quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Um Pierrot e sua Colombina


Recebemos este comentário para o texto de Miguel Chammas, "Memórias de um assunto redivivo", mas, vocês concordarão comigo, se trata de um verdadeiro preito de amizade, carinho e respeito deste queridíssimo amigo José Carlos Munhoz Navarro, amigo irmão de Miguel, desde a adolscência, que consideramos um verdadeiro texto, merecedor de ser postado neste espaço tão querido.
Entrego-lhes, com meu carinho de sempre.
Muita paz!

Entro como intruso em teu site.
Sorrateiro, à primeira hora da manhã, aqui no escritório, antes que os demais cheguem.
Deparo-me com o texto, reluto, vai me tomar de assalto, vou me sensibilizar, penso, amanhã eu entro e leio, fica melhor.
Mas qual, o dedo desobedece e clica, foi-se a razão, mais uma vez o coração foi mais forte e venceu o cérebro, que se julga soberano.
Li, reli, ouvi, como tantas vezes li e cantei ao longo destes tantos anos.
Soará piegas aos insensíveis, soaria triste aos desafortunados,como deve ter soado vazio aos insensatos, mas qual, retruco, o resultado é indiferente, o que representa mesmo é a sina do Pierrot e de seu criador.
Não me sinto triste como sei que não te sentes também; somos donos, criador e ouvinte, privilegiados de uma pequena ode a um momento maior que vislumbrastes e que fostes capaz de antever o que iria acontecer contigo quase cinquenta anos depois.
Há uma nova vida Pierrot.
Por menor que ela seja, vejo-a intensa, os teus dez, vinte, trinta carnavais que se aproximam se somarão aos setenta que já passastes e cantarolastes sonhador, sempre.
Deixo à parte os elogios, não precisas deles.
Foram carnavais ensolarados e chuvosos, como todos os Pierrots da vida tiveram e terão. Desfilastes altivo, sofrestes descompassos, tirastes notas altas e baixas. Acompanhei-te sempre. Mesmo turbinados por um Gordini temperamental que teimava em nos pregar as mais complicadas peças, caminhamos juntos, descobríamos vielas, enfrentamos os lugares mais difíceis, buscávamos concretizar um sonho e cantarolando tua música, sem querer, nós entravamos nela e fazíamos dela a nossa própria existência.
Há uma Colombina poeta, sempre houve uma Colombina.
Cabia tão somente a ti deixar tudo de lado e fazer um novo final, como modestamente sempre te pedi.
E tu começastes há algum tempo viver este novo final.
Abençoado sejam, ambos.
O Pierrot e sua Colombina.

Por José Carlos Munhoz Navarro

domingo, 27 de novembro de 2011

Memórias de um assunto redivivo

Para assistir ao vídeo clique no play

Foi lá nos idos de 1968, eu tinha o status de recém casado (me amarrei em 1967), moço ainda, mas para os parâmetros de antigamente, já maduro para encarar o casamento.

Romântico por excelência e sonhador por gosto, vivia eu sempre buscando novas emoções. Tinha companheiros quase discípulos. Eu inventava e eles me ajudavam a construir os castelos de cartas. Muitos castelos se solidificaram, outros ruíram e outros, ainda, nem chegaram a ser principiados.

Na época eu ganhava meu sustento numa revendedora autorizada Ford, de nome Lara Campos, que havia emigrado da Rua Augusta para a Rua dos Pinheiros, causando uma reviravolta nos meus hábitos cotidianos, ou seja, eu que não necessitava de condução e ir buscar o pão de cada dia, fui obrigado a usar o “buzão” para me locomover, do Bixiga para Pinheiros. Mais custos a dilapidar meus parcos vencimentos. Como vantagem, uma grande, tinha mais tempo para conjuminar idéias e bolar planos mirabolantes.

Meu fiel escudeiro, inseparável companheiro, motorista de favor, parceiro “cultural” era, nada mais, nada menos, um cara que só não é meu irmão de sangue, por ter sido gerado no útero de mãe diferente. O José Carlos Munhoz Navarro, para muitos Munhoz e para os íntimos, apenas Zé, não fazia ouvidos moucos às minhas idéias e delas participava ativamente.

Numa oportunidade, adentrei os escritórios da Lara Campos e, antes de me acomodar à minha mesa de trabalho, fui até o Zé e disse: - Amigo, acabei de compor uma música maravilhosa que pretendo seja defendida pelo Francisco Egydio.

Sem pestanejar, o Zé me pediu para ouvir a obra prima e, ao final da audição, passou a ser o maior fã daquela composição musical.

Às 18 horas, saídos do compromisso profissional, esquecemos, eu de voltar ao recesso do meu santo lar de onde, por motivos pecuniários, eu havia saído de manhã cedinho e ele, do compromisso que tinha em comparecer às aulas da PUC, onde cursava Administração.

Fomos, de baixo de uma chuva torrencial, em busca da casa do cantor para lhe entregar o ”maior sucesso de sua vida”. (Esta passagem já foi relatada em um antigo texto e pode, muito bem, ser dispensada neste).

Pois bem, o cantor não foi encontrado, a música não foi mostrada e nós voltamos para casa, cada um para a sua, molhados como dois pintos.

Eu tive ainda, outras tentativas de tirar a marcha-rancho do fundo baú, meu finado amigo Silas, antes de se mandar para os States, me presenteou com a grade cifrada da melodia que, por falta de oportunidades outras, foi guardada no meio dos meus papéis.

Pois muito bem, em meados de outubro, este que vos escreve, ouviu uma chamada na TV Globo informando que as inscrições para o Concurso de Marchinhas Carnavalescas de 2012, em homenagem ao centenário de Mario Lago, estava aguardando inscrições.

O sonho, novamente voltou à minha cachola, contei-o para minha consorte que, imediatamente, me incentivou a procurar a partitura e fazer minha inscrição.

Animado, com o ego totalmente massageado, fui rever meus guardados e, acreditem, lá no meio de uma papelada toda, estava uma folha de caderno, já amarelecida pelo tempo, com a partitura da minha obra prima e única.

Várias providências tiveram de ser tomadas, a primeira e mais fácil, foi que minha mulher, dona de voz lindíssima, aceitasse gravar um CD defendendo a minha composição. Aceita a missão, a letra da marcha teve de ser adaptada para uma voz feminina, também vencida sem grandes dificuldades.

Agora, viria a grande problemática, gravar a música para inscrevê-la no concurso; agitei a família e, nos estertores do prazo de inscrição, conseguimos o beneplácito auxiíio do professor Nelter Corrêa que, gentilmente nos ajudou, fazendo um arranjo e gravando o CD. Outra etapa vencida.

