segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

ANDRAUS - 24/02/1972

Onde você estava?...
Parecia um dia como outro qualquer.
Na rua, o Sol; e um calor que mordia a pele. Dia quente. Muito quente!
O povão, suando em bicas, ia e vinha pelas ruas exibindo camisas com os colarinhos ensopados, costas e sovacos molhados. Lenços saiam dos bolsos para ‘dar adeus’ ao suor de testas.
Eu, no escritório, sentado à minha escrivaninha, olhava pela janela, admirando a cúpula de poluição que dava uma coloração amarronzada ao céu. A coisa estava braba.
No escritório, os aparelhos de ar-condicionado roncavam, funcionando a todo vapor. Fora, devia estar a mais de trinta. Viva o ar-condicionado! Mesmo que afetasse a minha rinite e me fizesse espirrar muito. Mesmo que deixasse os carpetes úmidos e exalando no ambiente um cheiro de cachorro molhado. Era melhor estar lá dentro do que fora.
Voltei a minha atenção para o trabalho e esqueci da vida.
Passou um tempo e o chefe veio até a minha mesa. Entregou-me um cheque em branco e uma folha com três textos breves. Era coisa particular do patrão. Eu deveria ir às “FOLHAS” mandar publicar aqueles textos nos anúncios classificados. Olhei para ele, dei um sorrisinho amarelo e pensei: “Filho da...! Por que não vai você que é o puxa saco do patrão”?
Peguei a pasta, o cheque, os textos e sai. Na porta do prédio senti aquela sensação de estar entrando em uma fornalha. A cidade derretia, eu também. Mais próximo da Rua Direita que da Praça Antonio Prado, optei pela Direita. Sai da Rua Álvares Penteado e rumei para o Viaduto. Ia resmungando comigo mesmo: “Calçadas deveriam ser rolantes e cobertas”.
Parecia um dia como outro qualquer, mas não foi...
Os quase quarenta anos que me distanciaram do dia 24 de fevereiro de 1972, não me fizeram esquecê-lo. Foi o choque que se transformou em trauma. Jamais havia visto um incêndio de grandes proporções, “ao vivo e a cores”.
A caminho, ‘feliz’ da vida, eu resolvi, por pura pirraça fazer hora. Gazetear um pouco
. Resolvi “frugar” no sebo da Livraria Calil, na Barão de Itapetininga. Fiquei pouco tempo, pois o ar estava abafado, quente e o cheiro dos velhos livros brigava com a minha rinite. Fui embora. Quase onze e meia! Circulei um pouco pela Ipiranga, comi um sanduíche de pernil no Jeca, tomei o resto da Coca-Cola e fui para a São João onde, passando, prestei atenção aos cartazes do Metro. Entrei nas Casas Pirani para confirmar o preço de oferta da vitrola portátil da Phillips. Preço ótimo! Comecei a fazer plano...
Para gastar é preciso ter dinheiro. Então bello, vamos trabalhar! E caminhei em direção da Rua Barão de Limeira.
A sessão de anúncios da Folha parecia a casa da mãe Joana. Muito abafado, muita gente e muito falatório. Espera e espera. De repente, um cheiro – como dizíamos à época – de corno queimado - começou a impregnar o ambiente. O negócio era esperar. Não sairia dali sem ser atendido...
Guardava os comprovantes na minha pasta quando, de repente, um Boy enlouquecido entrou correndo, gritando para todos:
- “Gente! O Andraus está indo prás picas! Está pegando fogo”!
Rimos dele. Só podia ser piada. E a gente não ia cair nessa! Mas o Boy insistia: “Né brincadeira não, cacete”!
Enquanto ele falava, ouvimos o estardalhaço de sirenes e o barulho das inconfundíveis sirenes do Corpo de Bombeiros.
Saí da Folha e vi uma multidão andando apressada pela rua e carros fazendo manobras de retorno. Segui pela Barão de Limeira, esgueirando-me entre as pessoas, em direção à Praça Julio de Mesquita. Olhei para o alto e vi o negrume da fumaça no céu. Sentia um cheiro forte e sufocante de materiais incinerados.
Consegui chegar até a Praça, mas a Barão estava fechada com uma corda de isolamento. Dali eu vi o Andraus sendo consumido pelas chamas. Estalava, enquanto as línguas de fogo que pareciam ter vida própria avançavam para o topo. Ferragens, vidros, reboco despencavam em meio a Av. São João. Uma fumaça densa e negra brigava com as chamas e as duas envolviam o edifício. Uma garoa fina, provocada pelas mangueiras de alta pressão chegava até mim, assim como o bafo quente daquele fogo que devorava o monólito.
Olhando para o alto, vi no topo do edifício um grupo de pessoas. Cai na realidade. Havia vida naquele prédio! Tinha gente dentro dele! Entrei em pânico. Fui tomado por uma vertigem que quase me fez cair. Respirei fundo e tentei sair daquele estado de ansiedade, impotência e desespero. Minha mente desviou o meu olhar fixado no alto e o direcionou para o t
érreo. Vi então que a Pirani não mais existia. Pensei: “Adeus oferta especial da vitrola Phillips”...
Um simples pensamento tão fútil, banal, fez com que eu me recompusesse. Não podia fazer nada para aliviar aquela situação terrível, a não ser rezar.
Fiquei lá, olhando o trabalho magnífico dos bombeiros que, com toda aquela estratégia de salvamento que me parecera nova até para eles mesmos, trabalhavam alheios ao barulho ensurdecedor do helicóptero, que tentava pousar no teto do prédio.
Quanto tempo eu fiquei por lá, vagando, olhando? Quantas horas? Não sei. Sei que foi uma eternidade.
Cheirando a fumaça, coberto de partículas de cinza, voltei ao escritório e de lá fui para a minha casa. Fui pensando na fragilidade da vida humana e nos por quês existenciais... Por que o Andraus, um prédio tão novo?
Os jornais, a TV e o rádio explicaram todos esses por quês. Não fosse o incêndio do Andraus teríamos hoje muitos casos de “morte anunciada”. Mas não foi bem assim. Outra tragédia estava por vir...

Por Wilson Natale

sábado, 26 de fevereiro de 2011

O relogio de 1924

imagens: estaçao ferroviária Mooca; fabrica Crespi destuida durante a revoluçao de 1924; soldados e trens durante a revoluçao de 1924.
O ano era 1924. O bairro, a Mooca. Os moradores, em sua grande maioria, imigrantes italianos; dentre eles, a minha família, composta de meus avós e seus filhos, todos pequenos.

Naquela manhã fria, em plena Revolução que acontecia em São Paulo, meus "nonos" foram acordados com barulho de bombas e correria pelas ruas do bairro.

A proximidade com a estação de trens piorava a situação, pois por ela também desembarcavam soldados que se misturavam à multidão aflita que tentava sair dali.

No desespero, recolheram o que podiam, juntaram as crianças e também foram à estação, de onde partiriam rumo a Campinas, para casa de parentes, até que a situação na cidade de acalmasse.

O tumulto na plataforma era grande e, ao conseguir embarcar todos no trem, que partiria em instantes, deram falta de um dos filhos, minha tia, então com quatro anos. Não conseguiram sair do trem para procurá-la e o trem partiu, com os gritos da "nona" e desespero de todos a bordo.

