sábado, 10 de dezembro de 2011

Os Natais da minha vida


imagens abaixo retiradas da internet: Rua dos Andradas (atual); Igreja Divino Salvador, na Vila Olímpia

* O texto foi publicado sem nenhuma edição.

Em toda a minha infância o Natal era um dia que as crianças ganhavam presentes, eu ganhava brinquedo barato, como um caminhãozinho, uma bola, um pião de alumínio que rodava sobre pressão, ou outro brinquedinho qualquer. Um presente inesquecível foi em 1953, quando fui ao açougue, coisa que fazia todos os domingos pela manhã, que a mulher do açougueiro disse que na semana do Natal, logo no domingo seriam distribuídos presentes a crianças do bairro na Rua Ribeirão Claro, Vila Olímpia e me deu uma senha, para tal. Foi nesse dia que ganhei o ultimo presente natalino, uma bola de borracha que recebeu chutes por muito tempo, até que uma cerca de Arame Farpado fez o favor de furá-la.

Depois de alguns anos saindo da adolescência entrando para a juventude não ganhei amais nada. Dos dezoito aos vinte sete anos, passei os Natais na Rua, sendo que na véspera de Natal do ano de 1968 uma namorada me levou na casa de um tio dela e foi o primeiro Natal que não passei zanzando na Rua. Foi uma noite muito agradável com os donos da casa muito solícitos me colocaram bem a vontade que foi até a madrugada e depois fui levar a namorada na casa dela, que ficava num casarão da Vila Buarque dos ex. barões do café, que alguém alugou e subalugava, os quartos para pessoas solteiras . No dia seguinte o dia de Natal, ela que trabalhava na telefônica foi cumprir seu missão de interligar as pessoas através da linha de comunicação, trabalho que foi até as 18 horas, ai o Hotel Rialto, Rua da Consolação em frente à Biblioteca Municipal nos recebeu, onde ficamos até a meia noite “trocando figurinhas”.

De 1958 até o de 1968, eu comemorava os Natais na Rua e, sempre em boa companhia, não só com uma companhia como de vez em quando com varias, e isso acontecia quando era convidado a ir no sexto andar do numero 69 da Rua dos Andradas, onde funcionava um RendeVous, em que os mais chegados da casa e, as Putas comemoravam o Natal, como se fosse um Natal familiar. As mulheres tanto do sexto andar como nos andares superiores ou inferiores que não iam passar com a família levavam algum tipo de comida e, os homens os clientes na mesma situação levavam as bebidas e, a comemoração era feita numa mesa com uma bela arvore de Natal ao lado. Era um dia que os quartos onde normalmente pessoas os parceiros gemiam de prazer, ficavam de portas fechadas. Era o único dia do ano que havia Forfait (um dia sem sexo) na celebre “casa do amor”. Até mesmo na sexta feira da paixão as portas do puteiro ficavam abertas, a “quem queria molhar o pescoço”.

A cafetina dona Carmem desligava as lâmpadas da arvore deixando somente as lâmpadas do presépio acesas. Era feita uma oração, com um texto do programa “o Domingo” panfleto oficial das missas dominicais da igreja católica, e depois de um padre nosso e uma Ave Maria participávamos da ceia de Natal. Apesar de estar numa casa tido como sendo do pecado original, a reza era feita com o maior respeito com pessoas fazendo o sinal da cruz. Os que não sabiam espalhar pelo corpo, o faziam em voz alta.

A partir daí dona Carmem tirava o Peru do forno (presente dela) aos que participes do ano inteiro da sua casa. Era um Natal entre família, uns diziam família dos solitários ou renegados pela família que ali se emocionavam quando um ser qualquer presente se mostrava poeta e declamava seus versos nem sempre bem concatenados e muitos sem nexo, dava para entender nas “mal traçadas linhas” o sentido que um semi-analfabeto, ou um intelectual bêbado, colocava no papel e com dificuldade se posta a ler.

Era como dizia o padre Jeremias da igreja católica da Vila Olímpia. O Natal, ele é Santo quando comemorado até mesmo numa casa onde se concentra, um enorme numero de “Quengas” , que são mulheres desprezadas pela sociedade hipócrita. E, foi numa dessas casas do amor que um padre foi convidado para dar sua benção a aquelas pessoas que praticamente não iam a missa, nos domingos de festas e guardas. Chegando na casa do sexo o padre meio sem jeito ficou descontraído, quando as mulheres se apresentaram com vestido pouco abaixo do joelho, e com decote descente. Em sua palestra o padre disse, que nem sempre as pessoas que vão a todas as missas são os melhores religiosos. E contou a historia do menino filho de uma família católica que exigia que ele fosse em todas as missas dominicais. E, ele cumpria religiosamente a determinação de seus pais, e logo que chegava em casa depois da missa, colocava um milho no seu cofrinho destinado a moedas, para conferir a quantas missas ele tinha ido durante o ano inteiro.

