quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Reveillon 2009/2010


Queria estar em casa, em companhia dos amigos, da família.
Perguntava-me em pensamento:
- O que estou fazendo aqui, meu Deus?!
Ou eu era um tremendo masoquista, ou um covarde que, incapaz de cometer o suicídio profissional de dizer um não, optara por agonizar e morrer de tédio naquela festa de fim de ano.
O Coordenador geral convidou a todos da equipe, os efetivos, estagiários e os contratados para passar o “Réveillon” em sua casa. Como dizer não à sua majestade, o “chefão”? Como dizer não a quem tanto nos elogiava e, ao mesmo tempo, nos confiava novas pesquisas? Como estar em um lugar, onde o antagonismo se fazia presente? Efetivos e contratados não se “bicavam”. Resignação, teu sobrenome é Natale! Menti a mim mesmo. E lá estava eu, a morrer de tédio, naquela mansão do Morumbi, preocupado apenas em como voltar para casa.
Uma festa artificial. Ali, tudo era “pelo social”. Tudo na base da “rasgação de seda” e elogios falsos. Gente polida e educada, fingindo afetividade e sentimentos inexistentes. A única afinidade que havia era a relação de trabalho que, por sinal, era muito desgastante e competitiva. Estar ali me lembrou a cena do baile do filme “A Dança dos Vampiros”, do Roman Polanski.
Sentado no meu canto, bebendo champanhe, via e ouvia a “fauna” a desfilar.
Uma “perua” comenta com a amiga que “estava de branco e que, para ter sorte e dinheiro no ano novo, estava com uma calcinha amarela... Não uma calcinha qualquer! – enfatizou – Era uma Victoria’s Secret”! Satisfeita, ela ouvia as exclamações invejosas da amiga. Banalidades, futilidades.
O “garotão” malhado exibia o seu duvidoso Armani... Com aquela costura e aquela linha de poliéster, só se o terno fosse um “Armênio”, dono da confecção de roupas masculinas lá do Bom retiro! Tudo pelo social.
Uma festa cheia de conversas vazias, risinhos, hálitos alcoólicos. Abraços de tamanduá e beijinhos ofídicos.
Uma estagiária jovenzinha, caindo de porre, comenta com a amiga: -“Você sabia que “Réveillon” é uma palavra francesa”?
Putz! Pensei comigo: “Não, sua anta! É uma palavra havaiana, como a sandália!... Ri de mim mesmo e da bobagem que pensara.
Perguntava-me em pensamento: ”O que eu estou fazendo aqui”?
Isolei-me. Bom comediante que sou, deixei o meu corpo expressar os sorrisos, as piscadelas e gestos. Refugiei-me em meus pensamentos.
“Réveillon”, palavra francesa... Não é que a constatação da “anta” levou-me a passear pelo ”réveillon” e pelos anos 60?
Lembrei aqueles anos, quando muitos achavam que era importante (outros achavam uma tremenda “viadagem”) falar Francês. Era chique! Afinal, era o idioma universal, idioma dos diplomatas e tudo neste país ainda era francês: Etiqueta, roupas, perfumes; literatura, teatro, cinema; Beauvoir, Genet, Sartre, Sorbonne. Revoluções por minuto... E virou moda a tradição do “Réveillon” francês: Ostras com Champanhe!
Automaticamente, olhei para a taça que estava ao meu lado, com o conteúdo ainda pela metade... Fingia que bebia. Não conseguia engolir aquele “champagne Veuve Clicquot”. O chefão oferecera a todos, ou a mim, um champanhe “arrolhado” (gôsto de rolha). Ahahahaa!... Se o champanhe estava assim, imaginem as ostras, se fossem servidas.
Pensava: “Estou rindo de quê? O que estou fazendo aqui, droga”?!
Estava nos meus últimos estertores da agonia. Queria estar em qualquer parte. Agarrado a uma bóia, no meio do oceano.
Comecei a vagar pelos meus “Réveillons” de antigamente, os tais “Rei-velhão”, como dizíamos a sorrir.
Queria estar naquele escritório da Rua Álvares Penteado, onde pela janela eu despejava toneladas de papéis picados sobre a rua... Queria de volta a energia, aquela egrégora de felicidade que envolvia o hoje Centro Histórico. Queria os abraços sinceros e despretensiosos, as palavras bem humoradas dos colegas de trabalho. Queria novamente sentir a seiva da vida (o centro da cidade) a correr em minhas veias. Eu era o dono do mundo! Podia tudo.
Queria do trabalho, voltar para casa e confraternizar-me com os amigos e vizinhos! Depois, em frente ao televisor, esperar pela Corrida de São Silvestre. E, meia-noite, ao finzinho da corrida, ouvir o toque das buzinas dos carros, os sons dos apitos e sirenes das fábricas; os nossos gritos de Feliz Ano Novo dentro de casa, pela rua e o nosso incessante correr aos portões das casas tocando insistentemente as campainhas... Era preciso fazer muito barulho para despertar, acordar o Ano Novo!
Então, uma pausa para a ceia. Sentar-se e devorar o pato ou o ganso com laranja. Mas, só depois de comer três bagos de romã (tradição vinda do Dia de Reis e agregada ao Ano Novo).
Como eu queria ter de volta os meus bailes de “Réveillon” do Juventus, do Palmeiras; queria de volta aquele baile tão especial no Palácio Mauá...
Pensava: “Se eu não sair daqui o mais rápido possível, pelas minhas próprias pernas, vou sair dentro um “rabecão”! Causa da morte: Um ataque fulminante de tédio”.
Meia-noite e meia, alguém resolve ir embora e pergunta: ”Alguém quer uma carona até a Av. Paulista?"
Eu disse que queria! Ufa!... Abençoei, do fundo do meu coração, aquela boa alma.
“Largado” na Paulista, sentia-me livre e feliz! Livre demais, feliz demais para tomar um táxi e ir para casa. Precisava de movimento.
A pé, desci a Rua da Consolação, rumo ao centro. Carros passavam e buzinavam. Passageiros anônimos desejavam a mim um Feliz Ano Novo. Eu retribuía.
Andando, seguia em frente. Na Xavier de Toledo, olho para a Rua 7 de Abril das minhas correrias de office boy, dos meus passeios. Vou seguindo. Viaduto do Chá, Patriarca, Rua Direita, Largo da Misericórdia... Na Misericórdia, olho para a Álvares Penteado. Com o meu coração apertado, lembrei dos dias que vivi ali. Naquela rua está o tudo de bom que fez com que até hoje a minha vida valesse a pena!
Na Sé, à espera de um táxi, percebo que naquele momento, juntos estávamos eu e a cidade. E todos os “Réveillons” que passamos. Percebi também que o meu “Réveillon” verdadeiro havia começado quando eu coloquei meus pés na Paulista! Eu como eu sou, a cidade como ela é, acabamos por ter, juntos, um grande e Feliz Ano Novo!
Às vezes é preciso andar. Vagar. Perder-se para encontrar a si mesmo...