Parece coisa de filme, mas aconteceu... Algum tempo depois, um funcionário da companhia de trens apareceu naquele vagão, trazendo a menina pela
mão, dizendo que uma pessoa na plataforma a reconheceu e deduziu que meu avô estivesse naquele trem com a família; sem pestanejar atirou-a pela janela para dentro de um dos vagões.

Uma família desesperada num vagão, uma criança chorando em outro... o funcionário os juntou e a viagem acabou bem.

Passado um mês, finda a revolução, o "nono" voltou para ver a situação da casa. Lá chegando, encontrou apenas uma parede de pé, pois a casa tinha sido bombardeada.

O desespero inicial se transformou em esperança ao perceber que nessa parede estava intacto o relógio da família, daqueles com ponteiros em algarismos romanos e badalo, como a dizer que era tempo de recomeçar, algo ainda estava inteiro. Seus ponteiros indicavam que ele havia parado por volta das 4h00, provavelmente quando a granada, que estava no chão, ao lado dessa parede, tinha sido ali detonada.


O reinício de suas vidas se deu no Ipiranga, e o relógio voltou a funcionar, sempre merecendo destaque na nova parede que lhe foi destinada.

Os personagens dessa história faleceram todos, mas o relógio, este está comigo, é destaque na parede de nossa casa, agora na zona leste da capital, funciona muito bem e, dependendo do dia, parece que nos conta essa história em cada badalada.

Por Márcia Sargueiro Calixto

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Bonde Anastácio - Linha 37


imagens: Bonde Anastácio; colégio Campos Salles; chocando o bonde; bonde da Lapa; motorneiro

Meninos, acreditem, eu vivi minha infância e adolescência em uma São Paulo que tinha bondes elétricos! As linhas eram geralmente radiocêntricas, ou seja, convergiam para o centro da cidade. A linha 37 Anastácio era uma exceção, pois partia da Lapa, em direção ao bairro do Anastácio, pelas seguintes ruas: Doze de Outubro, Barão de Jundiaí, Brigadeiro Gavião Peixoto, Laurindo de Brito e João Tibiriçá, até as porteiras da Estrada de Ferro Sorocabana (onde hoje é a estação Domingos de Morais da CPTM).
Era uma linha singela, que em seu trajeto possuía três desvios, para permitir a circulação de mais de um bonde na linha. Na realidade, apenas um bonde percorria a linha, que recebia o reforço de mais um carro no período do pico, à tarde. Esta linha passava em frente à minha casa (Rua Laurindo de Brito) e ao Colégio Campos Salles, onde eu estudava. Era, pois, a condução natural para ir à escola.
Um só bonde na linha? Sem problemas, pois além de manter razoavelmente o horário, ninguém tinha pressa como hoje. Mais um detalhe: o ônibus custava um Cruzeiro e o bonde cinquenta centavos. Todo dia minha mãe me dava um Cruzeiro para poder ir e voltar da escola.
- Mãe: me dá dois Cruzeiros, hoje quero ir e voltar de ônibus.
- Dinheiro não nasce em árvore, ouviu! Tome um Cruzeiro e vá de bonde!
Quem disse que o dinheiro era usado na compra da passagem do bonde? Um Cruzeiro, na hora do recreio, rendia um guaraná; só que eu queria também um chocolate.
E como fazer para ir e voltar da escola de graça? Existiam diversos meios. O melhor deles era fazer um "fundo de reserva" para comprar mensalmente uma caixa de charutos para o cobrador amigo e as viagens saiam de graça para a molecada.
- Ei, cobrador! Aquele moleque ali ó, não colaborou com a vaquinha. É um frescão!
- Moleque safado! Vai logo pagando a passagem que aqui não tem moleza não!
Minha mãe diz ao meu pai:
- Acabo de ver o bonde passar; estava quase vazio, com o cobrador sentado no banco, de pernas cruzadas, fumando charuto! Que ridículo!

Saio de fininha até o fundo do quintal para dar uma gargalhada!
O cobrador amigo não trabalha hoje. É o seu dia de folga! Deu zebra! A solução é dar uma de "Miguel". Você fica no estribo, sempre na posição contrária ao cobrador, e vai circulando para ele não te pegar. A isto se chama "chocar" o bonde. O problema é que certos cobradores detestam "chocadores". Aí, começa um pega pega dentro do bonde e senhoras a bordo põe a boca no trombone contra estes malditos pivetes. Neste caso, se você não tem um trocado extra no bolso, é melhor ir para casa a pé.
Os bancos do bonde são para adultos, meninas e maricas. Moleque que não é marica gosta de viver perigosamente e anda no estribo. Jamais desce no ponto; só desce do bonde andando.
- Mãe, tchau, estou indo para a escola.
- Vou com você; tenho que fazer umas compras na Lapa. Nesse dia o negócio é ir quieto e sentadinho ao lado da mãe. O maldito moleque que você mais detesta está no estribo, do seu lado e diz baixinho:
- Maricas...
- Moleque, ai se te pego no estribo do bonde!
- Eu não ando no estribo, mãe! Os outros, sim, mas eu vou lá dentro, sentadinho!
Grande mentira!
Chegando à escola, você percebe que a porta está cheia de alunos a alunas. No meio deles está aquela super garota de quem você está a fim. Você vai descer do bonde andand
o, só que de costas. Como se faz isso? Coloque-se no estribo, de costas, no sentido contrário ao do bonde e prepare as pernas; uma, bem para frente e a outra, o mais para trás que você conseguir. Salte lançando todo o corpo para frente como se estivesse se jogando no chão e apóie se no primeiro momento somente na perna que estiver à frente. Devido a inércia, o seu corpo tenderá ir para trás, ocasião em que você deverá travá-lo com a perna de trás. É um belo salto em que o figurante fica no lugar e não precisa dar aquela feia corridinha para vencer a inércia, quando salta de frente. A alegria é completa quando você arranca um Oh! de admiração da garota em questão. Conselho de amigo: se você não sentir firmeza não o faça! Pode ser desastroso.
O motorneiro do período da manhã está sempre de cara amarrada. Um dia, de saco cheio de tanta molecagem, pára o bonde e prega o maior sermão. Nós o detestamos. À medida que fomos crescendo, porém, começamos a gostar dele. Percebemos que ele estava preocupado com a segurança da garotada.
A linha era um caco velho. Motorneiro novo metido a corredor era sinônimo de descarrilamento na certa! Não posso jurar, mas creio que a média era de um descarrilamento por semana!
Hoje o motorneiro é o Mário. Legal! Sou amigão dele e posso ficar na cozinha junto com mais um amigo. Já sei, você não sabe o que é cozinha! É o seguinte: o bonde tem duas cozinhas, uma em cada ponta, de onde o motorneiro dirige o bonde.
O Mario é diferente! Dirige no maior pau! Não tem linha ruim para ele. Sabe onde brecar e acelerar nos lugares exatos. Dirige na velocidade máxima possível em cada trecho e tem um orgulho: nunca descarrilou! Por onde andará meu amigo Mário? Gostaria de dar uma cópia desta crônica para ele.
Quando meu filho Sérgio tinha 8 anos, levei-o ao museu da CMTC e lá estava e
m exposição um bonde igualzinho ao da Linha Anastácio. Todo empolgado comecei a contar estas historias a ele. Embasbacado, sem tirar os olhos do jurássico veiculo, exclamou:
- Pai! Você ia à escola com ele? Porque tiraram? Porque você pôde andar nele e eu não? Dei um sorriso amarelo, deixei cair uma gota de lágrima e percebi o quanto eu era feliz e não sabia.