Um domingo ele dormiu um pouco a mais, e não foi à missa, bastante chateado resolveu cumprir sua missão religiosa em sua própria casa. E como ele se sentiu como se estivesse na igreja colocou também o milho no cofre. No ultimo dia do ano quando ele quebrou o cofre de barro para ver quantos milhos estavam no cofre, para sua surpresa tinha somente um milho,e foi justamente aquele milho que ela colocou rezando em sua casa. Moral da historia: Foi o dia que ele realmente rezou pensando em Deus.

Mesmo sendo um rueiro inveterado gostava de ir na Missa do Galo, que era rezada a meia noite, já entrando para o dia 25 de Dezembro, mas passou para as 21 horas por causa de assaltos, já naquela época final dos anos 1960. Como circulava muito pelo Jardim Paulista gostava de ir, e fui muitas vezes na igreja de São Gabriel na, Avenida do mesmo nome.

A minha “vida de pecador” terminou em maio de 1969, quando eu ma casei, é bem verdade que carola não fiquei, também não fui a todas as missas de festas e guardas, mas continuei respeitando a igreja, fazendo o sinal da cruz ao passar em frente a elas.

Por Mário Lopomo

9 comentários:

Wilson Natale disse...

LOPOMO: Texto crú, real. Mas acima de tudo um texto lindo e susrpreendente!
A vida e seus múltiplos Natais. Mesmo naqueles Natais onde nem tudo é pefeito, perfeita é a esperança.
Dos prostíbulos à sarjeta; das casas às igrejas há o revovar-se da Esperança... E a fé - aquela que move montanhas - o grão de milho citado por você, está sempre em nós. E não importa o lugar em que estejamos.Um Pedido de Fé: "Deus, olha por mim", vale mais que as novenas, os cânticos mecanicamente recitados.
A você, meu amigo desejo um Natal de paz e alegrias.
Abração,
Natale

Miguel S. G. Chammas disse...

Mario, Natal é Natal em qualquer lugar e a qualquer hora.
Parabens e um Feliz Natal para você e os seus;

Arthur Miranda - tutu disse...

Mario comovente historia, Bom Natal pára você e como todos sabem nem todo aquele que fala, Senhor, Senhor entrará no Reino dos Céus. Parabéns

Zeca disse...

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Lopomo!

Belo e surpreendente testemunho dos seus Natais juvenís! Também passei vários Natais fora de casa, mas porque morava sozinho e sempre costumávamos reunir os amigos em alguma festa na casa de alguém, onde todos levavam os comes e bebes e nos divertíamos como solteiros que éramos. Às vezes, nessas festas, algum namoro era engatado, mas que eu saiba, nenhum deles terminou em casamento...
Mas, em minha opinião, o mais bonito de tudo em seu relato é a mensagem que ele contém. Numa casa habitualmente usada para a prostituição, esse "mal necessário" que também é conhecido como a mais antiga profissão do mundo, pelo menos num dia do ano não se exercia a profissão, mas se fazia, com veneração e recolhimento, uma oração em homenagem ao Aniversariante, quase sempre esquecido diante das mesas fartas de muitas residências de famílias "de respeito"!
Gostei demais deste texto e aproveito para desejar-lhe e a todos os que lhe são caros um

FELIZ NATAL! E PRÓSPERO ANO NOVO!

Abraço

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margarida disse...

Mario, sua historia é comovente e assim a vida continua, uns com tantos outros sem nada. Mesmo de forma bem humilde, na rua ou nas casas que você cita, o momento natalino era sempre lembrado e respeitado. Tenho certeza que para o aniversariante do dia, o mais importante era o sentimento que você carregava no coração.Adorei conhecer os natais de sua vida.Aproveito para desejar um maravilhoso Natal de muita luz e paz. Um grande abraço.

Soninha disse...

Olá, Mário!

Uma vez mais você trouxe um pouco da história de sua vida... Vida sofrida, mas que mostra o lado humano de todos nós.
Em qualquer segmento da sociedade há sempre o pensamento voltado para Deus, mesmo que seja somente no Natal.
E Deus está em todos os lugares, com certeza.
Feliz Natal a você e toda a sua família.
Muita paz!

marcia ovando disse...

Lopomo
mais um pouquinho da história de sua vida,sempre muito interessante de se ler.
Logo será postada no blog, ah e obrigada mais uma vez pelas contribuições.
abraço

Modesto disse...

Texto chocante mas, belo a confirmar que a perfeição, nos meios sociais e familiares, nunca é perfeito. Um feliz Natal e próspero ano novo a vc e a toda sua família, Mario. Parabéns.
Modesto

suely aparecida schraner disse...

Os cristos do cotidiano foram bem retratados no seu texto. Eu gostei bastante. Abração.