domingo, 2 de fevereiro de 2014

460 anos: Desmemórias de São Paulo



Amo a Cidade de São Paulo incondicionalmente. Não me importa mais se outros a amem ou não. Eu a amo e basta!
25 de janeiro de 2014:-
Estou em minha casa, escrevendo este texto. Fazer o quê no Centro Histórico? “Curtir” o Pão e Circo? Fotografar? Sentir em cada passante uma infinidade de impressões e sentimentos, mas  não sentir-lhe sequer um átimo de orgulho por ser paulistano? Não mesmo! Fico aqui escrevendo em forma de memória as desmemorias de São Paulo... E ainda amargando a desmemoria da edilidade  com relação ao centenário do Viaduto Santa Efigênia (1913-2013).
Mas, antes de falar do monumento mais antigo de São Paulo que, neste ano de 2014, completa 200 anos, a minha memória insiste, inferniza: “Já que o assunto diz respeito ao “Bixiga”, mesmo que não seja um monumento bicentenário, você tem que falar dessa tradição nascida da paixão popular por esta cidade”.
Já que a memória insiste, vamos lá.
Essa tradição, “bixiguense” com muita honra, nasceu tímida.
Resolução tomada, “mammas” brancas, negras, mestiças e algumas padarias do bairro, começaram a fazer UM BOLO PARA SÃO PAULO.
No meio da rua, algumas mesas, unidas uma à outra, um bolo enorme que tomava toda a superfície delas e os convidados – o povo do “Bixiga”, todos os paulistanos e os paulistas ou não, viessem de onde viessem.
Em pouco tempo a festa de aniversário de São Paulo virou tradição popular e, a cada ano, as mesas e o bolo aumentavam um metro no comprimento, acompanhando a idade da cidade. Virou atração turística!
Era uma loucura feliz! A multidão reunida em volta da mesa imensa, com suas sacolas, panelas, “tupperwares”. A um sinal, o bolo era atacado com as mãos. Em pouco tempo ele “evaporava”, restavam apenas migalhas sobre as mesas anexadas e migalhas e glacê nos beiços da criançada. Viva São Paulo!
Mas, como todo o paraíso tem sua serpente de tocaia, sabe-se lá porque, deitaram “olhos gordos” sobre a festa. Ela passou a ser um evento no catálogo oficial. E o bolo do aniversário da cidade passou a ser feito pelos confeiteiros do SESI.
Um belo dia, sem mais, nem menos, talvez por desentendimentos, o SESI deixou de fazer o bolo. E agora, José? A festa acabou e você não viu! Não viu a tradição popular, “bixiguense” e paulistana mais importante da cidade agonizar e morrer.
E agora, Natale? Você não viu? Não viu e nem comerá, ao menos com os olhos, o bolo de aniversário, de 460 metros que não foi oferecido a São Paulo...