Observação:
- Não participei de todos os episódios aqui contados, mas dos que não participei, eu presenciei. Os mais perigosos eu evitava. Os acidentes mais graves se resumiram a tombos a escoriações, felizmente.

Por Roberto Flugge

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Parabéns, Saidenberg !


Nervos de aço e fígados de alumínio anodizado.

imagens: colégio Santa Cecília; logo do bar Happy Hour no Ibirapuera; Paribar
Bebo muito pouco. Nada errado com meu fígado; o índice Gama GT é bastante baixo. Apenas falta de resistência. Uns nasceram para beber, outros não.
Já contei de meu primeiro porre, coisa inevitável de principiante.
Saíra do Colégio de Aplicação, Rua Gabriel dos Santos, com alguns amigos. Logo ao lado, o belo Cine Santa Cecília. Entre o colégio e o cine, um também inevitável boteco.
Ali, tomei minha primeira cerveja, Brahma ou Antártica, não importa, o efeito foi o mesmo. Saí tonto, mal sentindo as pernas, mas perfeitamente o enjôo. Deitado no apartamento, o teto girava como um helicóptero. Foi o primeiro, não o único, mas tive poucos porres memoráveis.
No ambiente publicitário bebia-se muito, ao menos naqueles tempos. Mas eu só dava umas bicadas, de vez em quando.
Certa vez, no almoço natalino de uma generosa agência carioca, tomei não menos de seis ótimas doses de Buchanan´s, para acompanhar a cavaquinha com champanhe. E, mesmo com isto tudo, cheguei em casa com sono, mas tinha descido muito bem.
Em compensação, velhos amigo e amiga convidaram-me, há poucos anos, para um happy hour, num bar aberto, montado numa praça perto do Ibirapuera. Quando lá cheguei, eles já tinham emborcado algumas doses do escocês. Estavam alegrinhos:
-O Cutty Sark está em promoção, vamos aproveitar! Tomei duas doses, talvez. E comecei a sentir-me mal. Mal sentia os pés tocarem o chão.
- Para mim, chega!
-Vamos à saideira, então! Estupidamente, acompanhei-os nessa.

Quando o valet trouxe meu carro, vi que não estava nada bem.
Mas, já era hora avançada, com pouco trânsito. Guiando cuidadosamente, cheguei incólume em casa. E, ao deitar, novamente o efeito helicóptero, como no bar do colégio, tantas décadas atrás.
E a ressaca, no dia seguinte? Liguei para os dois, e nada. Não tinham sentido nada de mal. - Não é possível, exclamei. Esse Cutty Sark (uma espécie de veleiro) aportou e foi batizado em Puerto Stroessner!
Não tem jeito, alguns têm fígado de alumínio anodizado, eu não.
Como um poderoso chefão, que comandou equipes de criação em várias agências. Trabalhei com ele, algumas vezes. No fim do expediente, sempre chamava uma garrafa de uísque e era capaz de vertê-la sozinho.
Fumava muito, também, e há alguns anos teve sério problema intestinal, sendo
operado no Sírio Libanês. Meu amigo Sylvio, “A Velha Serpente”, com sua verve, disse que ele tinha tido um enfarte anal. Bem feito, quem mandou fazer das tripas coração! Na verdade, o problema devia-se menos ao álcool que ao fumo, vaso constritor. Então, ele diminuiu o cigarro, mas bebendo mais, para compensar.
Bem que eu gostaria de ser como um Hemingway, charmosamente tomando uns drinques na Closerie des Lilas, enquanto escrevia. Ou no Harry´s Bar, em Veneza. Ou em qualquer outro lugar na Europa, naquela época romântica.
Nada feito, mas consola-me ter participado de umas rodadas no saudoso Paribar, da Praça Dom José Gaspar; mesmo sendo poucas as doses, era muita a felicidade de ver desfilar na varanda toda boa São Paulo da época.

Por Luiz Simões Saidenberg

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Quatro boas horas de São Paulo


imagens: Hotel Mercure; teatro Rute Escobar; cantina C que Sabe; Pizzaria Moraes

No último penúltimo encontro das redondas (pois, tenho certeza que não foi e nem será o último) acontecido dia 18/02 próximo passado, do qual eu me fiz presente com a esposa. Hospedado fiquei no Hotel Mercure, que fica situado bem no coração da Paulista, ou seja, na Rua São Carlos do Pinhal quase esquina com a Brigadeiro, e que pertencente à rede Accor de Hotéis. Por ter chegado bem antes do horário do compromisso , que só iria acontecer às 20:00, tive tempo mais que suficiente para andar pela nossa querida, bela e chique Av. Paulista, como também pela Brigadeiro e 13 de Maio.
Notei então, como é gostoso andar pelas ruas de nossa querida São Paulo, recordando lugares no passado percorridos na pressa da juventude, hoje palmilhada na tranquilidade da terceira idade, já aposentado e, graças a Deus, com boa saúde, já que as quatro melhores coisas da vida são: Saúde, Dinheiro, Mulher e Bicho de pé. Pois de nada adiantaria, Saúde,Dinheiro Mulher, e o bicho... deitado.
Mas, deixando o erotismo de lado e voltando ao passado, digo passeio, que foi muito significativo e agradável, andei pela rua dos ingleses e me recordei do Teatro Rute Escobar, passei pela cantina CE QUE SABE, onde em 1989 gravei uma pegadinha para o programa Silvio Santos , em que eu encenei um cantor que falava muito bem e só gaguejava quando cantava, ao contrário do Nelson Gonçalves.
Pude notar que o Velho Bixiga continua lindo com seus Teatros, suas casas notur
nas e seus restaurantes tradicionais. Andando pela Brigadeiro, notei o prédio onde outrora foi um belo cinema e durante alguns anos foi auditório da TV Bandeirantes, e que participei como recente contratado da emissora, ao lado de outros comediantes de um jogral, escrito pelo famoso redator e comediante, Aluisio Silva Araujo, especialmente para esse show inaugural. Esse mesmo palco e auditório foi cenário para inúmeros shows de famosos artistas, inclusive da incrível Ellis Regina (a maior cantora do Brasil depois da Ângela Maria). Notei que o mesmo, hoje em dia, abriga uma igreja pentecostal evangélica.
Bem em frente a esta igreja lá estava o Velho Moraes, onde dali a pouco, às 20:30 h estaríamos reunidos, nós, os amigos do Blog Memórias de Sampa e do simpático site São Paulo Minha Cidade, para mais um encontro dos redondos com as redondas.
Subi a 13 de maio e fui até ao shopping Paulista que eu ainda não conhecia, ou melhor, o prédio já me era bem familiar, pois abrigou a famosa loja da Sears Roebuck, que eu ainda bem jovem achava muito linda, a única que em minha opinião superava o tradicional Mappin.
Depois, de volta ao hotel pela Av. Paulista, pude admirar de passagem, dois ou três casarões ainda restantes nessa nossa simpática e famosa Avenida, como também o festival de antenas que assolam a maioria dos prédios de nossa querida Cidade, fazendo com que todos perce
bam que, apesar das pessoas poucos se comunicarem entre si hoje em dia, estão vivendo em plena era da comunicação; e foi pensando exatamente nisso que resolvi escrever esse texto.
Comunicando a todos que vierem para compromissos em São Paulo, que venham mais cedo e aproveitem um tempinho para passear um pouco em nossa querida Capital, sem pressa olhar de perto seus detalhes, suas lojas seus costumes, pois é muito bom visitar e passear nessa nossa querida cidade.
Tenho certeza que você vai voltar mais feliz para casa, cantando esse canto que eu ouvi ainda bem pequenino e nunca mais esqueci.