Nova etapa, fazer a inscrição via internet. Tentamos várias vezes e nada conseguíamos, o site com problemas, não concluía a inscrição.

Sem maiores alternativas, fiz uma ligação telefônica para a Fundição Progresso (promotora do concurso) que me orientou quanto à remessa do material via Sedex, já que o prazo havia sido prorrogado. Assim foi feito e mais outra etapa foi vencida.

Agora a expectativa era vencer os dias seguintes até 25 de Novembro, quando o resultado das 10 músicas classificadas seria anunciado no site da fundação. Engolimos a ansiedade e fomos vencendo os dias.

Eis que se não quando, dia 25 raiou, acordei às 6 da matina, fui trabalhar consciente que teria de esperar as 12 horas agonia, venci-as, a Sonia abriu o site, localizou a relação dos resultados e, tentando me encorajar disse: - Amor, ainda não foi desta vez....

Acho que não foi dessa vez e não será de outra, encerro aqui minha carreira de compositor.

Para deleite dos amigos, e minha satisfação, a seguir vou dar-lhes mostra de que minha marcha-rancho é de excelente qualidade e ficou ainda melhor na voz de Sonia.

Até outra hora!

Por Miguel Chammas

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Relíquias


Obs.: Retiramos a foto, por proibição de sua divulgação.

Por Modesto Laruccia: Na reunião do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, USP, realizada no dia 18 de outubro de 2011, da qual fui convidado. Estavam presentes Fabiane Leite (TV Globo, SP), Júlio Abramczyk (Folha de São Paulo), Manoel Carlos Chaparro (ECA-USP), coordenada por David Braga Jr. O tema principal era:
“O IDOSO NA IMPRENSA”.
Chaparro foi nosso professor de jornalismo, na terceira idade quando fundamos o jornal “Reproposta”, que depois se transformou em livro. Entre os convidados, estavam colegas de classe como a Esther e a Izaura Marques. A Izaura, não a via desde quando terminamos outro curso que fizemos com a professora Cremilda Medina, o “Laboratório de Textos”, desde 2007. Nosso reencontro foi muito alegre e lembramos as peripécias que passamos na época.
Pra os que ainda teimam em permanecer deste lado do “cabo”, não devem lembrar muito da Izaura Marques. Ela tem um texto publicado nos fins de 2010, na SPMC. Escreve muito bem, tem hoje 84 anos, foi radio atriz da rádio Record e, nesse dia, cedeu-me um texto feito por ela, na época de jornalismo que, pra quem aprecia estória das rádios em São Paulo, aqui vai encontrar muitas informações interessantes e preciosas, contada por quem viveu todos os parágrafos. Por ser um pouco longo, vamos dividir em duas partes, eis a primeira:



R E L Í Q U I A - 1



A vida nos transforma em contadores de histórias. É fácil relatarmos a trajetória do outro, mas quando se trata da nossa, ficamos engasgados. Não sabemos ao certo como iniciar, o andamento que deve ter, nem como terminar. O tempo passa com a rapidez de um supersônico e trazer à tona os fatos pela ordem acontecida, desmembrar, achar o fio da meada no labirinto da memória é um trabalho que exige sabedoria. Assim para evitar engasgamento finjo que falo de outro alguém, como criança que brinca de faz de conta e relato um pouco sobre minha vida profissional: abril de 1941. Uma chuva forte a faz entrar em um prédio da rua Conselheiro Crispiniano quase esquina da avenida São João. Por curiosidade lê sua tabuleta e em um dos andares estava mencionado Rádio Piratininga. Não pensou duas vezes. Acostumada desde seus dez anos a participar do programa infanto-juvenil da Rádio Educado de Campinas e depois em São Paulo na Rádio Bandeirantes que ficava na rua São Bento, nos programas Mulher de Sagramor Escuveiro, e do Ave Maria, do Joia Junior, tomou o elevador e desceu no andar indicado. Com a facilidade que hoje não existe mais, foi atendida pelo diretor do rádio-teatro, Otávio Augusto Vamprê. Fez na mesma hora um teste de voz, leitura de texto e acertou que na quarta-feira estrearia no Grande Teatro Piratininga. Dia 16 às 19 horas lá estava pronta para a estréia, mas uma surpresa a esperava. Vamprê havia se transferido para a Rádio São Paulo e em seu lugar estava Raimundo Lopes, que a recebeu com toda firmeza dos antigos diretores..
- Participar do Grande Teatro, hoje. Mas de jeito nenhum, não conheço suas possibilidades. – Não importa.- Como não. Além disso não há na peça papel adequadro para principiante – Crie um. Avisei meus pais da minha estréia e não devo, não posso e não vou decepcioná-los.
Raimundo respirou fundo e a levou para a sala de ensaio onde já estavam os atores, Lucilia Freire, Antonieta Soneti, Climaco Cezar e Carlos Maia que além de ator era médico. Papéis distribuídos, Raimundo inicia o ensaio dizendo; vamos ver se encontramos uma cena para a encaixarmos. E a encontrou, quando o contra-regra, tocava a campainha da porta: É aqui. Climaco, marque... você vai dizer, Maria, atenda a porta, disse Raimundo, e dirigindo-se a ela, e você diz... sim senhor. Está bem.



Aí tinha sua esperada estréia respondendo, sim senhor. Mas na hora esticou a fala, sim senhor, pois não, um instante, já vou atender. Deve ser o doutor Jaime. Ele disse que viria falar com o senhor. O programa não era gravado, como atualmente, e a esticadinha já tinha ido ao ar dando início a uma carreira que durou 44 anos de rádio intercalado com shows, teatro, televisão, dublagem, gravações em disco de histórias infantis, publicidade. Redatora de quadro de humorismo como Cartomante Fiu-Fiu e dramáticos Uma Voz ao Telefone, Isto Aconteceu Comigo. Programa feminino, adaptações de filmes e contos, para as rádios de São Paulo, Bandeirantes, Excelsior e Nacional e para TV o Teatro de Bolso (Globo). Recebeu o troféu “Viola de Ouro” como melhor atriz de programa sertanejo na TV Globo. Aposentada, ainda continuou por mais cinco anos na ativa fazendo cinema de animação, audiovisuais e como professora em cursos de teatro e oratória. Dirigiu grupos amadores. Contou histórias em escolas. Como falar sobre cada uma dessas atuações é meio complicado vamos simular uma rápida entrevista. Faço as perguntas e você satisfaz minha curiosidade.



