M00CA, ANOS 50.
Meu tio era de uma beleza
mediana. O cognome “il bello” (o belo) ficava por conta do “corujismo” da
família. Afinal, para os meus avós “todos os seus patos eram cisnes”!... Titio
não era nenhum Amedeo Nazzari ou um Vittorio De Sica e muito menos um Marcello
Mastroianni. Mas, tinha charme, magnetismo – o famoso “sex appeal” (Apelo
sexual).
Que tio Amedeo fosse um
“donnaiolo” (mulherengo), ninguém tinha dúvidas. Carismático, bem-falante e “sexy”,
envolvia a mulherada ao ponto de cada uma acreditar que - para ele - ela era
“l’única al mondo” (A única no mundo).
E, de vez em quando,
essas “únicas” encontravam as outras “únicas” e descobriam que não eram “a
única”! Iradas, aos gritos, iam até a nossa casa tirar satisfações com o “bello
Amedeo” que, mui corajoso, trancava-se no quarto e deixava a ”bomba estourar”
nas mãos de vovó. E a “nonna” com os nervos à flor da pele, vassoura na mão,
saía para dispersar o mulherio. A vizinhança se deleitava.
Para um “donnaiolo”, nada
melhor do que morar na Rua Guarapuava. Lá, titio sentia-se como “una volpe
dentro il pollaio” (Uma raposa dentro de um galinheiro). Lá, tio Amedeo “nadava
no mulherio”. Ah! A Rua Guarapuava! Tão próxima às grandes fábricas e a um
mundo de mulheres. E o mulherio eram as operárias das fábricas.
Colado à nossa casa
estava a Chocolates Gardano (Mais tarde, absorvida pela Nestlé); mais adiante,
a Alpargatas Roda; andando em direção à Rua dos Trilhos estava o Cotonifício
Crespi. Seguindo-se pela Rua Conselheiro Justino (hoje absorvida pela
Radial-Leste), atravessando os trilhos da “inglesa” (Santos a Jundiaí),
entrava-se na Avenida Alcântara Machado (que estava sendo rasgada para dar
origem à Radial-Leste),virava-se à esquerda, entrava-se na Rua da Mooca e ia-se
ter à Fábrica de Tecidos Labor. Mulheres, mulheres, mulheres!
E titio adorava “fazer
ponto” sobre as passarelas da “Inglesa” (Santos a Jundiaí) das Ruas da Mooca e
Visconde de Parnaíba, aonde ele flertava com um mundo de operárias que iam e
vinham...
Além das operárias, a
imediação da Rua Guarapuava estava cheia de belezas locais. Havia ainda, as
espanholas dos cortiços da Rua Visconde de Parnaíba e as italianas dos cortiços
da Rua Caetano Pinto.
E titio vivia a vida de
“na zanzara ne’mmielle” (uma mosca no mel)...
Vênus é pródiga com o
mortal a quem ama. Dá-lhe o dom de ser amado. E quando o mortal abusa desse
dom, Vênus se vinga.
Na trajetória “don
juanesca” do meu tio Amedeo, Vênus se vingou muitas vezes, criando situações
terríveis para ele, mas que eram hilárias para nós. Ela colocou no caminho do
meu tio, mulheres possessivas, dramaticamente ciumentas. Mulheres que vigiavam
o titio e faziam escândalo na frente de todos, ameaçando se matar... E matá-lo
também! Quando não era isso, aparecia na vida dele as “mulheres carrapato” –
aquelas que grudam e não soltam mais. Eram perigosíssimas! Apareciam de repente
nos lugares onde ele estava, seguiam o titio por toda a parte. Houve uma que,
com ou sem o titio em casa, ela entrava e “estacionava” na nossa sala a
conversar com vovó e minha mãe. Titio “chiava”, mas não fazia nada... Um dia,
não aguentando mais o incômodo e a “conversa mole", vovó disse “um monte”
à desavergonhada, pegou-a pelo pescoço e a colocou na rua e, ambas fizeram o maior
escândalo... Para alegria da vizinhança, claro!
Vênus nunca estava
contente com as vinganças. Titio precisava de um corretivo mais eficiente:
Então, colocou na vida dele uma mulher do tipo – como diríamos hoje – atração
fatal. E pior, atração fatalíssima, dela pelo titio Amedeo...
Ermínia – a espanhola
fazia parte de uma família que recentemente se mudara para a Rua Frei Gaspar,
quase esquina com a Rua Guarapuava. Era tão feia a coitada. Pequenina, parecia
uma anã. E meu tio, sobre ela, dizia uma frase divertida: “ Se essa dai tivesse
de peito o que tem de nariz, até que “daria para o gasto”.
Pois é, minha gente. Foi
“isso” o que Vênus colocou no caminho do meu tio.