Eh, São Paulo. Eh, São Paulo.
São Paulo da garoa,
São Paulo que terra boa.
eh, eh, eh, São Paulo.

Lembre-se que tudo passa nesse mundo.

Por Arthur Miranda (tutu)

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

São Paulo múltipla

Domingo, 23 de janeiro. Saímos de Interlagos, zona Sul de São Paulo. Da janela do automóvel, uma cidade sem trânsito, iluminada por um sol resplandecente. Despudorada a se apresentar aos olhares mal despertados.

A 23 de Maio a ondular-se mais adiante. Serpente prateada antecipando o carnaval.
Da Líbero Badaró, caminhamos até a Rua Álvares Penteado.

No CCBB, Centro Cultural do Banco do Brasil, a exposição Islã- Arte e Civilização.
Aprendemos que a palavra Islã remete a uma cultura, um modo de vida e a uma religião. Que a civilização árabe-islâmica contribuiu de forma relevante para a arte universal. Que no Islã, Deus é único, mas sua criação é múltipla. Fantástica é a evolução da caligrafia. Árabes e muçulmanos criaram letras e estilos surpreendentes. Que a diversidade cultural, tal qual em São Paulo, é fantástica.

Vimos fragmentos de arquitetura, manuscritos, iluminuras, peças de ourivesarias, cerâmicas, mosaicos, mobiliários, tapeçaria, vestuário, armas e muito mais.
Chegamos perto dos valores culturais de uma civilização da qual também somos herdeiros.

Na biblioteca, extasiados leremos trechos do alcorão.
Muito riso e pouco siso na portinha de madeira, do século 19.
Saberemos mais tarde, que não é réplica de mesquita coisa nenhuma e sim, “a porta do casal”. E que mostra a importância da área íntima da casa. Ah, esses árabes das mil e uma noites!

No Museu da Língua Portuguesa, serão quatro horas de total imersão em Fernando Pessoa.
Assistiremos ao filme. Ouviremos música e poesia na Praça da Língua. Aprenderemos que Fernando Pessoa, plural como o universo, tem mais de 73 heterônimos. Veremos que seus personagens desfilam emoções neste palco filosófico. Concordaremos que São Paulo é também tão plural quanto o universo. Saberemos que ele é um poeta que agrada, incomoda e fascina. Comove e inquieta.


Na palestra, enlevados, concordaremos que tudo é símbolo e analogia. Que o futuro pertence àqueles que acreditam na beleza dos seus. Que uma declamação emocionada, entusiasma e motiva.

De noite, entenderemos que o homem necessita de pão e vinho. Empolgados comeremos pizza e entre risadas lembraremos que pensamentos e ações modificam o ambiente.

Entenderemos que, quem ama poesia, viaja no tempo.

Ficará mais claro o que Fernando Pessoa disse: viver não é necessário, o que é necessário é criar.

Sentiremos que a Ordem da Poesia e do Vinho, inspira “mensagem”, amizade e criatividade.

Por: Suely Aparecida Schraner

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Sinalização de horas

imagens: carrilhão da Sé; fábrica Kopenhagen; Usina Traição; colégio Eduardo Prado
Nos anos 1950/60 São Paulo era uma cidade que a população não sabia o que era poluição, principalmente a sonora, isso pelo fato de haver poucos prédios o que estendia o som de qualquer sirene que tocava para bem longe. Até mesmo no centro da cidade a gente ouvia no Anhangabaú o som do relógio do Mosteiro de São Bento, que de hora em hora dava as batidas daquele horário, sempre em hora cheia, ou seja: oito nove ou dez horas.
Também o carrilhão da catedral da Sé era ouvido no Anhangabaú, às seis horas da tarde. Todas as firmas tinham a suas sirenes para a entrada ou saída dos funcionários. O som mais conhecido na zona sul era o da firma de chocolates Kopenhagen, com aquela sirene rouca inconfundível no bairro do Itaim, que se ouvia pela manhã, na hora do almoço e a tarde, na hora da saída.
A sirene da usina da Traição, que fica dentro do Rio Pinheiros, era ouvida pela manhã, dez minutos antes das sete e, em seguida, na hora cheia. Depois, na hora do almoço e às 16 horas, hora da saída. A usina trabalhava 8
horas por dia, em três turnos, ela não podia parar, porque bombeava as águas do Rio Tiete para a represa Bilings, devido à caída das águas era ao contrário e depois das 18 horas a sinere não era acionada.
Mas, o som diferente acontecia pontualmente às 11 horas da manhã. Eram explosões em número de dez, mais ou menos, que vinham da zona oeste do Morro Grande, rodovia Anhanguera. Eram as dinamites que todos os dias explodiam na pedreira para se fabricar pedras britadas para a construção civil ou estatal. Com a pouca poluição sonora, a cidade toda ouvia e nos municípios próximos (hoje a grande São Paulo) os moradores também ouviam. Era comum pessoas enviarem cartas para o rádio, perguntando o porquê daquelas explosões diárias e sempre no mesmo horário.
À noite, 21 horas, a batida do enorme relógio do alto do prédio do colégio Eduardo Prado, Rua Jacurici, próximo a ponte Cidade Jardim, era ouvido no Brooklin quatro quilômetros adiante, às nove horas da noite quando o silêncio era maior. Vivíamos numa outra cidade de São Paulo.
Os sons são chamativos; às seis horas da manhã o meu rádio relógio em cima do criado mudo, com som regulado ao mínimo me desperta com um miado de gato, mas, meia hora
antes, desperto por um rinchado de um portão arrastando e fez com que eu descesse até a sala, pegasse lápis e papel, o que gerou um poema: Meu vizinho.
TODO DIA O BARULHO DO PORTÃO / DA CASA DO MEU VIZINHO, / ERA O DESPERTAR DO MEU SONO. / AQUILO JÁ ERA UMA BELA ROTINA, / QUE MEU OUVIDO GOSTAVA DE OUVIR, / CERTO DIA, ELE (O OUVIDO), / ESTRANHOU... / NÃO OUVIU O BARULHO DO PORTÃO. / NEM O GALO QUE SEMPRE CANTAVA, / NAQUELE DIA, NÃO SE MANIFESTOU. / O SILÊNCIO É SEMPRE UMA COISA ESTRANHA, / QUE ARREPIA E CHAMA MUITO ATENÇÃO. / PELA FALTA DO RINCHAR DE UM PORTÃO, / O QUE DEVERIA ARRUINAR OS TÍMPANOS, / APENAS MUDOU UMA ROTINA.
Hoje temos outro tipo de sons, não são pela noite ou madrugada, mas em meio a muita poluição sonora em pleno calor do dia. Uma Brasília amarela ano 1974, com alto falante em cima, com altos decibéis, tem um homem gritando a todos os pulmões: Pamonha, pamonha, pamonha de Piracicaba. Outro caminhão vagando pelas ruas do bairro, também com um enorme bocal de alto falante tipo, RCA Victor, toca uma música que foi o hino das vitórias de Ayrton Sena na Formula 1, e que hoje não passa do hino do caminhão de gás.
Ele bem que podia tocar num som moderado, uma adaptação da música gravada por Inezita Barroso nos anos 1950: Caminhão de Gás, Caminhão de Gás, quanta raiva você me trás...