Memória satisfeita, eu volto ao  bicentenário monumento e ao coração do “Bixiga” do início do século XIX.
No século XIX, o Brasil muda. A família real muda-se, primeiro para a Bahia, e depois, acomoda-se no Rio de Janeiro, onde é instalada a nova metrópole. Deixa também de ser vice-reino e transforma-se em reino: Reino do Brasil, Portugal e Algarves.
É nesse contexto que a cidade de São Paulo começa a mudar e, paulatinamente, a se embelezar.
E grandioso foi o Capitão General e Governador, o Marques de Alegrete que com mãos de ferro governou a cidade e a província. Fez funcionar a máquina pública acercando-se de funcionários competentes e interessados em fazer dessa cidade a melhor.
E a cidade teve tantos benefícios e “alindamentos benéficos a se ver”.
O Senhor Marques beneficiou tanto a cidade e seu povo que, pela vontade popular, o Engenheiro e Marechal Daniel Pedro Muller projetou uma Memória (Padrão de pedra que memoriza um fato, uma figura ilustre para a posteridade.) para perpetuar a obra desse governador.
Aprovada a obra, escolheu-se, como local, uma elevação sob a Rua do Paredão (atual Xavier de Toledo), entre a Ladeira do Piques (atual Ladeira da Memória) e a Ladeira dos Pinheiros (depois Ladeira da Consolação e atual Rua Quirino de Andrade). E ali se construiu, em pedra de cantaria, o obelisco ou pirâmide do Piques, como diziam os antigos paulistas, com uma inscrição e a data 1814. E o local não serviu apenas à justa homenagem. Em benefício do povo se construiu também um chafariz público (o chafariz sobreviveu até o início do século XX)
E o Largo do Piques, por uns tempos chamou-se Largo da Memória, depois voltou a ser do Piques, mais tarde Largo do Bexiga, Largo do Riachuelo (atualmente parte sul da Praça da Bandeira).
Mas, ainda hoje o pequeno largo que o circunda chama-se da Memória. Mas a Pirâmide ainda é do Piques.
No século XX a cidade dia-a-dia vai sofrendo mudanças radicais. A paisagem humana e urbana vai-se modificando num piscar de olhos. No início dos anos 10, há uma necessidade cívica de preparar a cidade para o evento de 1922, o centenário da Independência. Afinal, foram os paulistas que deram ao Brasil o tamanho que ele tem! Aqui, nestes chãos, quis o destino que se fizesse a Independência! Nestes chãos o Brasil se fez Nação!...
E nesse afã de deixar linda a cidade, em 1919, houve por bem restaurar o obelisco e reformar totalmente o Largo da Memória. Primeiro porque se descobriu que o monumento era o mais velho de São Paulo e já centenário. Segundo porque o Largo do Riachuelo à sua frente estava todo modernizado com construções novas.
Então, graças ao projeto do Engenheiro Victor Dubugras do Artista plástico Wasth Rodrigues, o Largo da Memória tem a mesma aparência que sobrevive  até os nossos dias. Mesmo degradado, em meio à imundície, nos seus duzentos anos de existência, parece que a Pirâmide insiste em sobreviver somente para acusar e ironizar. E bicentenária que é será sempre dela a gargalhada final.
Eu explico:
Escrevi acima “uma inscrição e a data 1814”. A omissão foi proposital. Sem ela não haveria o nosso riso irônico ou a nossa gargalhada final.
Vejam vocês que, em algum tempo entre os cem anos de vida da Pirâmide do Piques e a reforma de 1919, sumiu a inscrição e a data. Depois da reforma colocaram apenas uma lápide com a data 1814.
Mas, em um velho livro, de1865, da biblioteca da Faculdade de Direito de São Francisco descobri a descrição da Pirâmide do Piques e a sua inscrição original.
Aqui vai ela:
“AO ZELO DO BEM PUBLICO”
ANNO DE 1814

Será que os tantos políticos “zelosos”, que existem por ai, vão cuidar desse monumento que é o mais velho de São Paulo?... Talvez não. Afinal eles têm tantos bens públicos para “lesar”. Ops! Eu quis escrever “zelar”... (risos)







Por Wilson Natale

13 comentários:

Soninha disse...

Olá, Wilson!

Que bom vê-lo de volta ao blog, com suas histórias maravilhosas e seu trabalho de pesquisa sensacional.
Suas desmemórias nos trouxeram à memória um trecho da história de Sampa para nos encher de orgulho, misturado com um pouco de tristeza pelo descaso sobre o famoso bolo de anoversário do Bixiga. Eu também senti falta, pois não vi nada pelas reportagens. Que pena, pois er uma verdadeira festa para a população, que vinha de vários pontos da cidade só para comer um pedaço deste bolo e até levar para casa. Para mim, assim como para tantos outros paulistanos ou não era uma diversão ver pela TV mesmo.
Valeu por suas lembranças que aqueceu as nossas, Natale.
Muita paz!

Bernadete disse...

Natale, que bela aula de história! Esse texto deveria ser enviado aos nossos governantes,pois eles tem amnésia. Talvez lendo suas desmemórias,recuperem um pouco da memória. Um abraço.

Wilson Natale disse...

