Já éramos todos crescidinhos quando tudo começou. Minha mãe se
encarregaria de orientar as meninas sobre as coisas da vida e os meninos,
obviamente, seria missão do meu pai.
A estante que cobria a parede da sala de casa continha vários livros,
sendo que a maioria dos assuntos fazia parte da profissão de Contador, a do meu
pai, e outros tantos de assuntos variados. Psicologia, Pedagogia do famoso
Piaget (livro que foi parar, depois de um tempo, na minha mão quando entrei
para o magistério), a enciclopédia Barsa, alguns livros de inglês, dicionários
e mais uma coleção intocável chamada de A Lei do Triunfo.
Acho eu que era de uma edição bem
antiga. Cabe lembrar que, naquele tempo, a obediência era sagrada e, pelas
regras do nosso pai, só podíamos mexer nos livros que ele autorizava. E assim
era feito; não tocávamos em nada que não nos fosse permitido.
Minha mãe, com toda sua simplicidade, acho que até tinha a orientação do meu pai por
de trás, fazia o que era possível e, dentro do seu conhecimento, nos explicava
algumas coisas, quase nada de mais.
Mas, meus irmãos mal sabiam o que os esperava nas reuniões que meu pai
havia programado, semanalmente, em seu escritório, às portas fechadas. Isso
aguçou nossa curiosidade para saber o assunto tão sigiloso.
A cada encontro, perguntávamos a eles como tudo acontecia, mas por
orientação do meu pai eles não contavam, uma vez que o assunto era dito só para
os meninos.
Porém, como a curiosidade era grande, consegui descobrir que eles faziam
leituras da coleção da Lei do Triunfo, onde alguns capítulos eram lidos e
depois explicados, primeiro por eles depois pelo meu pai que fazia as devidas
correções. Descobri, também, que estes encontros não eram feitos em um clima de
muito prazer. Meu pai, muito autoritário, acabava inibindo e pondo muito medo
nos meninos.
Com o tempo, tudo foi ficando chato e meu pai percebeu que eles não
gostavam muito e acabou por terminar com estes encontros, deixando por conta
deles a leitura dos tais livros.
Apesar de tão perto, nunca tive acesso a esta coleção por obediência ao
meu pai, mas confesso que me dava muita vontade de roubar um deles só pra ler
um pouquinho.
Certa vez, já todos grandes, toquei no assunto com meus irmãos, mas eles
já nem lembravam mais, apenas me disseram que eram assuntos sobre o
comportamento do homem.
A Lei do Triunfo, apesar de não ter lido, foi marcante na minha vida e,
mesmo sem saber que assunto tratava, me baseava pelo titulo tão nobre.
Questionava sempre comigo, porque só os meninos podiam triunfar.
Que injustiça!
Claro que meu pai queria fazer o melhor para todos, mas, na sua
sabedoria, era assim a forma que encontrou para passar orientações aos seus
filhos.
Não posso reclamar e agradeço a ele pela criação que recebi e pela garra
de honrar o sustendo de toda nossa família. Ele triunfou!
Por Margarida Peramezza
10 comentários:
Olá, Margarida!
Que bacana sua história!
Sabe, tantos livros tiveram influência em minha vida... Uma pequena página de blog não seria suficiente para eu listar... rss
Engraçado como nós (meus irmãos e eu) também não mexíamos em nada que não nos fosse autorizado. Diferente de hoje, pois as crianças e jovens nem sempre respeitam isso.
Até hoje, ainda tenho curiosidade sobre certos livros, certos documentos que não temos acesso.
Obrigada por compartilhar conosco sua história, Margarida.
Valeu!
Muita paz! Beijossssssss
Marga, mesmo sem ler vc conseguiu chegar ao TRIUNFO.
Isso fpoi mérito teu.
Gostei de ler.
Soninha, tempos atrás ainda se conseguia mais obediência aos pais. Hoje em dia falar um não para uma criança é mesma coisa que dizer sim.Hoje acho que meu pai exagerou, mas com tantos filhos, não podia ser diferente. beijos e obrigada pelo comentário.
Miguel, ainda tenho curiosidade de saber o existia neste livro. Quem sabe eu seria melhor...rsrsr. Muito obrigada pelo comentário, beijos.
Evidentemente, proibir a leitura de determinado levro,´não é aconselhável, principalmente quando esse impedimento é excluzivo as mulheres. Se vc, Margarida, soube da existência do livro, a proibição só serviu pra espicaçar muito a sua curiosidade. Até hoje vc tem vontade de saber do seu conteúdo. Principalmente com mulheres, quando se quer que elas descubram alguma coisa que queiramos esconder, é só dizer a elas que elaS não podem saber. Pronto, aí é que elas vão fuçar tudo, até descobrirem o segredo.