A primeira é saber por que quem trabalha em rádio é chamado de radialista. Entenda. Quem trabalhava em uma emissora de rádio o fazia quase que somente para satisfazer o seu prazer, seu deslumbramento. Por isso, era considerado idealista. Então, Nicolau Tuma teve a idéia de juntar as palavras radio e idealista e deu radialista. Hoje o ideal esta sendo trocado por faturar.



Você usava um nome artístico. Não. O meu próprio, Izaura Marques.



Com meio século de carreira deve ter atuado em varias rádios e Tvs.



Rádios acho que todas, de São Paulo. Comecei, como já citado, na Piratininga que foi a falência. Fui para a Difusora a convite de Raimundo Lopes. Houve uma junção da Tupi com a Difusora e passei a pertencer ao elenco também da Tupi sob a direção de Otávio Gabus Mendes. Nesse tempo participava do programa de auditório Revista Escândalo da rádio Cosmos, hoje América. Aqui cabe uma curiosidade. Você sabia que foi o antigo dono da Cosmos que implantou um sistema de pesquisa que resultou no tão conhecido e temido IBOPE. Em 1943, Oduvaldo Viana veio do Rio para dirigir a radio Panamericana que inaugurava e lá fui eu. Quando a PAN foi vendida para Paulo Machado de Carvalho e transformada em Jovem-Pan, o cast do teatro foi transferido para a São Paulo que já era especializado em Rádio Teatro. De vez em quando participava de programas da Record, emprestada pela São Paulo até que me transferi para a Cruzeiro do Sul que tinha os estúdios na Praça do Patriarca. A direção era do Cassiano Gabus Mendes e de Ivany Ribeiro que um ano depois contratada pela Bandeirantes (Rua Libero Badaró) me levou junto. Era diretor geral o locutor esportivo Rabelo Júnior, criador desse gool prolongado que todos os locutores usam na transmissão de uma partida futebolística e que deu à ele o título de “O homem do gol inconfundível”. A Bandeirantes mudou para a rua Paula Souza e eu para a Radio Excelsior, com Mário Donato que as vezes emprestava atores para a Educadora. Com o surgimento da Nacional todo o elenco atuava na Excelsior e na Nacional, onde me fixei por 34 anos. Gravei programa educativo para Rádio Cultura.



Em TV participei desde 1954 até me aposentar, na Organização Vitor Costa, Globo, TV Cultura, SBT e Excelsior.



O rádio-teatro foi famoso em sua época. O que era preciso para que uma emissora apresentasse um bom rádio-teatro.



Uma série de “bom”. Bom elenco versátil, bom texto, bom diretor, bom contra-regra, bom sonoplasta.



Entendi. Um grupo jóia.



Acertou. Muito embora as vezes houvesse num elenco algum “canastrão”, no todo tinha que ser de primeira. Mas um bom diretor podia fazer de um canastrão, um ator. O contra-regra, ou seja o responsável por todos os efeitos sonoros se errasse estragaria toda uma cena. As musicas para temas ou mesmo em bg, muito bem escolhidas pelo sonoplasta e deviam entrar na hora certa. O texto bom para despertar o interesse do ouvinte. Enfim se tudo não fosse muito bom, perderia audiência. Outra coisa interessante é que as novelas de rádio faziam a cabeça do ouvinte trabalhar porque era ele quem idealizava os cenários, já as novelas televisivas mostram tudo pronto e as cabeças não trabalham.



A pouco tempo, você voltou a gravar novelas para rádio Record. Achou que houve diferença na forma de trabalho.



Nossa, muita. Na verdade, a Rádio Nacional ou Globo, onde atuei por mais de trinta anos, já gravava a programação, por isso gravar não representava novidade. O que estranhei foi que não há mais ensaio. Se grava direto, às vezes diálogos ou mesmo só as falas de cada personagem. Depois fazem a montagem. Achei falta nas rubricas engraçadas que ilustravam os antigos textos, (ruído de assoar o nariz) em Éramos Seis, levada pela Record ou (chocar de corpos) que queria dizer abraço. Enfim, essa série foi um jogo de cintura para mim porque só sabia que era uma cigana. É muito bom gravar, assim não vai ao ar nenhuma falha. Mas que os nossos erros eram divertidos eram. Na Pan, Alair Nazaré tinha que dizer: sempre que ela volta da missa ela toca essa música e ela trocou a ordem. Sempre que ela volta da música ela toca essa missa. Um locutor também da Pan cometeu um erro ao ler uma propaganda, hoje mais conhecido como comercial e disse “Aveia qualquer” mas com muita presença de espírito corrigiu em cima: Aveia “qualquer” não, exija aveia “Quaquer”. Numa novela religiosa, se não me engano era a vida de Santa Edwiges, dialogando com Walter Forster e o dizia punha sua “mão” em meu ombro e muito compenetrada disse, ponha sua “mãe” em meu ombro. Agora vexame mesmo passei, que lembre, umas três vezes. Fui escalada para substituir uma colega que ficara afônica. Era um quadro de auditório, Primo João, e o inicio era cantado. Fiquei gelada porque eu não canto nem de baixo do chuveiro. Ensaiei a cantoria com o acompanhamento de piano, mas na apresentação o que entrou foi a orquestra do Silvio Mazuca. Fiquei totalmente perdida apesar de um dos músicos levantar e cantar a melodia com o pistom eu não me encontrei. Isso foi na rádio Bandeirantes. Fazendo um show beneficente, num clube na avenia Ipiranga, num esquete com Osmano Cardozo, entrei eufórica no palco e eufórica caí com as pernas para o alto e de frente para platéia que riu a bandeiras despregadas. O que mais me deixou nervosa, confusa, aconteceu na penitenciária, no antigo Carandiru. Novamente dialogando com Walter Forster, garbosamente usava um vestido “tomara que caia” e ele quase caiu mesmo. Um contra-regra da Globo costumava dizer quando errava; desculpe a vergonha que passei e fui eu que disse no show para os detentos. Um errinho era uma tragédia tanto na rádio, como no início da TV que a programação era ao vivo nos obrigando a termos a memória na palma das mãos. Depois chegou o vídeo mas ele não voltava, tínhamos que gravar direto e ficarmos no estúdio esperando para saber se estava tudo certo ou se tínhamos que regravar. Era um sufoco.



Sei que dublou seriados. Houve algum que marcou mais.