Por Mário Lopomo

sábado, 19 de fevereiro de 2011

1ª rodade de redondas 2011 - Pizzaria Moraes


As fotos que tiramos na Moraes, sobre a 1ª rodada de redondas, em 18/02/11 estão aqui:
https://picasaweb.google.com/memoriasdesampa/PizzariaMoraes_180211?authkey=Gv1sRgCKO7gPz7zOO-WQ#
Clique no link acima e visualize

18 de Fevereiro de 2011 foi uma noite memorável. Nessa data foi realizada a 1ª. RODADA DE REDONDAS COM AUTORES REDONDOS OU NÃO de 2011.

Como soe acontecer nessas reuniões, a alegria tomou conta do salão superior da PIZZARIA MORAIS e nós, meros autores, bem como, nossos familiares, intermeando os risos de alegria, pudemos devorar várias redonda deliciosas.

Participaram dessa noitada, os casais Modesto e Myrtes Laruccia, Arthur e Denise Miranda, Luiz e Márcia Saidenberg, Leonello e Jurema Tesser, Miguel Chammas e Sonia Astrauskas, as autoras Margarida Peramezza, Márcia Calixto e sua filha Fernanda, e os autores Roberto Flugge e Mario Lopomo.

Foram muito sentidas as ausências dos autores José Carlos Navarro e esposa, Laer Passerini e esposa, Berenice Rabello e esposo, Bernadete Pedroso de Souza e Alaide Santos que, por motivos imperiosos não puderam se fazer presentes.

Depois de várias redondas, os aniversariantes do mês, na figura dos amigos Modesto Laruccia e Luiz Saidenberg,foram homenageados e apagaram velinhas.

A noite foi maravilhosa e nos deixou, a todos, com um gostinho de ”quero mais”, coisa que deverá acontecer em breve e que será amplamente divulgada.

Por Miguel Chammas

Anos de guerra, anos de paz - 2ª parte

Turma do Braz contra os “coca cola
parte 2

Ano pós-guerra, 1946\47, com meus amigos de infância e juventude, Carrieri,
Teófilo, (falecido), Stoppa (falecido), Nino Dragone, (falecido), Rafael Chiarella, (falecido), Miguel Scarico, (falecido) fundamos Juvenil São Vito, em 1946.
A vida era uma alegria só, jogos só no campo do adversário, no verão era futebol todas as noites no parque D. Pedro II, jogos de rua, (uma-na-mula, palha-ou-chumbo, mãe-da-rua, bola-casinha, bola-queima, pega-pega, cacheta (não era de cartas, punha-se uma caixa de fósforos, de pé, encostada na parede com as moedas em cima e do meio-fio, se arremessava auréolas de aço), carrinhos de rolimã e até “amarelinhas”. Sábados à noite, ir pra “zona”, na Itaboca ou Aymorés, depois pro centro num cinema, comer cachorro-quente no Salada Paulista ou ao Ponto Chic, no largo Paissandu, saborear o maior sucesso da época: BAURU.
Em casa, minhas irmãs, Lita e Maria, pespontavam calçados, Ana Maria, a mais velha, (já falecida), modista formada por escola italiana de modas (ela fez os vestidos de noivas de todas as irmãs, inclusive o da Myrte, uma verdadeira obra-prima de vestido). Quando a necessidade exigia a compra de presentes, minha mãe se encarregava de comprar, pra casamentos, pra futuros genros e futuras noras, ali pertinho, na General Carneiro, nas Joalheria Confiança ou na Casa Pastore, naquela via. Ia pela Rua do Gasômetro, passava pelo Parque D. Pedro II e General Carneiro. Pra ela, um passeio que fazia sempre acompanhada por uma das filhas. Dei, há poucos dias atrás, um alfinete de gravata, pro meu neto, Matheo, de ouro com um rubi, que ela presenteara meu pai, quando noivos. Quando era pra comprar um terno novo, a loja era “Ao Empório Toscano”, durante a guerra mudou o nome pra “A Metropolitana”. Morávamos na rua Alfândega e eu me encarregava de buscar lenha pra nosso fogão, na fábrica de formas de calçados do pai do Rafael, Sr. Giacomo Chiarella, na rua Monsenhor Andrade, “Chiarella e Tabini”.
As temporadas tinham como norte, as festas e quermesses de São Vito. A quermesse era (e ainda é) realizada em frente à paróquia, na Rua Polignano a Mare, (na época, Rua Alvares de Azevedo). Quando ficou decidido se fazer a festa de São Vito num ambiente fechado, com músicas e cantores conhecidos, houve uma pequena cisão, polignaneses tradicionais de um lado e os mais avançados de outro, sem haver ruptura, as procissões continuam até hoje, fogos e prendas nas barracas e na festa “fechada”, com lugares pra sentar em mesas confortáveis, com a já famosa culinária italiana, cuja finalidade é a creche, também continuam.
Corriam os anos de 1946\47, sábado, junho, as noites frias e garoentas, eram aquecidas pela quermesse de São Vito. Toda a barezada escanhoada, com seu melhor terno e gravata, banho tomado (era semanal, no inverno) tentando conquistar as barezinhas, vestidinhos de gala, todas “não me toques”, que se faziam de difíceis, esnobando a todos, dando sempre preferências aos “frastieres” (forasteiros; quem não morava no Braz e não era barês, era um estrangeiro). Hoje, quando vou às festas de São Vito, a grande maioria delas está na tarefa de “
mamas”, na cozinha da festa e me cumprimentam... Agora, eu, heinn? Mas, elas continuam uma simpatia.
Bem, entre estes “estrangeiros”, que nós, os barezinhos abominavam, estava a “coqueluche” das barezinhas, os cadetes da aeronáutica. Nas proximidades da quermesse, mais precisamente, na rua Dr. Almeida Lima, ao lado da estação do Braz, (estação Roosevelt) estava situada a Aeronáutica, onde os cadetes, aproveitando-se da enorme promoção recebida dos americanos, logo após o fim da guerra, alardeavam suas posições diante das garotas, recebendo o apelido de “coca-cola”, refrigerante lançado nessa essa época. O formato da garrafinha era (e ainda é), acinturado, lembrando o corpinho delicado de uma garota. Bobagem mas, na época, equivalia chamar o cara de “viadinho”.
3ª parte.
Descobrindo a quermesse, os cadetes, com suas fardas bege, quepe de lado na cabeça, cabelo com corte “americano”, mocinhos bem apanhados, sem barrigas, com sotaques carioca, mineiro, nordestino e até de paulista (muito difícil), pareciam se impor junto às “nossas” meninas. Em qualquer roda de papo, eles centralizavam as atenções das meninas, explicando alguns detalhes sobre aviação, de onde eram, suas preferências em matéria de música, cinema, teatro e as mais distantes localidades que costumavam ir. Quando as garotas se afastavam, conversavam entre si, as comparações eram, constantemente, com os atores de destaques, na época. “Veja aquele de bigodinho, é o retrato do Errol Flinn... aquele outro, loiro, veja é o Alan Ladd, que coisa linda...” isso foi incomodando a nossa turma, chegamos à conclusão de expulsar os “coca colas”. Naquele mês de junho, eles apareceram em um ou dois fins de semana. Num deles, vi minha irmã junto às outras garotas falando sobre eles.
Reunimos alguns da nossa turma e chegamos à conclusão de que estava havendo invasão em nosso território, e isso era intolerável. Como se nós fossemos os donos da rua, traçamos um plano e colocamos em prática o mais rápido possível. Pegamos dois deles, na calçada do “parafuso” (antiga metalúrgica, cujo prédio existe até hoje e eles não tinham armas). Deixamos bem claro nossas intenções e eles responderam que a rua era publica, eles e
ram cadetes, não iam embora de jeito nenhum. A discussão foi aumentando; eles sinalizavam pros outros colegas, nós, idem, e o quebra pau começou. Eles estavam em dez ou quinze, quando a troca de sopapos pegou no breu, apareceu a turma dos “irmãos mais velhos” (na comunidade, sempre existiu essa divisão na família, um ou dois anos, a mais ou a menos, já não era da mesma turma, mas, não deixava de, num aperto, surgirem pra nos defender) então, foi um verdadeiro massacre. Quem assistia de longe via só os bonés, quepes, camisas rasgadas, fardas em frangalhos, tudo quanto vestiam; parte eles seguraram, outras iam pra cima do telhado da metalúrgica. Alguém chamou a polícia, prenderam alguns que foram soltos no domingo de manhã.
O massacre dos “coca colas”, ficou registrado nos anais da quermesse. Não façam juízo destas ocorrências nos conceitos atuais, aquela época era... aquela época.