A TODOS, UM FELIZ ANO NOVO!

Por Wilson Natale

13 comentários:

Cida disse...

Natale, como sempre arrasando. Lindo, lindo, um profundo olhar para dentro de si e da cidade. Autêntico!!!
Feliz Ano Novo.
Abraços,
Cida

Luiz Saidenberg disse...

Beato est, Natale.
Um não conformista navegando pelo caos da grande cidade.
Bela narrativa, e boa atitude.
Mas eventos como esse, Virada Cultural, Virada Esportiva, Virada do Ano, Carnaval oficial, não são bem a minha praia.
Como disse minha esposa, qualquer coisinha em S. Paulo vira mega evento, e não sou chegado a multidões e empurra empurra. Nessas horas, quero mais é sossego...agitação já tenho o ano todo.
Um abraço e feliz 2012!

Soninha disse...

Olá, Wilson!

Eu também gosto de ficar em casa, junto da família e amigos, nestas datas especiais.
Agora, morando aqui na praia (vai fazer 2 anos em Março), será o segundo Reveillon que passarei por aqui e não tem como não ir até a praia para assistir à queima de fogos, pular as ondinhas, rezar, etc... rsss.
Posso avaliar sua situação incômoda.
Felizmente, ainda pode desfrutar do passeio agradavel, pela madruga de nossa Sampa querida, numa data tão especial.
Valeu.
Feliz 2012!
Muita paz!

Wilson Natale disse...

Pois é, CIDA:
Às vezes uma má escolha funciona como um desencadeador da reavaliação de nós mesmos.
Em poucos minutos fui-me deando conta do quanto é importante a fraternidade. Não importa o luxo, o requinte; as "personalidades em evidência". O que importa é o calor humano.
Abração e um FELIZ ANO NOVO!!!
Natale

Wilson Natale disse...