Dublei longa metragem também e muito. Sem duvida em série foi o Nacional Kid. Primeiro filme japonês com efeitos especiais que veio para o Brasil. Dublava um garoto de seus 6 anos, Kuru. Ainda hoje muita gente lembra do Nacional Kid. Era a alegria da criançada nos anos 60. Sabe, a dublagem também acompanhou o tempo. Em 50 e 60 o filme era divido em anéis e todos os dubladores que participavam daquele trecho dublavam juntos. Tínhamos que falar dando sincronismo absoluto ao modo de falar do autor cinematográfico e quando um dublador errava, voltava todo anel por varias vezes (dez, trinta ou ainda mais). Difícil, não é? Mas hoje é bem mais fácil se trabalha com o fone de ouvio.



Para enfrentar sua carreira fez algum curso de especialização, para rádio, dublagem ou teatro.



Sei que hoje esses cursos se espalham, mas não. Tanto na rádio, na dublagem como na TV e também no teatro, aprendíamos com cada diretor. Tive excelentes diretores; Raimundo Lopes, Otávio Gabos Mendes, Farid Riscala, Talma de Oliveira, Júlio Atlas, Ivany Ribeiro, Túlio de Lemos, Renan Alves, Daniel Filho, Oduvaldo Viana, Luiz Pini, Eny Autran, Carlos Machado e outros que talvez agora tenha me fugido. Todos muito exigentes. Na rádio São Paulo havia um diretor que costuma dizer quando tínhamos poucas falas: tu tens poucas falas, mas elas devem ser ditas e muito bem ditas. Na Panamericano, hoje Jovem Pan, a programação de auditória era decorada, um verdadeiro teatro. Aprendi muito e tanto fazia papéis dramáticos como caricatos. Na TV era comediante, e sabia que é muito mais fácil fazer o público chorar de rir. Em várias situações cheguei a fazer dois papéis ao mesmo tempo, tendo que dialogar comigo mesma. Pó de Pirlim... Pim, Pim, de Monteiro Lobato, adaptado para disco, interpretei Pedrinho e Narizinho. Outra boa escola foi fazer quadros em vários programas, ao vivo e de improviso. Com Manoel de Nóbrega em programa de auditório, na rádio Nacional os quadros Adão e Eva e o do Ventríloquo que era o Nóbrega, eu e o Canarinho, que ainda está na ativa, fazíamos os bonecos, era um quadro muito divertido. Outro programa de grande audiência foi A Praça da Alegria, atualmente apresentada por Carlos Alberto de Nóbrega, pelo SBT como A Praça é Nossa e onde eu fazia a Lili, a menininha mais sabida enquanto o Ronald Golias era o garoto mais atrasado da Escolinha de Grupo.



No teatro, na Companhia de Hilda Asson sob a direção de Hélio Quaresma foi uma boa escola. Mas o teatro infantil nos dá mais trabalho, a criança é mais exigente, mais crítica. Com tudo, vou revelar a você, o que me deu mais lição de trabalho e de vida, foram os shows que fazíamos com a Caravana do Nóbrega, todo fim de semana em circos de periferia.



Pode citar colegas que trabalharam com você.



Olhe que a lista pode ser interminável, porque todo radialista era meu colega. Vou satisfazer um pouco sua pergunta. Alguns já nos deixaram saudosos, outros ainda estão em atividade. Na TV Tarcísio Meira, Francisco Cuoco, Lucimara Parisi, Osvaldo Louzada, Nair Belo, Renato Consorte e muitos outros. Dubladores, Yvete Jaime, Borges de Barros, Helena Samara, Gilmara Sanches. Os de rádio, todos os radialistas das décadas de 40 na 80 (século passado). A rádio continua funcionando mas para o rádio-teatro o mercado está fechado.



Os programas de TV, você decorava com facilidade? Não sobrava tempo para decorar texto. Tinha praticamente uma apresentação atrás da outra. Costumava fazer isso durante os ensaios o mesmo enquanto ia uma cena que não participava, decorava a minha. Memória fotográfica. Mas sabe, muitas vezes acontecia de colocarmos nossa “colinha” nos cenários e depois do ensaio geral o diretor de estúdio trocar tudo e a nossa salvação ia pro brejo. Foi trabalhosa a programação de TV no início, os cenários eram precários, não se fazia externas e o guarda-roupa vinha da casa teatral. O que salvava mesmo era o elenco excelente. Até os comerciais eram ao vivo.




2ª parte de “RELÌQUIA

- Houve alguma chance que você tenha preterido.



Várias... em 43 na Pan o locutor esportivo Nage criou um programa que ia ao ar das 12 h às 12h30 chamado Nageada. Era um casal, ele e eu, que discutia futebol. Fui então insistentemente convidada pelo Nage a ser comentarista de campo e não quis. Achava que não entendia de futebol e seria um fracasso. Em 52, já na Excelsior quase fui para o cinema mas desisti. Havia um teatro na TV que era feito por artistas de teatro vindos do Rio. Uma ocasião veio o Procópio Ferreira mas uma atriz não havia podido vir e a Globo me pediu socorro. Lá fui eu. Não havia tempo para ensaiar quanto mais para decorar o texto, teria que improvisar. Então o Procópio explicou que era uma empregada jeitosa querendo conquistar o patrão, que era ele, que o papel atravessava a peça toda e lá fomos nós para o ar. Quando terminou, Procópio disse: o que fica fazendo em São Paulo, Izaura. Tem que ir para o Rio, menina. Agradeci mas... Também em 65 quando a Globo passou a funcionar no Rio, muitos colegas se transferiram para lá mas preferi continuar aqui. Agora “fora” mesmo eu dei, quando a Globo me propôs ser jornalista, hoje seria ótimo. Já disse à você que os comerciais iam ao ar ao vivo, não foi. Contrataram então algumas garotas para esse fim, mas o número de Garota Propaganda era pequeno e começaram a escalar as atrizes para completar o quadro. Eu não queria porque meus horários já eram terríveis e teria que ficar a tarde toda trancafiada na TV. Foi falar com Paulo de Gramond que era diretor artístico: Paulo eu sou atriz e não garota propaganda. E ele muito diretor respondeu: pois faça de conta que é um teatro onde interpreta esse papel. Saí da sala pensando; tenho que arranjar um jeito e arranjei. Havia uma propaganda de um bendito “pente”. Pedi ao câmera que focalizasse nosso contra-regra que era totalmente calmo e fiz o comercial: façam como o Darci. Ele adora este pente, não usa outro, não é Darci. Fui chamada na direção – que isso não se repita. O próximo comercial era sobre um copo térmico para aquecer mamadeira e eu: querido papai, acabou seu desespero por ter que se levantar a noite para preparar a mamadeira do seu neném. Deixe-a pronta dentro deste recipiente térmico e quando ele berrar é fácil o papai fazê-lo calar. Novo chamado: como você fala com o pai, é com a mãe. O terceiro foi a conta exata para sair dos comerciais. Era sobre um prato elétrico para esquentar comida, pão etc. e eu bem sexy: Minha senhora este prato é ótimo para esquentar o que a senhora “precisar esquentar”. Nunca mais fui escadala.