Por Modesto Laruccia

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Confiteor


Eu sou Vai-Vai e sou Mangueira.
Prá mim não existem outras Escolas de Samba.

As demais Escolas de São Paulo e do Rio de Janeiro não existem, ou apenas fazem escada para as minhas Escolas do coração.
Estas sempre foram minhas declarações com relação ao Samba e às Escolas de Samba.
Esta semana, todas as minhas convicções, todas as minhas certezas (falsas) ruíram terra abaixo.
Ao assistir, pela TV, a tragédia que se abateu sobre o Rio de Janeiro, ao ver os tufos de fumaça exterminando o carnaval de algumas Escolas que antes eu nem considerava, inclusive a minha mais execrada Portela, e das despercebidas União da Ilha e Grande Rio, percebi que o SAMBA corre em minhas veias e corre com uma força tão grande que não me permite ter que desconsiderar.

Lógico que tenho as minhas preferências e elas continuam sendo fortes e inabaláveis, mas as demais escolas do Rio e de São Paulo passaram a merecer um respeito que antes eu não oferecia.
Estou falando de Escolas de Samba, entendam bem, não mencionei nem vou mencionar as pretensas “escolas” formadas por torcedores futebolísticos. Independente das minhas preferências “clubísticas”, não as considero Escolas de Samba de Raiz; quem sabe um dia, daqui alguns muitos anos, quando o samba falar, realmente, muito mais alto que as cores de um clube de futebol, eu possa reconsiderar a minha opinião. Hoje isso é impossível.
Samba, no meu entender, é um ritmo quente que balança o coração da gente e nos faz tirar os pés do chão.
Mesmo quando só as batidas cadenciadas de um surdão, expressando a dor sentida por uma comunidade, são ouvidas por quem gosta de Samba, um arrepio gelado sobe por toda a nossa coluna vertebral, os braços ficam, inexplicavelmente, arrepiados e os olhos chegam a lacrimejar.

Foi situação assim que, hoje, me fez repensar nas minhas (in) certezas. Assistindo ao programa “Esquenta”, vendo a comunidade da Grande Rio que, embora presente, ainda chorava suas grandes perdas, foi que a ficha caiu.
Amo o samba em todas as suas manifestações e comunidades. Torço, de coração, para que as escolas atingidas pelo desastre possam se reabilitar e voltar, com toda a pujança, para a avenida e presentear o público com a maravilha de espetáculo que só acontece uma vez em cada ano, fortalecendo, dessa maneira, cada vez mais a música de nossas raízes.

Por Miguel Chammas

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Treme treme do Bixiga

Um dia desses, lí em um jornal (no Estadão, se não me engano) que a Rua Paim, na Bela Vista (Bixiga, para os mais antigos), está em processo de transformação, devido aos prédios que estão sendo e vão ser lançados neste ano de 2011 e nos próximos, em substituição aos antigos cortiços e ao famoso treme-treme, que imperou durante todo este tempo, sem nenhum concorrente!
Aí, me vieram algumas lembranças dessa rua: algumas boas e outras nem tanto!
Lá pelos idos de 1957, 1960 (quanto tempo!), eu morava no Bixiga. Mais precisamente no primeiro quarteirão da Rua 13 de Maio (entre a Rua Santo Antonio e a Rua Manoel Dutra) e estudava no Colégio Estadual Professora Marina Cintra, que ficava na esquina da Rua da Consolação com a Rua Antonia de Queiroz (ficava não, porque ele ainda está lá, apenas mudou de nome).
Eu estudava à noite e fazia este percurso todos os dias, a pé, passando por toda a extensão da Paim, cruzando a Praça 14 Bis e subindo a Manoel Dutra; A caminhada era longa, mas não tinha outro jeito!
Um dos colegas de classe, o Zico, morava na Paim e ficamos muito amigos. Estávamos sempre juntos e eu passei a frequentar a casa dele. O pai era o seu Vicente, alfaiate (coisa rara nos dias de hoje), e a mãe dele chamava-se dona Filó; Frequentei tanto tempo a casa dele que ela já me tratava como filho (se preocupava se eu tinha me alimentado, se eu estava bem, etc).
Também nos finais de semana eu ia pra lá, e acabei fazendo outras amizades naquela rua. Era uma turma muito unida: eu, o Zico, o Toninho, o Ameriquinho, o Tico, o Nenê, o Gilberto, o Gasolina, o Aroldo (que casou com nossa professora de português, a Adir) e outros.
Ficávamos reunidos ao lado da casa do Tico, sentados em frente a uma casa antiga, que ficava num nível rebaixado em relação à rua, contando piadas e relembrando as aventuras da semana.
Um pouco mais abaixo, ficava o bar do Seu Zé e da Dona Maria, portugueses, onde também nos reuníamos. Nesse bar, tinha um empregado nordestino chamado Reinaldo e, apesar de sermos menores de idade, de vez em quando eles nos serviam uma bebida chamada Samba, que nada mais era que pinga com coca-cola. Mas, tínhamos que insistir muito e ele servia uma vez só, escondido atrás do balcão, pra não correr risco. Ou, então, íamos pra casa do Tico escutar música, pois ele tinha uma vitrola bonita (um móvel grande) e uma grande coleção de discos. Eram LPs do Johny Mathis, Frank Sinatra, Elvis Presley, etc.
Nos finais de semana, à noite, íamos passear na Rua Agusta, assistir a um filme no Cine Majestic, ou íamos comer pizza na Zi Teresa, que ficava na Consolação, ao lado do Teatro Record; Aliás, onde assistíamos os famosos e memoráveis festivais de música brasileira, que r
evelaram grandes nomes como Geraldo Vandré, Chico Buarque, Caetano Veloso, Jair Rodrigues, Ronnie Von, Edu Lobo, Elis Regina, etc, com músicas que foram grandes sucessos, como Disparada, A Banda, Upa Neguinho, Ponteio, Roda Vida, e muitas outras.
Bem, mas voltemos à Rua Paim. Ali existiam 3 lugares que se tornaram famosos em São Paulo: a Cantina Possilipo (famosa pelos cabritos assados), o Teatro Maria Della Costa e o “Treme-Treme”.
O treme-treme na verdade eram 3 prédios: o 14 Bis, o Demoisele e o Caravele, todos com apartamentos minúsculos: no caso do 14 Bis, os apartamentos não deviam ter mais que 30 m2 (ou até menos). As paredes externas eram muito frágeis, pareciam de papelão. Se alguém fosse empurrado contra elas, corria o risco de despencar lá de cima! Por serem apartamentos pequenos e de baixo custo, passaram a ser habitados por prostitutas, homossexuais, lésbicas, malandros e famílias de baixo poder aquisitivo. Em função disso, as confusões eram constantes: brigas, tráfico de drogas (naquela época, só maconha, já que a cocaína era muito cara e só os bacanas que usavam).
Jogavam muita coisa dos apartamentos para a rua, até botijão de gás chegou a cair lá de cima.
Uma figura que frequentava muito o treme-treme era o Germano Matias, que depois ficou famoso, pois era sambista dos bons. Ele não saía de lá, porque tinha umas meninas no treme-treme. Era o verdadeiro malandro da época: usava chapéu, sapatos e ternos brancos, com calça folgada e de boca estreita, e camiseta colorida. Aliás, naquela época existiam muitos malandros e pouquíssimos bandidos. Você podia andar pela cidade toda, a pé e a qualquer hora da noite, sem se arriscar. Quando muito, podia se envolver numa briga. Mas eram brigas mesmo, de socos, pontapés, cabeçadas e rasteiras, e... sem armas!
Mas, tudo isso acabou! O Tico, coitado, morreu ainda jovem: foi comprar leite no bar do seu Zé e um carro, que descia a rua, perdeu a direção, entrou no bar e matou ele, que estava lá dentro.
A dona Filó também morreu. Encontrei o Zico, filho dela e meu amigo, há pouco tempo num encontro de ex-alunos do Marina Cintra e ele disse que ela sempre perguntava por mim, enquanto era viva. Ficou o remorso, porque eu gostava muito dela!
O Nenê (Reinaldo Sanchez), um grande gozador e piadista, também reencon
trei nessa época. Ele estava morando no Rio, onde era dentista e também escrevia, como hobby; Veio a São Paulo fazer o lançamento de um livro e conversamos bastante. Mas, logo depois ele morreu de repente, de infarto (fiquei sabendo através do Orkut, vejam só!).
O teatro Maria Della Costa fechou! E o Treme-Treme? Será que vão derrubar? Se ele não cair, pelo menos vai perder a hegemonia. As casas antigas e os cortiços estão começando a sumir e outros prédios estão chegando!
Ou seja, a cara da Paim está mudando e vai deixar saudades!

