que estas saudades brotam de meu coração amargurado.
Tenho medo, às vezes, de não ter feito por você tudo que lhe era merecido, mas, saiba que o pouco que pude fazer foi do fundo do coração, tentando compensar o muito que fez por mim.
Hoje, neste 23 de setembro de 2017, respeitosamente, te envio meu mais carinhoso e saudoso beijo e te confesso que a minha saudades é imensa. Um dia, ainda, deveremos nos encontrar novamente e afogar em abraços e beijos toda esta angustia.
Parabéns minha mãe!
Por Miguel Chammas
3 comentários:
Olá, Miguel!
Que bom ter mais um texto seu.
Recordar nossos pais... Ô coisa boa!
Pois elas estarão para sempre em nossa lembrança e em nossos corações.
Onde sua mãezinha estiver, se sentirá feliz por ser lembrada de uma forma tão carinhosa.
Também acredito que, um dia, todos nos encontraremos do outro lado com os nossos entes queridos.
Feliz aniversário, Dona Thereza, onde você estiver!
Muita paz!
Sonia Astrauskas
Lindas e emocionantes recordações! Eu fico imaginando que, a cada vez que recordamos com saudades carinhosas de alguém que já nos deixou, estamos não apenas aquecendo o nosso coração, mas enviando um raiozinho de luz para lembrá-los do quanto foram e continuam sendo amados!
Grande amigo Miguel.
Esta saudade é doce e deve ser saboreada
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