SONINHA: Agora tudo está entrando nos eixos e, como prometi no e-mail enviado, vou mandando mais histórias.
E te confesso: esta história do fim do Bolo do Bixiga está engasgada até hoje na minha garganta.
Abração,
Natale

Wilson Natale disse...

BERNARDETE: Valeu! Mas acho que não iria adiantar.
Um amigo meu disse certa vez: "São Paulo é como um baobá, uma gigantesca árvoro frondosa, que todos cuidam do troco e da folhagem, mas nunca cuidam ou dão de beber às suas raízes"...
Abração,
Natale

Wilson Natale disse...

´Bernardete, desculpe os erros de digitação. É ÁRVORE e TRONCO e não árvoro e troco. (risos)
Natale

Miguel S. G. Chammas disse...

Natale, lendo as suas desmemórias,tive a nítida certeza que o Armandinho eterno defensor das tradições bixiguenses, teve uma imensa torção no ataúde que lhe guarda os ossos.
Quanto à memória da Ladeira da Memória só me resta uma pergunta no puro
dialéto moquense: "Cê acha belo, qui os puliticos vão si coçar pra resorve o pobrema?"
KKKKKKKKK Doce ilusão!

Wilson Natale disse...

´MIGUÈ:
"Num mi vão mesimo! O Armandinho devi tê baxado ni mim, eu qui ja mi tada dando nó nus "pacote" di tanta raiva di num tê us bolo di aniversáriu du bixiga".
"Mi tava até pensandu in mandá u texto pro SPMC, mais cumo sei qui eli faiz parte da SPtur., iam censurar i num iam pubricar". Ahahahahahahahaaaaaa!
Valeu! Abração,
Natale

Leonello Tesser (Nelinho) disse...

Natale, parabéns pelo seu histórico texto, apesar dos governantes o velho Bixiga permanecerá para sempre na memória paulista com ou sem bolo de aniversário.

Laruccia disse...

Belo Natale, "e tornato a'le letere, senza paura, mi pare". Que simpático e interessante artigo sobre o Obelisco e sobre o Bixiga, no aniversário danosa querida cidade. (não é só vc que gosta dessa São Paulo) Um discurso abrangedor e envolvente, onde só se respira respeito, amor e dedicação. Parabéns, fratelo mio, auguri.
Laruccia (hoje estou fazendo 82 anos, já que vcs esqueceram, ai esta
á minha lembrança)

Wilson Natale disse...

NELLO: Valeu!
O que importa é que nós lembramos.E passamos lembranças uns aos outros.
A minha indignação é para aqueles que promovem o pão e circo e favorece a DESMEMÓRIAS.
Abração, Natale

Wilson Natale disse...

LARÙ, mio tanto caro amico:
Que 82 nada! Você faz 28 e pronto.
Muitas felicidades, saúde, paz e tranquilidade. E dinheiro!!!
Sim, dinheiro, bello. Como dezem os bereses, Deus não não vai se fazer de garçom, prá por a polenta em nossa mesa! Ahahahaaaaa!
Em tempo: Não esqueci do seu aniversário. Confundí a data, achei que seria no dia 9.
E, nesse dia, ia comentar - lembrando esse meu texto, que a dona Myrtes deveria te fazer um bolo de 82 metros! Já que não temos mais o bolo do Bixiga, vamos ao bolo do Laruccia, né mesmo!
Tante auguri a te!
Un bacione in testa a te e Signora Myrtes.
Natale

margarida disse...

Wilson, lendo seu texto lembrei que ontem passei pelo Largo da Memoria e chamou-me a atenção este monumento.Duvido que os políticos estão preocupados em zelar por ele.
Quanto ao bolo, eu faria apenas um bolo simbólico e distribuiria pedaços de bolo já embalado para todos que estivessem na comemoração.Como fazem as Igrejas quando distribuem o pãozinho de Santo Antonio.Muito bom seu texto.Um abraço.

Wilson Natale disse...

PERAMEZZA:
Com certeza não farão nada!
E é uma pena. Pois além de ser o monumento mais velho de São Paulo é também o primeiro monumento da cidade, no estilo Art Nouveau. O Largo da Memória resiste por pura teimosia.
Abração,
Natale