sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Um Natal Conturbado


Vila Invernada, Zona Leste, São Paulo. 1954? 1955? Exatamente não me lembro, mas sei que era pequenina. Até então, as duas irmãs só haviam ganhado aquelas bonequinhas cor de rosa peladinhas (deviam medir 6 centímetros), que a mãe comprava na feira.

Ia chegar o Natal. Esperavam, animadas, o Papai Noel que lhes traria tão almejados presentes. Elas não sabiam como ele entrava, pois dormiam cedo e só viam os presentes ao acordarem; eram depositados embaixo de um cipreste no qual minha irmã dependurava balas e bolas de algodão. Umas poucas bolas coloridas – que minha mãe caprichosamente guardava ano a ano - e o ponteiro verde todo trabalhado, lá no alto, sinalizavam a época.

Mas, aquele Natal seria bem diferente.

Quanta alegria ao abrirem as caixas e notarem que havia em cada uma, uma boneca igualzinha à outra, feitas de celulóide (blargh) e para felicidade de ambas, era o máximo que se podia pensar em ganhar, oriundas que eram de família modesta: o sonho de consumo, as bonecas que andavam! Você dava um pequeno impulso e as pernas se moviam, uma de cada vez... Quanta emoção!

Os pais, então, felizes por nos proporcionarem essa esperada felicidade.

Não é necessário dizer que iríamos passar o dia todo, e por que não a semana, admirando nossos presentes, se não tivessem acontecido dois incidentes.

O primeiro: a minha irmã, tão cuidadosa, delicada, feliz da vida após observar orgulhosa e feliz o seu presente, decidiu colocá-lo na caixa em que viera. E até hoje, não se soube como, a boneca lhe escapou das mãos, partindo-se irremediavelmente em vários pedaços. Dizer do semblante de decepção dela não é tarefa fácil. Ficou triste, chorou, mas se conformou, pois sobrara uma, a minha.

E eu, feliz, quis descer as escadas para ir à casa de minha tia no mesmo quintal, contar aos meus primos. Usava tamancos de madeira e os tirava ao chegar à porta de entrada da casa dos tios. Desde pequenina, era elogiada por esse meu jeito (hoje, só lembrança - rsrsrs). Assim fiz e entrei correndo, feliz da vida. Não sabia que o chão de vermelhão era tão liso... Ao atravessar a sala correndo, escorreguei e, já no chão, fui parar apenas quando minha testa se chocou contra a quina do batente, fazendo um corte na vertical.

Correria geral, sangue escorrendo, minha mãe desmaiada. Meu pai imediatamente me levou à farmácia; lá me fizeram curativo e até hoje a cicatriz marca minha testa: lembrança de um acidente, mas de um Natal feliz em que ganhei meu primeiro brinquedo de verdade.

 
Por Cida Micossi

11 comentários:

Miguel S. G. Chammas disse...

Cida, fui lendo seu texto e quanto mais fluiam as palavras mais crescia em mim o desespero.
Li que uma boneca se espatifara toda e fiquei apreensivo esperando, como grande finale, a quebra da boneca remanescente.
Jamais imaginei que o complemento do dia fosse tua testa rachada e o teu banho de sangue.
Felizmente tudo se esclareceu e ao final, mesmo sensibilizado, respirei aliviado. Afinal, Papai Noel não poderia ser tão padrasto assim!
Parabens!

Wilson Natale disse...

Cida que coisa boa e que alegria encontrar você por aqui!
Pena que uma boneca faleceu sem ter sido batizada e ganho um nome.
Que bom, a pesar dos pesares, que você ganhou apenas uma cicatriz e não pedeu a memória.
Senão, que iria nos contar a história?
Gostei muito. Principalmente por que as nossas outras "meninas" ainda não falaram de suas bonecas.
Um grande abraço.

Natale

Soninha disse...

Olá, Cida!

Seja bem vinda entre nós.
Que saudade, lembrar dos Natais da infância... a expectativa da chegada do Papai Noel... Será que ele vem mesmo? E, será que ele vai trazer o que pedimos??
Depois, a emoção de encontrar nossos presentes, arrumadinhos sob a árvore de Natal, acrescidos de guloseimas...era muito bom!
Quanto à sua história, mesmo tendo perdido a outra boneca, sobrou a sua para poderem brincar e lembrar de seu tombo, que lhe deixou a cicatriz e belas recordações...né?!
Obrigada.
Muita paz!

Luiz Saidenberg disse...

Uma pequena e encantadora "tragédia" de Natal!
Ainda assim, tempos modestos, mas felizes. E esse Natal, literalmente, marcou vc para todo o sempre!
Um abraço.

Arthur Miranda disse...

Cida, que coisa triste em um mesmo dia de Natal, duas bonecas se quebraram uma por inteiro e a outra só a cabeça. Parabéns e bom Natal, estou terminando de ler o belo livro Interfaces de Amor e Paz, e já terminei de ler o As Esganadas do Jô.

Cida disse...

Pessoas!
Com alegria li seus comentários sobre meu texto: alguns com uma certa apreensão pelo desfecho, outros com uma pitada de humor e todos com um olhar poético.
Miguel, Wilson, Soninha, Luiz e Arthur, obrigada pelo carinho com que me dão as boas vindas no site. Estou realmente feliz e espero poder compartilhar sempre dos momentos virtuais e reais desse querido grupo. Meu abraço

Zeca disse...

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Cida!

Que bom ter mais uma escritora por aqui! Seja muito bem vinda!
E sua crônica foi um retrato dos natais de outros tempos, muito mais difíceis, mas muito mais autênticos! E que nos deixavam ainda mais felizes, devido à consciência que tínhamos de todas as dificuldades do "Papai Noel" em atender aos nossos desejos. Hoje, a garotada, na verdade, já nem acredita mais no bom velhinho...
Deliciosa crônica, de gostosa leitura e ótimo preparativo para a data maior que se aproxima tão rapidamente.

Abraço

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Modesto disse...

Pequenos acidentes, um emocional e outro físico, os dois doloridos mas, serviram pra marcar o Natal e ter essa lembrança pro resto da vida.
Cida,renovo meus desejos de um feliz Natal e um ano novo de 2012, cheio de realizações a vc e a toda sua família, sçao os desejos da família Laruccia.
Myrtes e Modesto

joaquim ignacio disse...

Também sou adventício no Memórias de Sampa e, no duro, no duro, me sinto muito bem, em ótima companhia. Espero que vc também tenha a mesma acolhida que eu tive.
Ah!, texto gostosíssimo, relatos de infância...
Abraço e benvinda
Ignacio

margarida disse...

Cida, que desastre e que decepção sua irmãzinha teve. Confesso que pensei em um final ainda mais trágico quando falou sobre o tombo, logo imaginei que sua boneca foi para o espaço também....rsrsr. Uma graça seu texto, meus parabéns.

suely aparecida schraner disse...

Naltal marcante e história tocante. Valeu! paz e flores e continue por aqui. Abraço.