Por Walfrido de Souza

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Pequena crônica de um novo tempo

Esqueça como era, veio a ordem pelas sinapses que não controlo. O apartamento é aquele, mas não é. Os móveis são outros ou, para dizer o mínimo, foram mudados de lugar. Aquele quadro não estava na parede que, por sinal, era amarela. Antes, o botão do elevador levava-me para o segundo; hoje, o andar está acima. Lembro-me de uma varanda, onde eu podia apreciar um trecho da rua, nas tardes frescas ou nas noites quentes. Ficava imaginando o destino daquele senhor que dobrava a esquina, a passeio com o cachorro.
Hoje, vejo daqui da varanda com mais horizonte, como é a esquina depois da curva. E aprecio o senhor com o cachorro, mesmo depois da dobra da esquina. A esperá-lo, uma criança ainda não preparada para o passeio com o cachorro, segurando as mãos de uma senhora. Fazem uma festa, o senhor, a criança, a senhora e o cachorro.
A dobra da esquina não é mais um mistério. Entro no apartamento. Mas, não é igual. O dentro não é igual e o fora, também. Estou tateando nesse novo lugar, como quem anda em silêncio, com as pontas dos pés, para não acordar alguém. Como quem chegou tarde da noite, sorrateiro. Mas, o relógio, em algum canto do apartamento, avisa que uma nova hora está começando. Uma hora nova e uma era nova. O relógio não se preocupou com o silêncio do apartamento e cumpriu seu dever, como um bom e fiel guardião do tempo. Despertou-me por alguns segundos, enquanto badalava sobranceiro e indiferente.
Mas, continuei tateando, por precaução, exagerada talvez, por desconhecer ainda a nova conformação do apartamento, a nova arquitetura do prédio, o novo andar, o novo morador, o porteiro que começou ontem, a visão mais ampla da varanda, os novos quartos, o senhor com o cachorro, a senhora com a criança, os novos botões do elevador que deveriam ser apertados. Como é bom apertar o botão de elevador, pensei. Apertar e sair correndo. Já fiz isso! Já fiz? Não lembro. Mas, se não fiz, outro fará em meu lugar.
Era um aprendizado aquela nova era anunciada pelo relógio em forma de oito, o oito do infinito. Se assim podia ser entendido, era um aprendizado o que eu fazia. E podia assim ser entendido, como um aprendizado, sem dúvida.
Eu, um aprendiz. E por que não? Somos todos aprendizes, mesmo sendo sábios. O sábio virou sábio aprendendo, filosofei. Continuei em silêncio, e assim estava também o relógio, após sua algazarra atrevida de lembrar-me sobre a nova era.
Passei pela sala, pela cozinha, pelo corredor, pelos quartos. Não entrei nos banheiros. Talvez até devesse, por necessidade. Como era diferente. Aquilo não era ali, ali não tinha aquilo. Mas é bonito, pensei. É aconchegante. Há perfumes que não havia antes. Aliás, nunca havia sentido esses perfumes.
Abro um dos quartos e vejo uma mulher. Ela é familiar. É muito bonita. Ela dorme. O perfume também vem dali. Parece que emanado de uma auréola que, como protegendo, pair
a sobre essa mulher. Ela, embora dormindo, tem o sorriso de quem melhorou o mundo. Dorme, na placidez do dever cumprido.
Entro em outro quarto, esse novo, para minha visão. Não havia esse quarto, não havia esses móveis. E essa luz então? Ela é muito forte! E o perfume aumenta, inunda, sem perturbar. Ao revés, inebria. Há uma luz, muito forte e difusa no canto. Ali é a nascente do rio perfumado. Ouso, tateando ainda, aproximar-me. Parece uma criança, um bebe ainda, nascido há pouco. Na verdade, é o que parece. Não há dúvida. Uma tenra criança, um bebê de poucas horas nesse novo mundo.
Vejo a nascente do perfume, aquele que amolece os sentidos e ativa uma emoção difícil de expressar. Parece que o rio da vida nasce ali. Por onde serão seus leitos? Quem serão seus afluentes? Isso não importa, pelo menos agora. Aprisiona meu olhar e minha atenção, nesse momento, a nascente do rio de perfumes. Penso comigo mesmo. Consigo refletir... E concluo: "Nada será como antes!"
(em homenagem ao Frederico, vindo ao mundo exterior em 10 de fevereiro de 2011, às 12:13, no Hospital São Luiz - SP/SP, com 3.270 Kg. e 48 cm)

Por Gentil Gimenez - avô

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Tá despedido!

Tá despedido !

Todo dia acontece. Se não é no Brasil, é nos EUA, na China, no Japão, na Alemanha.