Que censura. Taí, o que você conta sobre o tempo da censura.



Tempo da censura... Num quadro de humorismo na Excelsior interpretando uma garçonete dizia a dois fregueses que não queriam nada: Mas nem uma coxinha de galinha. Os três pontinhos fizeram o auditório rir e eu levar a maior bronca. Quando as peças sofriam censura tinham que ser trocadas na última hora, davam um trabalho danado. Já na TV, você vai rir quando estava esperando nenê só fazia cenas em off ou por traz de janela, coisas assim, era proibido grávida na TV de certo porque “lembrava” sexo. Hoje...



Os artistas da televisão são assediados pelos telespectadores, os de rádio, eram reconhecidos pelos ouvintes.



Claro, recebíamos uma calorosa correspondência quase que de todo o Brasil. Éramos reconhecidos pelos fãs em qualquer lugar porque tínhamos uma excelente programação de auditório com as orquestras, de Silvio Mazuca, Migliori, Gaó, Guerra Peixe, Osmar Milani, Marcelo Tupinanbá e apresentação de grandes cantores, partindo de Dorival Caymmi, intercalados com quadros de rádio-teatro. Era um publico que aplaudia, não era comandado, regido mas espontâneo. Também as reportagens em revistas especializadas como a Revista do Rádio e em jornais eram constantes e muito bem feitas. Havia também um álbum do Rádio, que tenho até hoje, e um outro que era de bala que vinha com fotos de todos os radialistas. Você comprava as balas e ia formando o álbum. E quer saber, até hoje encontro antigos fãs que ficam felizes quando me vêem. Quer exemplo. O nosso colega de jornalismo Modesto Laruccia, disse: tive paciência de esperar 52 anos para ter a honra de ser incluído no rol de suas amizades. Um antigo admirador das sempre jovem atriz ( : ) e ainda sou procurada para entrevista por rádios, jornais e revistas, o que é gratificante.



Em sua tragetória, muita coisa deve ter sido especial.



Ah, sim... Não só por trabalhos desenvolvidos mas cenas reais... que aconteceram. Não estou lembrada que programa apresentávamos mas lembro do corre-corre terrível com tiros e tudo... era época da ditadura e tínhamos na Rádio Panamerica, um bom elenco perseguido; Oduvaldo Viana, Mario Lago, Dias Gomes, Agostinho Aguiar Leitão e outros que agora não recordo. Só sei que como num passe de mágica todos viraram super-homens e saíram voando por todos os lados.



Um dos aniversários do pograma Manuel de Nobrega foi transmetido diretamente do cine Piratininga, que ficava entre o Brás e o Belém, na avenida Rangel Pestana e era considerada o maior da América Latina, foi inesquecível. Alem de estar totalmente lotado, os aplausos eram tão calorosos que davam a impressão de que ia haver uma implosão. Também em Brasília apresentando o programa do Silvio Santos já no SBT, havia gente pendurada de todo jeito e olhe que o espaço era grande. Tivemos que sair como que foragidos e mesmo assim nossos carros foram bloqueados pelos fãs, foi uma loucura. As festas de aniversario da Nacional deixaram uma lembrança gostosa.



No carnaval de 87 graças ao meu currículo, fui escolhida para jurada das escolas de samba de São Paulo no quisito samba no pé. A emoção provocada pelas baterias durou até saírem os resultados... Ou até hoje.



Agora, particularmente especial aconteceu quando atuava na Rádio São Paulo, la na avenida Brigadeiro Luis Antonio. Levávamos ao ar a novela Entre Dois Mundos do novelista Agostinho Aguiar Leitão. Interpretava um garotinho que era décimo terceiro filho de um casal. Esse personagem vivia entre o mundo material e o espiritual, era muito bonito de muita sensibilidade. Fui então, procurada pelos pais de um menino que, em fase terminal, dizia que não queria morrer a artista que interpretava o Zabelê. Conheci emocionada esse menino de 12 anos. Poucos dias depois ele faleceu. Essas passagens não se esquecem.



Há outro fato que marcou foi em 1952 na Excelsior, quando o redator José Ferreira Carrato criou um programa chamado Meu Filho, Meu Orgulho era a radiofonização sobre um bom filho e a mãe recebia de presente um lindo broche de ouro. Tive a alegria de ser heroína em um deles e minha mãe homenageada. Agora transferi o símbolo de Meu Filho, Meu Orgulho para minha filha Camila que me deu 5 netos.



Você falou em netos... Não foi complicado conciliar o seu trabalho com a vida particular.



Um pouco. Nem sempre tinha empregada, ou pelo menos confiável, e tinha que levar minhas filhas comigo em todo o lado, mas sempre pude contar com colegas que se transformavam em pagens em meu socorro e meu marido me incentivava muito.



Tem uma coisa me confundindo. As vezes você fala Nacional e as vezes Globo. Por quê?



Não há nada confuso. A história foi assim. Em 1950 me transferi da rádio Bandeirantes para Excelsior dirigida por Mario Donato. Em 1952 Victor Costa da Radio Nacional do Rio de Janeiro propôs à Excelsior uma junção e fundou a Nacional de São Paulo. Passamos então a trabalhar para as duas emissoras. Os programas vinham do Rio. Um deles de muito sucesso o Balança Mais Não Cai. Um ano e meio ou dois Vitor Costa comprou a TV Paulista que ficava bem ali na rua da Consolação esquina da avenida Paulista e foi formada então a Organização Vitor Costa. Com o falecimento do Vitor foi que passou a ser Globo. A TV Globo, creio que em 1965, passou em parte a funcionar no Rio. Esta explicado.



Entendi. Mas estou tentando descobrir por que você não continuou. O rádio-teatro esta sem campo mas a dublagem, o teatro e a TV estão aí.



Simples... queria descansar um pouco, “saborear os netos”, e se um artista para uma temporada voltar é complicado.



Acredito. Voltando, sabe que vi no Arquivo do Estado uma exposição sobre Histórias dos Bairros e você estava lá.



Você viu. Foi uma entrevista sobre Santana, feita por historiadores. Um trabalho muito bonito. Outro que achei bastante interessante foi o livro editado pela Droga Raia, Páginas da Vida, com relatos de seus clientes.



Onde você narra um natal da sua infância.



Exato. Você está sabendo muito. Mas tudo isso foi no passado, sem saudosismo.



É, até agora só falamos do século 20. Tentando selar minha pretensa posição de entrevistadora, o que você faz no século 21?