Pois é, Peramezza, seu pai contava com este lado bem feminino de vcs mas, vcs falharam, não leram, ele deve ter ficado um pouco decepcionado. Não tem importância, Marga, sua formação demonstra perfeitamente que aquela leitura era perfeitamente dispensável. Parabéns, Peramezza, sua crOnica é maravilhosa.
Modesto
PERAMEZZA:
Ai, no seu texto, os tempos onde os deveres, obrigações, recompensa e RESPEITO regiam a vida em família.
E claro: Até meados dos anos 60, havia essa separação entre meninos e meninas!(Na minha escola foi um escândalo quando criaram as salas mistas!)
"Homem com homem,
Mulher com mulher.
Garfo com garfo,
colher com colher.
Faca sem ponta,
Galinha sem pé!"
Vocêlembra disso?
Confesso: Não li esse livro. Mas li outros onde "ensinavam" o homem sobre a psicologia de vendas, como influenciar pessoas e, inclusive, com usar o o sex-appeal, etc.etc..
E coisa boa você ter lembrado do PIAGET! Isso levou-me à lembrança de MARIA MONTESSORI. Graças a ela, eu - um canhoto - continuei canhoto. E com isso, não inibiram esse prazer que sinto pela escrita.
Foi ótimo ler o seu texto!
Abração,
Natale
Natale, era assim mesmo na minha escola também as classes eram femininas ou masculinas e só depois começaram a ser mistas. Assuntos como orientação sexual, até pouco tempo atrás tive que montar aulas, como coordenadora de uma escola, separadamente para meninos e pra meninas. A resistência dos pais somados com as da escola, foram grandes. Claro que lembro dessa quadrinha...rsrs.
Minha filha Giu, também vai só de esquerda e eu e meu marido já educadores junto com seus professores, principalmente na alfabetização, deixamos que ela mesma escolhesse a mão que iria usar para escrever. Ela cresceu e sentiu as dificuldades não por ser canhota, mas porque não existia nada para os canhotos, acho que você deve ter sentido também.
Muito obrigada pelo comentário, um abraço.
Margarida!
Acho muito bacana quando leio um texto como o teu falando sobre a obediência férrea que era imposta aos filhos e como os filhos eram obedientes a ponto de reprimir - como você e, talvez, suas irmãs - toda a curiosidade despertada principalmente pelo fato daquela proibição ser apenas para as meninas.
Infelizmente não posso dizer o mesmo a meu respeito. Explico: no geral era muito obediente, mas uma proibição específica do meu pai eu não consegui cumprir.
Ele guardava dentro de um armário fechado a chave, alguns livros e revistas que eram proibidos a mim e ao meu irmão. Com a curiosidade aguçada, fiz de tudo para descobrir o que continham aqueles livros, até encontrar uma chave de outro móvel que abria o armário misterioso. Era uma coleção de livros de naturismo, com muitas fotos de pessoas nuas (homens e mulheres). A princípio fiquei um pouco assustado com aquilo, mas com o tempo, me tornei um admirador ativo das fotos já que os textos eram em inglês, lingua que eu não conhecia.
Ele nunca descobriu essa minha desobediência e eu nunca contei a ninguém, nem mesmo ao meu irmão que poderia, numa briga, me dedurar ao meu pai. Mas levava os livros escondidos para a escola, onde os mostrava para os colegas e fazíamos aquela farra comentando as "diferenças" todas que podíamos observar nas fotos... rs.
Gostei bastante da sua crônica. E me senti até um pouquinho (mas muito pouco mesmo) culpado por ter sido um garoto tão desobediente... rs.
Abraço.
Zeca, como éramos em nove, ele tinha que ser rígido e por isso a obediência, um olhar já bastava e sabíamos o que ele queria dizer.Naquele tempo não sei o que diria, mas hoje achei sua desobediência como coragem porque os livros ficavam trancados, isso para mim é pior. No meu caso meu pai deixava os livros na estante e eu nunca tive a coragem de pegá-los. Eu só descobri que era a Lei do Triunfo porque uma vez fui olhar pelo buraco da fechadura para ver se descobria alguma coisa....rsrrs. Não se sinta culpado e sim corajoso. Muito obrigada pelo seu comentário e um grande abraço.
Mana, essa estante que ocupava toda parede no escritório do papai,podia ser chamada de..uma pequena biblioteca particular. Alí,residiam muitos segredos,só desvendados com a leitura dos exemplares.Como eu era muito levada,descobri muitas coisas naqueles livros.Inclusive sobre "as Leis do Triunfo" e o motivo do papai usa-lo para as palestras com o meninos. Qualquer dia eu conto num texto. Adorei mana! bjos
Postar um comentário