Demissão ficou mais comum que nascimento. Parece até que tem gente que já nasce demitida. E não tem choro; a crise corre solta pelo mundo, mais mortífera que o vírus H1N1. É a "marolinha", na verdade um Tsunami, do qual ninguém escapa.

Dito assim, parece comum; é comum. Notícias de demissões maciças chegam todos os dias e não comovem mais muita gente. Mas, quando a coisa é pessoal, é que sent
imos a dor da situação, da qual ninguém está livre.

Comigo foi por duas vezes. Em 36 anos de publicitário, pode-se considerar muito pouco. E pior, na mesma grande empresa, onde trabalhei em três ocasiões. Ah, desculpem, houve uma terceira e última vez. Mas, esta não vale: eu fazia bico numa agenciazinha, enquanto esperava que vencesse o prazo para ser demitido da grande agência.

É que faltavam 15 meses para minha aposentadoria; não podiam me dispensar, para não complicar o processo. É (ou era) ilegal. Tiver

am, então, de se conformar comigo, recebendo ali e também na outra agência, a pequenina. Na multinacional eu não tinha mais condições de trabalho. Quando o prazo enfim venceu e fui demitido da grande, também, e quase ao mesmo tempo, o fui da pequena.


Estranho? Pois vocês ainda não viram nada. Costumam ser estranhas as demissões em publicidade, ou costumavam. Hoje devem ser bem mais normais
e corriqueiras. Na ALMAP, então na Praça da República (naquele tempo as grandes agências ficavam, quase todas, pelo belo Centro de São Paulo), de três em três meses chamavam uma fila de colegas. Desciam ao andar de baixo e nunca mais eram vistos.

Todo mundo ficava de orelha em pé, mas não seria ali que chegaria minha hora. Numa sofisticada agência dos Jardins, os sócios eram tão esnobes que não davam nenhuma explicação aos demitidos.

Um deles, redator inconformado, teimou em obter satisfações com um dos sócios. O elegantíssimo patrão mandou-o esperar. Foi ao banheiro da sala, demorou um tempão, e, simbolicamente, deu a descarga.

Aí se dignou a perguntar ao demitido: - Diga uma coisa; você sabe dançar?

-Não, respondeu o infeliz.

-Ah, é por isto então que foi dispensado!

Esta mesma agência conheceu um tipo mais revoltado, temido por seus atos insensatos.Quando ele soube que seria demitido, não teve dúvidas: trouxe um revólver e colocou-o bem em cima de sua mesa. Trabalhou ali por mais uns bons meses, pois ninguém ousava comunicar-lhe a má notícia.

As demissões, justas, e mais comumente injustas...


Uma de que soube recentemente foi a de uma ex- colega, redatora incompetente, bajuladora, lobista e arrogante, que se valia de sua beleza para se promover e sabotar os colegas. Assim, subiu a altos cargos de direção, mas por outro lado o tempo derrubava-lhe as papadas e celulites. Com a decadência do que era seu maior atributo, chegou sua vez de ser defenestrada.

Quando meu amigo contou isto, declarei: - não sei, nem quero saber porque aconteceu. Seja como for, foi por JUSTA CAUSA!

Por Luiz Simões Saidenberg

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O crioléu paulistano

Lá, pela metade dos anos 60, meu tio Mário contou-me o significado da palavra. Eu morri de rir. E ri, não pela palavra, mas, pelo efeito catastrófico que ela iria causar nas pessoas, principalmente nas preconceituosas, quando eu começasse a falar... E falei. Uns não acreditaram, outros diziam que era invenção minha. Outros, então, acharam que eu delirava. E eu lhes disse: Está lá no Dicionário! Leiam.
Dezembro de 1969. Depois do cinema, joguei conversa fora com os amigos e mandei ver umas cervejas, lá no Jeca. Olhei o relógio e o mundo desabou. Quinze para a meia-noite. Eu havia bebido todo o dinheiro para o táxi. O jeito era correr e tentar pegar o último ônibus para a Mooca. Dei um “bye-bye” geral e segui apressado pela Avenida Ipiranga, entrei na Rua Barão de Itapetinga e comecei
a correr, em direção à Praça Clovis Bevilácqua, rumo ao ponto do ônibus. Dei sorte! O “busão” estava estacionado. E, como era o último, o motorista sempre dava um desconto de uns dez minutos, esperando pelos passageiros retardatários que trabalhavam no Mappin, Mesbla e Light.
Lá estava o motorista sentado à direção, lendo o “Notícias Populares”. Esbaforido, entro no ônibus, pago, passo a roleta e vou para frente, me sentar. Naquele tempo entrava-se pela porta de trás do coletivo e descia-se pela porta da frente.
Entra um homem negro. Paga, passa roleta e esquece de pegar o troco.


O cobrador grita: “Olha aí o teu troco, crioulo”!
O homem volta, pega o troco e diz ao cobrador: “Crioulo é a P... q... o p... Seu ignorante”!
Senta-se ao meu lado e indignado fala alto, olhando para mim e ao redor: “Que cobrador mais grosseiro! Chamando-me Crioulo”! Os passageiros concordaram com ele.
Eu, na maior calma digo: “Não se ofenda meu amigo. Neste país, só os índios não são crioulos”!
Confusão geral. Os passageiros pareciam ter enlouquecido: Como? Como assim? Como é que éééé?! Você bebeu demais, meu?... Explica isso daí, di-rei-ti-nho!
E eu fui explicando:
Crioulo é todo o indivíduo filho de estrangeiros, que nascem no país para onde seus pais imigraram. Crioulos eram os filhos de portugueses que aqui nasceram no tempo da colonização do Brasil. Crioulos são todos os filhos dos imigrantes que vieram para o Brasil.
E crioulos são todos os filhos dos africanos que foram trazidos ao Brasil!
Ser crioulo não é privilégio ou estigma. É uma constatação. Denominação comum a todos aqueles de origem estrangeira que nasceram aqui ou em outras pátrias.
Portanto, neste Brasil, só os índios não são crioulos. Pois, como seus antepassados, nascem, vivem e morrem aqui.
Os passageiros, alguns estavam com cara de incréu; outros, estavam confusos dia
nte dessa verdade revelada. Pareciam precisar de algum tempo para digerir aquilo que eu havia dito.
O tempo foi muito pouco. Logo começaram os risos e as piadinhas. Alguns começam a aceitar a verdade:
“Ay caracoles! Entonces que yo soy criollo!”
“Ora, pois, pois! Então sou um crioulo... Não é que nunca me contaram”.
E eu, rindo, falo bem alto:
“Crioulo sono anche io”!
Gargalhada geral.
O motorista nos diz que era português (disse como fosse novidade um português ser motorista dos ônibus da Mooca. As empresas do bairro pareciam um cabide de empregos ultramarino).
Dizia-nos o motorista:
“Eu é que não sou crioulo! Vim de Portugal há vinte anos. Aqui me casei e tive filhos...”
Eu corto a frase do motorista e digo no sotaque lusitano: “Com certeza não és crioulo, mas crioulos são os teus filhos”.
Ri e todos riram. E todos, se sentido crioulos, riram de si mesmos.
O motorista, então, dobra o jornal e o guarda. Dá a partida no ônibus e nos diz entre risos: “Ai, meu Jesus! Hoje eu descobri que sou pai de três crioulinhos! Quem haveria de dizer, meu Deus”! “Então crioulada. Prontos para irem para casa”?.
A gargalhada foi geral.

Por Wilson Natal