Freqüento cursos abertos à terceira idade na Universidade de São Paulo. Jornalismo, Leitura e Interpretação de Texto. Livro Reportagem e Narrativas da Contemporaneidade. Isso aumenta meu saber promovendo minha participação em vários projetos culturais.



Na Oficina Cultura Oswaldo de Andrade, no projeto Perdigoto com a coordenação de Antonio Prata e Chico Matoso, a publicação de 5 contos na revista Sentidos. Na Faculdade Santana vídeo palestra, sobre rádio. Redijo crônicas ou contos para o “espaço aberto” do jornal Reproposta, que foi criado pelo professor Doutor Manuel Carlos Chaparro, hoje on line com a supervisão de Katiuscia Lopes. Narrativas para quatro edições do Projeto São Paulo de Perfil, idealizado e coordenado pela professora Dra. Cremilda Medina. Atuado em sarau literário realizado em biblioteca publica e hoje participando do lançamento dessa revista. Posso afirmar que essas aberturas enriquecem a minha vida, aumentando o tamanho de minha relíquia. Porque... Nossa memória e uma relíquia que guardamos carinhosamente.



IZAURA MARQUES

Por Modesto Laruccia

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Rodovia dos Imigrantes, vamos morrer aqui


imagens da internet

12 de setembro de 2011.

Minha mãe, Dona Zezé, 90 anos, queixa-se de mal estar, cansaço. Está muito ansiosa, mais do que de costume.
Meço a pressão arterial: 180x110mmHg. Procuro acalmá-la. Repouso, hiperventilação. Nova medição: 140x95mmHg. Melhorou um pouco. Telefonar para o convênio médico urgentemente. Ligação para Itanhaém, marcação de consulta com a médica geriatra quase que instantânea: - A consulta prá Dona Maria José eu ‘vou taRR agendando’ para hoje, às 10:00h. O horário está bom para o senhor?
- Não filha, não está! ‘Tou’ ligando de São Paulo e não vou chegar a tempo aí. Olha, são 9:00h! Me arruma outro horário na parte da tarde...
- E 01h da tarde? Dá pro senhor “taRR” chegando aqui?
- Dá! Obrigado...
- Então nós vamos “taRR” esperando a d. Maria José prá consulta às 13:00h. OK?
- ‘Tá’.
Explicando: minha mãe tem 3 convênios médicos (SUS, Servidor Público do Estado e o convênio pago pela Associação dos Funcionários da VASP), todos complicadíssimos para marcar consultas, exames, etc, aqui em São Paulo. Portanto, prefiro que minha mãe utilize o convênio da VASP no litoral, muito mais rápido e com um atendimento excepcional, apesar da super inflação de gerúndios e de estranhíssimas conjugações verbais...
Verificação no carro, aquela checagem manjada. Roupas no porta malas: - Pra quê tanta roupa, mãe? A gente vai, passa na médica, dorme em casa e amanhã nós voltamos numa boa, sem dramas.
- Lá faz frio, Ignacio. ‘Cê sabe que eu sou friorenta... Pegou minha bengala e o andador?
- Tudo bem, mãe. Não ‘tá’ mais aqui quem falou! Tá tudo aqui. Bengala, andador...
Chegamos às 11:30 h em minha casa em Mongaguá. Minha mãe descansou um pouco em seu quarto, tomou um cafezinho, comeu umas bolachinhas... 12:45 h estávamos na clínica, em Itanhaém, rápido, rápido.
Consulta, receita, pedido de exames de sangue e urina. Almoçamos em um restaurante, voltamos prá casa. Tarde tranquila. Assistiu TV (noticiário e novela) e foi dormir.

13 de setembro de 2011.
- Ignacio, eu quero ficar mais um pouco, vamos amanhã...
- ‘Tá bom...

14 de setembro de 2011.
- Vamos ficar mais um dia, Ignacio. Eu ‘tô’ um pouco cansada...
- Tudo bem, mãe... Eu já sabia... Mas, amanhã a gente volta prá São Paulo bem cedinho.
- Não, eu quero ir de tarde...

15 de setembro de 2011.
Almoçamos em um “por kilo” no centro de Mongaguá e pegamos a rodovia. Garoa, tempo enfarruscado, limpador de parabrisas zzzplac, zzzplac, zzzplac, pouco movimento na pista. Viajo sem pressa a 70, 80 km/h, às vezes caindo para 60. Minha mãe viaja a meu lado.
- Ignacio, tira esse cinto de mim... ele me aperta o peito...
- Não posso, mãe. É prá sua segurança...
- Mas me aperta e me dá falta de ar...
Pedágio em São Vicente: R$ 5,10.

O HORROR!... O HORROR!
(Joseph Conrad)

