Sou um viciado em TV,
ou melhor, como diz minha companheira, do alto de sua intelectualidade, eu sou
um fanático telespectador da Globo, e
ponto final.
Não discordo de sua
opinião, mas tento argumentar que prefiro as variedades de programas bem
produzidos aos entediantes e soporíficos filmes dos canais fechados, aos
eternos programas de distribuição de dinheiro dobrados em forma de avião, ou
ainda,aos programas religiosos (seja de que religião for) que tentam, de forma
direta e inescrupulosa arrecadar cada vez mais doações, chegando a lotear
espaços pós morte de cada fiel.
Bem, tergiversei,
perorei dos grandes bifes (termo usado nos meios artísticos para identificar
grandes parágrafos de um texto ou script), e não abordei o tema principal desta
memória.
Vamos a ele.
Dias atrás, estava eu a
praticar meu vicio de Globoespectador quando foi colocado no ar um comercial do
novo CD de Ney Matogrosso, cantor que não me leva a ser um fã, mas não me
desagrada de todo, principalmente pela qualidade das músicas de seu repertório.
Prestei mais atenção ao comercial e à música nele inserida. Em certa parte da
letra o autor faz menção a um restaurante que existia no Largo do Arouche, atrás
do antigo mercado das flores.
Minha memória começou
um trabalho de retrospectiva e me trouxe o nome desse restaurante, Le Casserole
(pesquisei depois e confirmei não só o nome como a existência desse restaurante
até os dias atuais, no mesmo local).
Esse restaurante (na
verdade um bistrô) que, por sinal, nunca frequentei, fica no Largo do Arouche,
quase na confluência deste com a Rua Vieira de Carvalho e a Avenida São João e na
calçada fronteiriça do Hotel São Raphael.
Lembrei-me que na mesma
calçada, ficava a Adega do Pedrinho onde eu, nas madrugadas de terças/quartas-feira
e sextas-feira/sábado me locupletava com deliciosas feijoadas (as primeiras a saírem
do fogo para aguardar a azáfama de famintos consumidores do horário de almoço.
Também, se atravessássemos toda a extensão fronteiriça desse restaurante, sairíamos
às portas da Cantina O gato que Ri, famosa por seus pratos italianos e preços
módicos.
Essa letra, trouxe-me
também muitas outras memórias, ente elas o Bar Leo, na Rua Aurora onde ao longo
de alguns anos, eu consumi uns bons barris de chope claro, escuro ou mulatinho.
Outra memória muito viva é da Rua
Vitória, onde no quarteirão entre o Largo e a Avenida São João, à porta de uma
barbearia, Mulata (grande ritmista e integrante da famosa Escola de Samba
Vai-Vai (desde a época em que ela era simplesmente um cordão carnavalesco), na
sua cadeira de engraxate, todos os sábados
pela manhã dava um lustro especial nos meus sapatos bico fino, para que
à noite eu fizesse boa presença nos bailes e gafieiras.
Tenho certeza que, com
um pouco mais de esforço, esta memória poderia se prolongar quase que
infinitamente, porém se assim fosse, ela iria avançar o espaço de outras
possíveis memórias que, também, no seu devido tempo, deverão fazer parte do meu acervo de rabiscos e memórias.
Vamos aguardar! Ah! A
música que fez desencadear todo esse
jorro de palavras e lembranças é: FREGUÊS DA MEIA NOITE, de autoria do
compositor Criolo, e a letra é esta:
Freguês da Meia-Noite
Em pleno Largo do
Arouche
Em frente ao Mercado das Flores
Há um restaurante francês
E lá te esperei
Meia Noite
Num frio que é um açoite
A confeiteira e seus doces
Sempre vem oferecer
Furta-cor de prazer
E não há como negar
Que o prato a se ofertar
Não a faça salivar
Num quartinho de
ilusão
Meu cão que não late em vão
No frio atrito meditei
Dessa vez não serei seu freguês
Meia Noite
Num frio que é um açoite
A confeiteira e seus doces
Sempre vem oferecer
Furta-cor de prazer
E não há como negar
Que o prato a se ofertar
Não a faça salivar
Num quartinho de
ilusão
Meu cão que não late em vão
No frio atrito meditei
Dessa vez não serei seu freguês
Por Miguel Chammas
13 comentários:
Oieee...
Eu gosto de coisas boas, que promovam, que nos façam pensar, refletir e que nos traga conhecimentom além da distração... Só isso!
Belas recordações, Miguel!
Muita paz!
Sonia, entre as coisas boas da minha vida, a melhor foi, é e será,sempre,você
Olá, amigos!
Exclui dois comentários por sairem repetidos.
Muita paz!
Miguel, você é sempre genial! Excelente escritor,com detalhes que nos transportam ao mundo vivido por você e sempre com muita intensidade e elegância. Um grande abraço, meu amigo e meus parabéns. Vera Moratta.
Viajei com seu texto e fique aqui imaginando você...um eterno boêmio.
Menos Vera,muito menos. Sou, apenas, um mero rabiscador de causos de um passado não tão distante.Ele,passado, é que de tão forte, faz meus rabiscos ressaltarem aos olhos dos leitores.
Tem razão Bernadete, um eterno e,agora, ausente, boêmio.
MIGUEL: Basta uma palavra e os arquivos da memória se abre revelando doces lembranças. Quem vê o Arouche hoje, não tem a mínima idéia do quanto, de manhã, à noite e madrugada a vida do paulistano fervilhava por lá.
Não sabem que a Vieira de Carvalho era quase uma Via Vêneto romana. Com o seu texto, veio à minha lembrança os sabores do Gato Que Ri, do Almanara; dos botequins que servia deliciosas batidas de frutas; o povo, a malandragem... Lembro, como fosse hoje, a brincadeira que fizeram com o índio,no começo da Vieira de Carvalho: Colocaram-lhe na cabeça na cabeça uma "tartaruga".
Valeu por esse texto ótimo!
Abração,
Natale
Ops!"os arquivos da memória se abrem..."
Ahahahahahaaaaaa!
Natale
Miguel, com certeza você soube aproveitar a noite em São Paulo.É bom recordar nossa cidade nestas suas memórias. Um abraço.
Suas recordações sobre o largo do Arouche, Miguel me fizeram voltar aos anos 1950. Além destes estabelecimentos mencionados por vc,
aos sábados tinha feira livre, onde conhecí minha querida esposa, Myrtes. No "le Caserole", comí o primeiro "escargot"; no !Gato que Rí", a primeira lasanha; a florista, era o sr. De Laurentis, nosso vizinho no Braz.
Sua crônica, um primor de memória e um exemplo de como prender um leitor dentro de um texto com muita paixão. Parabéns, Chammas.
Laru
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