Ermínia, quando viu o
titio Amedeo pela primeira vez, apaixonou-se loucamente. Passava, repassava
constantemente pela nossa rua, na esperança de ver o titio. Um dia, ela bateu
de frente com ele. Fez caras e bocas, insinuou-se descaradamente e o titio, que
não era cego e nem besta, saiu pela tangente, dizendo que já era comprometido e
rápido foi saindo fora. Isso magoou Ermínia profundamente. Ferida pelo desdém
do meu tio, cheia de ciúme e desejo de vingança, ela começou agir “nas
sombras”. Vigiava, espionava o meu tio. Sabia de todos os seus passos. Mal ele
começava mais um dos seus “namoros relâmpago”, a “namorada relâmpago” recebia
uma carta anônima falando horrores e barbaridades sobre ele. Então, uma a uma,
as “namoradas relâmpago” discutiam, ofendiam, jogavam a carta anônima na cara
do meu tio, viravam-lhe as costas e iam embora. E o “donnaiolo” Amedeo
desacreditado, desmoronou. Também, não era para menos. O mulherio fugia dele
como quem foge do diabo! Ermínia devia estar exultante ao ver que as suas
manobras maquiavélicas surtiam efeito. Mas, o “bello” Amedeo era um sortudo,
nascera com o “rabo pra Lua”...
Vindo do trabalho, titio
parou na porta da Celina, sua amiga de infância. Fazia um bom tempo que não se
viam. Conversaram muito e meu tio despediu-se e foi embora. Na noite seguinte,
Celina veio à nossa casa, trazendo uma carta na mão e contou ao titio que fora
abordada por uma espanhola baixinha que lhe entregara a tal carta onde se lia
barbaridades sobre ele. Celina não tinha certeza, mas achava que era a
espanhola que morava na Rua Frei Gaspar. O rosto do meu tio passou da palidez à
vermelhidão de quem está prestes a sofrer um ataque apopléctico. Ele agarrou a
Celina pelo braço e saíram. Caminharam em direção à Rua Frei Gaspar. E eu
atrás... Eu ia perder o “bafafá”? Nunquinha!
Lá, em frente a casa da
Ermínia, o “bello” Amedeo fez um escândalo tremendo, discutindo com o pai da
vilã! Pessoas abriam as janelas e se debruçavam nos parapeitos, para melhor
apreciar o bate-boca. Outras apareciam nos portões e a criançada fazia um
círculo em volta dos briguentos. Titio gritava feito um louco. Falava em ir à
polícia; em processo por perseguição, difamação e calúnia. O pai da Ermínia,
que era um homem com muita vergonha na cara, deu uns bofetões na filha e jurou
ao meu tio que iria manter a malcriada com “as rédeas curtas”. Acalmado os
ânimos, titio e eu acompanhamos Celina até a casa dela e voltamos para casa.
O escândalo da Rua Frei
Gaspar rendeu muita fofoca e também comentários frutíferos. Tanto que as
“namoradas relâmpago” começaram a escrever bilhetinhos, pedindo desculpas ao
titio. E Ermínia reclusa, vigiada, parecia conformada com a “perda do seu
grande amor”. As faladeiras diziam que ela pensava em entrar para um
convento... “Vai tarde”! – Comentou o Titio, se persignando.
Passado mais de um mês, o
“donnaiolo” Amedeo estava em plena atividade e feliz!... Foi quando começaram a
aparecer as cartas, via correio. Chegavam duas a três, todas as semanas, sem
remetente. E dentro do envelope apenas um lencinho branco, de papel fino, com a
estampa de um beijo em batom vermelho e a frase: “Te quiero más que a mi alma”!
(Quero-te mais que a minha própria alma!). Titio não tinha dúvidas. Eram cartas
enviadas pela Ermínia! A letra era a mesma das cartas anônimas. O sangue
subiu-lhe à cabeça, mas relaxou. Ele lera as primeiras, não leria as outras
que, sabia, viriam.
As cartas foram
acumulando e o acumulo começou a irritar meu tio. Então ele foi ao quarto de
vovó, retirou alguns lenços de papel da caixa e foi ao banheiro “fazer as
necessidades”. Limpou-se nos lencinhos e os dobrou delicadamente. Deu a descarga.
Saiu do banheiro com os lencinhos “carimbados”, dobrados na mão. Foi para o
quarto e os colocou dentro de envelopes; e os endereçou à Ermínia. Olhou para
mim e disse-me, sorrindo: ”Já que a Ermínia não vai à merda, a merda vai até
ela”! No dia seguinte enviou-as ao destinatário. Nunca mais ele recebeu cartas
da espanhola enlouquecida.
E o meu tio aprendeu a
lição!...
Não mesmo! Aprendeu sim,
a ser mais cuidadoso, mais esperto!
“E Venere che se ne
freghe! (E Vênus que se dane!)”.
Por Wilson Natale