Começo a subida da serra. Inicia-se a sucessão de túneis. 13 túneis, número um pouco assustador para os mais supersticiosos. Na saída do 3º túnel entramos em uma nuvem, neblina muito densa. Diminuo a velocidade para 40 km/h. Dentro dos túneis, tudo bem. Praticamente é uma subida por dentro das montanhas e o único problema são os caminhões, as carretas, os transportadores de containeres que excedem de muito a velocidade permitida, que fazem ultrapassagens proibidas, que mandam a legislação de trânsito (e a boa educação) para as Cucuias! Há que se tomar muito cuidado, direção defensiva e muita fé.
Saio do último túnel e entro num limbo branco de neblina. Todas as luzes defensivas de meu carro estão acesas, faróis inclusive. Diminuo a velocidade para 20, 30 km/h. Um carro preto passa voando pelo acostamento, coisa de 80, 100 km/h. Uma carreta lonada, carregada, um bólido, desaparece na neblina pela direita. Cautelosamente continuo avançando, um olho nos retrovisores, outro olho à frente. 200 metros, 250. Vou como que tateando o caminho naquela escuridão branca. Passo pelo carro preto que acabara de trombar com a carreta que me cortara pela direita. Dois homens saíram do carro e estão correndo. Uma confusão à frente, cerca de 50 metros. Há uma brecha, vai dar prá passar, só acelerar um pouquinho. Explosão, um flash light avermelha a neblina. Um caminhão tanque batido começa a pegar fogo. Não dá mais para avançar. Preciso ir para o acostamento ou sair de vez da rodovia. Olho para o retrovisor. Outro estrondo fortíssimo. Um Doblö, literalmente voando, se choca contra meu carro. O mundo fica de ponta-cabeça. Por inércia, o caminhão que atirara o Doblö contra meu carro continua avançando e esmaga-nos. As pessoas gritam desesperadas. Ruídos de frenagens e batidas em sequência: bam, bam, bam, bam. Fumaça preta! Minha mãe grita:
- Pelo amor de Deus, Ignacio! A gente vai morrer, a gente vai morrer! O Alcides (meu falecido pai) tá vindo buscar a gente!
O choque arrancara os dois assentos do soalho do carro. Minha mãe está chorando...:
- A senhora ‘tá’ bem, mãe? Algum machucado?... Espera aí que vou soltar seu cinto...
O carro parecia um bandoneón e eu não conseguia abrir as portas. As trombadas continuavam, mais gritos, mais fogo, mais explosões. Porta malas, banco de trás, teto, desapareceram, melhor, viraram um amontoado de metais retorcidos. A neblina e o frio começam a nos fustigar. Vivos nós estávamos até aquele momento, mas tínhamos de sair daquela armadilha. Pessoas do lado de fora param de correr:
- Ajuda aqui, ‘vamo arrancá essa porta’! Tem dois ´véio’ preso aqui...
Conseguiram. Carregaram minha mãe até a grama. Eu corri também. Alguém estava sendo queimado vivo onde havia um fogaréu! Cheiro de carne queimada. Os gritos cessam, resta apenas o cheiro de carne queimando...
As explosões e batidas continuavam, também os gritos. Começam a chegar ambulâncias e carros de bombeiros vindos de Cubatão, de São Bernardo, de Diadema. Policial da PM sentado na grama, braço direito quebrado, parecendo um “W”. Lonas amarelas estendidas no chão recebem feridos. Atendimento médico. Mamãe recebe um crachá do SAMU com um código de cores. Pergunto o que significa. “Ela está bem”, um paramédico responde.
Frio, garoa. Estamos ensopados. Minha mãe está descalça, perdeu as pantufas no carro e eu perdi meu celular. Um anjo faz uma ligação para casa em São Paulo. Consigo falar com a Odete: - Está tudo bem, “Dé”! Mas, não sei o que vão fazer com a gente...
- Fica calmo, cuida de sua mãe. A Cláudia e o Marco estão indo aí, pegar vocês!
- Pegar como? A rodovia está bloqueada nos dois sentidos...
- Ignacio, deixa de ser bobo! Prá que você tem filho policial? Não esquenta não! De carteirada em carteirada, daqui a pouco eles estão aí. Fica frio...
- Mais?
De fato, não demoraram. O Marco conversou com seus colegas da PM e a Cláudia, como não tinha ninguém da polícia civil prá conversar, ficou no carro dela com a gente... Foi preciso negociar com os coordenadores do socorro a nossa saída. Conseguimos entrar no Rodoanel e vimos que, apesar de tudo o que acontecera e continuava acontecendo, os loucos continuavam à solta. Caminhões, carretas, carros, em alta velocidade na pista. Visibilidade reduzidíssima. Antes do pedágio, colisão. Caminhão encavalado sobre um Uno, coisa feia...
Embu, Régis Bittencourt, Taboão da Serra, Av. Prof. Francisco Morato, Ferreira, Vila Sonia, Caxingui, Previdência. 21:30h. Chegamos.
A Odete abraça minha mãe: - E aí, “cumadi” Zezé? Como é que foi a coisa? (A Odete nunca chamou minha mãe de sogra. Sempre a chamou de comadre e minha mãe sempre aceitou numa boa).
- Fiquei muito nervosa, passei frio. Lá no alto da serra faz muito frio... Tem janta?... ‘Tou com dor de cabeça... Me dá um comprimido... Vou tomar banho e vou dormir... O Ignacio esqueceu o meu andador e a bengala no carro! Ele não presta atenção nas coisas...
- ‘Tem importância não, “cumadi”; amanhã nós compramos uma bengala e um andador zero quilômetro prá senhora... Tudo folhado a ouro...
Fomos dormir passava da meia noite. Telefone não parava de tocar. Parentes querendo notícias, de Santos, de vizinhos de Mongaguá, meu cunhado da Praia Grande, parentes da Odete, de Franca, de Patrocínio Paulista. Tivemos nossas 3 ou 4 horas de fama!
Minha mãe ganhou um galo na cabeça; eu ganhei uma esfoladura no joelho direito.
A Odete, popularmente conhecida como Madame Sarcasmo:
- Um galo e um arranhão? Nem valeu a pena, vocês se meterem nessa confusão toda e, ainda por cima, perda total de nosso carro. Mas que merda heim? Da outra vez eu quero ver sangue...
- “Dé”. Não enche o saco... vamdormí...!
Tudo very British demais pro meu gosto... Mas, ainda estamos vivos.
 

Por Joaquim Ignacio de Souza Netto

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

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imagem do site Condomínio do Prédio Martinelli: Edifício Martinelli visto do Vale do Anhangabaú - 2004; Luiz Saidenberg

Texto de Abril de 2008

Docemente constrangido, retorno ao Prédio Martinelli.
E aí, sim. Adentrei suas entranhas, até onde um dia, há 48 anos, foi nosso estúdio de desenho. O convite partira da TV Bandeirante, que queria me entrevistar sobre minhas crônicas, e a primeira coisa que pensei foi no Martinelli.
E não deu outra, foi mesmo esta a sugestão deles. Mas, seria bem diferente de minha frustrada tentativa de três anos atrás, quando cheguei ao 19o. andar, mas do corredor não passei.
Desta vez, só gentilezas, a começar pelo segurança da portaria na Libero Badaró, que espantou-se ao saber que eu trabalhara ali, tanto tempo atrás. Subimos até lá e fomos recebidos pelo Dr. Wagner, diretor do Contru, que nos escancarou as portas.
Ali, driblando mesas e cadeiras, cheguei ao nosso cantinho: o ângulo da “ladeira” São João com Libero Badaró. O janelão de quina recebeu-me, bandeiras espalmadas.
Mas, como todas as paredes foram derrubadas, fica difícil localizar os limites de nossa sala, e das dos amigos vizinhos. É como um labirinto ao contrário: fica-se perdido por falta dos antigos corredores, quase túneis sombrios. Fotografei o que pude, para depois tentar reconstituir o ambiente, como um quebra cabeça.