SAIDENBERG:
Fui mais "burrus" que beatus! Ahahaaa!
O amado Chefão era 100% gente boa.Dai a dificuldade de dizer não!
O pessoal é que era duro de aguentar.
Você deve ter passado por esse tipo de experiência em reuniões e eventos. Situações em que, preventivamente, carregamos ampolas de soro antiofídico... Vai que a gente pisa numa cascavel, numa urutú-cruzeiro... Ahahahahaaaa!
Esse era o clima!
Não rodei muito pela Paulista, a minha necessidade era andar e revisitar o passado.
O bom foi que, com todo o mundo na Paulista fiquei com o resto da cidade todinha prá mim.
Abração e um FELIZ ANO NOVO!!!
Natale

Wilson Natale disse...

SONINHA:
Já estive em muita reunião, evento, onde a nota maior não era a competição.
Mas, nesta que narrei, sái de baixo!
Também gosto de passar as festas de fim de ano em casa, com família, os amigos e a vizinhança.
E mesmo que eu queira estar só, em minha casa é impossível.
Você conhece bem onde eu moro. Pois bem. Vem gente da minha rua, gente que mora ao redor da pracinha tocar a campaínha... E eu vou boamente deixando-me arrastar por essa multidão de amigos.
Aqui, nunca estamos sozinhos. Aqui, não cuidamos da vida de ninguém! Cuidamos uns dos outros.
Creio que é isso que faz de nós uma grande família e, a família deve estar reunida sempre. E no Natal e Ano Novo.
Abração e um FELIZ ANO NOVO!!!
nATALE

Laruccia disse...

Natalle, vechio di guerra, stato soto il padrone ma, no soto il pensieri di liberta. Eco la parte buona di questo imbroglio. Sei felice? alora magnati um bel piato di lasagna con cinque bichieri di vino, chi ti fara bene, com mio voto di um felice 2012, anche a tuta vostra famiglia. Trad.:

"Natale, velho de guerra, estiveste sob o jugo patronal mas, não sob sua liberdade. Eis o lado bom desse absurdo. Es feliz? então devora um bom prato de lasanha acompanhado de cinco cálices de vinho que vai te fazer muito bem, com os votos de um feliz 2012 também extencivo a toda sua família."
Laru

Wilson Natale disse...

Larù:Já estive em lugares ruins e não perdí o bom humor.
Mas este "teivelhão" foi um horror!
Valeu porque eu acabei por fazer um passeio pela cidade do meu passado.
E tem razão: Nada como ficar com familiares e amigos. Se não tem champanhe, eu bebo água; não tem perú, eu como mortadella. Só não abro mão dos velhos "Struffoli"! E do calor humano.
Bacio in testa, amico mio ed un Buon Anno Nuovo di Zecca! (Um ano novo novinho em folha)pieno di salute e felicità. A te, Signora Myrtes e figli.
Un mondo di pace e serenità!
Abração,
Natale

margarida disse...

Natale, são situações que a vida traz e que não conseguimos falar não, até que você se saiu bem!
Mas o melhor de tudo foi o premio que recebeu, uma viagem de volta ao passado.Muitas vezes nos damos conta de como éramos felizes, quando podemos fazer comparações.Adorei seu texto, sempre muito belo!Um grande abraço.

Wilson Natale disse...

PERAMEZZA:
Às vezes a dificuldade de dizer não nos obriga a dizer um sim para nós mesmos. E o meu sim levou-me a essa viagem, onde eu valorizei até o "Feliz Ano Novo" augurado por desconhecidos de forma autêntica. Coisa que não se vê, ou sentimos em certas reuniões.
Abração,
Natale

Zeca disse...

.

Natale!

Uma bela e bem humorada crônica mostrando seu passeio pela cidade amada e pelo seu interior, (re)descobrindo-se, renovando-se e se reencontrando consigo mesmo!
Acabo de lê-la, pois voltei para casa apenas ontem.
Segui, em pensamento, seus passos, revendo as ruas e praças e, por que não?, trazendo para mim um pouco do seu aprendizado.

FELIZ 2012!


Abraço.

Wilson Natale disse...

ZECA:
Acho que acontece com todos nós. A Vida nos dá um tranco para tirar-nos do marasmo e da mesmice.
A festa daquele "Réveillon" estava um horror, mas serviu para eu aaprender que a simplicidade e o calor humano vai ser sempre o mais importante.
Abração e um 2012 com paz, saúde e prosperidade!
Natale

suely aparecida schraner disse...

Natale,
estava já ficando agoniada com seu drama. Respirei aliviada (junto) na av. Paulista. E viva a liberdade com simplicidade. Salve! Feliz tudo pra você também!