E agora, um passeio pelos terraços do Comendador Martinelli, com suas balaustradas guardadas por pirâmides. A altura parece espantosa, mesmo para os padrões atuais. O prédio não tem mais de trinta andares. Hoje, isto não é nada.
Dia destes, almoçando no Horti Fruti da Santo Amaro, reparamos espantados, no prédio em construção na esquina da José dos Santos: contei até trinta e cinco andares, depois desisti. E dizer que o pobre Martinelli causou comoção em sua época, enquanto o atual gabarito é visto como absolutamente normal. Mas, é bela a visão das sacadas do Comendador. Aqui o Anhangabaú, lá a Sé, lá o Banespa, bem mais alto. De minha emoção, não quero nem falar.
Pergunta o repórter Bruno: - mas que foi que aconteceu aqui?
- Melhor seria perguntar o que não aconteceu, respondi. Romances, reuniões com jornalistas e assessores da Presidência, tiros para o ar, brigas, amor e ódio. Mas, numa coisa sinto-me ainda em casa; os modernos habitantes do prédio continuam com a simpatia dos antigos, acolhendo-nos generosamente.
A loira Gisleine, assessora de imprensa, com quem brincamos dizendo ser a loira fantasma do Martinelli, com quem eu teria namorado e ronda seus corredores até hoje; o Graco, que nos guiou pelos meandros do labirinto.
Enfim, um tour, não por um prédio, mas por uma existência: entrar ali adolescente e sair, 48 anos depois, novamente rejuvenescido.

Por Luiz Saidenberg

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

O beijo


imagens da internet: Cine Metro; Praça Ramos (leiteria Paulista); Fonte das Lagostas

(Texto de 1995)
Cenário: A frente de um cortiço, no Bairro de “Desire”, em New Orleans.
Cena final - dramaticidade intensa.
Kowalski chora e grita desesperadamente:
- “Stella”!... “Stella”!... “Stellaaaaaaaaa”!...
A câmera se afasta lentamente para um plano geral.
“Fade” (escurece a tela). Aparece o “The End”…

Ahahahahahahaaaaaaaaaa!!!

Eu caio na risada. Não pelo filme, “Um Bonde Chamado Desejo”, que é trágico e amargo. Ri porque ele reavivou uma lembrança que eu nunca esqueci, esqueço e jamais esquecerei.
Peguei o controle remoto e rebobinei a fita.
Enquanto fazia isso fui garimpando retalhos de memória.
E não duvido que o fato de gostar de tudo que o Tennessee Williams escreveu, gostar da Viven Leigh e do Marlon Brando esteja ligado a esse pedaço do meu passado...
1960 – Eu tinha 12 anos e, acompanhado por adultos já frequentava os cinemas do Centro e, em uma dessas idas aos cinemas centrais, o personagem principal foi a minha amiga Drubrafka, cujo apelido familiar era “Koka”...
Um aparte:
A Koka veio pequenina, diretamente da Jugoslávia para o Brasil. Estudávamos no mesmo Grupo Escolar e continuamos a amizade pela vida a fora. Éramos amigos e vivíamos um na casa do outro. E nossas famílias acabaram por fazer amizade.
Vivíamos para cima e para baixo de mãos dadas, meio que agarradinhos um no outro. E, claro, trocávamos um milhão de beijinhos na face. Tudo muito ingênuo e espontâneo. Diziam os meus familiares e os dela que nós estávamos namorando. Se estávamos namorando, nem eu e nem ela sabíamos. Mas que havia alguma coisa entre nós, isso havia. Junto dela eu sentia algo estranho, gostoso, que não sabia definir. Fosse hoje, eu diria: “Estou apaixonado”!
Continuemos.
Eis que, num sábado, a mãe da Koka – e a Koka – veio à minha casa avisar aos meus pais que, no domingo cedo, me levaria ao cinema. Iríamos à matinê do Cine Metro, que estava apresentando, durante os domingos daquele mês o Festival Walt Disney. Íamos assistir “Cinderella”.
Antes das dez horas da manhã já estávamos na Cidade, passeando pelas ruas e olhando as vitrines (naquele tempo ainda fazíamos isso. Depois de 68, as vitrines foram escondidas atrás de portas de aço corrugado.).
Lá pelas onze horas estávamos fazendo um lanche na Leiteria Paulista, na Xavier de Toledo, quando apareceu um casal, amigos dos pais da Koka. A mulher estava eufórica. Comentou que iam ao Cine Rio Branco rever o filme “Um bonde chamado desejo”, filme que há muito não passava nos cinemas. Eufóricos também ficaram os pais da Koka. Adorariam rever o filme. Mas, o que fazer, pois a película era proibida para menores (18 anos). Pensaram, repensaram, confabularam e resolveram!
Colocaram, eu e a Koka, dentro do Cine Metro, com a recomendação que, quando terminasse a sessão, esperássemos por eles junto à bilheteria do cinema e lá se foram para o Cine Rio Branco.
Dentro do cinema fomos direto à “bombonière” comprar nossos doces preferidos e, em seguida, procuramos um bom lugar na platéia.
Começa a filme... Na penumbra a Koka se aconchega junto a mim e coloca a cabeça no meu ombro. Eu prendo a mão dela na minha e ficamos a ver Cinderella.
De repente, senti algo estranho. Algo além da minha eroticidade de pré-adolescente. Algo que ia de um sentimento puro e indefinido ao desejo. Era algo mais que sexo.
Vez ou outra a Koka levantava a cabeça dos meus ombros e me olhava nos olhos com os seus olhos azuis hipnóticos.
Senti um misto de agonia e ansiedade. E a maciez daquela mão entre as minhas, o perfume que emanava daqueles cabelos louros levaram-me à loucura.
Foi quando aconteceu o meu primeiro beijo dado em uma boca...
Com uma forte taquicardia e fora de controle seguro a cabeça da Koka entre as minhas mãos e dou-lhe um tremendo beijo na boca. Beijo correspondido... Eu tremia dos pés à cabeça.
Tá certo que o meu primeiro não foi bem um beijo. Foi mais uma trombada de lábios, um bater de dentes - doeu. Não foi bem um beijo, concordo... Foi mais um morder. Mas foi o primeiro. E, marcou-me para sempre, nesse beijo mal dado, o gosto da saliva quente - sabor dropes de hortelã e o calor dos lábios macios... Muito mal dado mesmo, esse beijo inesquecível.
Finda a sessão, saímos e ficamos a esperar os pais da Koka. Mas, estávamos nas nuvens. Impossível de se ficar parado. De mãos dadas, fomos olhar a Fonte das Lagostas, na Praça Júlio Mesquita, depois fomos à Praça da República, onde trocamos mais alguns beijinhos (a prática leva à perfeição) e voltamos para frente do Cine Metro. Lá estavam os pais da Koka, apreensivos, loucos da vida. Voltamos para casa ouvindo bronca sobre bronca.
Modo mais triste de se sair do paraíso dos sonhos para o inferno da realidade...
E ai? Alguém mais ainda se lembra do seu primeiro beijo? (risos)

Por Wilson Natale