domingo, 21 de novembro de 2010

Uma viagem ao Parque Trianon

Um dos melhores períodos de minha vida adulta foi quando morei na Rua Ministro Rocha Azevedo, num belo e confortável apartamento, de onde, por um lado se descortinava toda a zona sul da cidade, que se confundia, ao longe, com as montanhas da Serra do Mar e, do outro, a Avenida Paulista e, mais à direita, as árvores do Parque Trianon. Foi um período de vacas gordas, em que eu ganhava salário de marajá e ainda ostentava o frescor dos meus trinta anos e a solteirice que me transformava num bom partido, bastante requisitado e disputado.

Parque Trianon – ponte sobre a Alameda Santos


Como nunca antes, na história da minha vida, quis aprender a dirigir, não possuía automóvel, o que me outorgava a possibilidade de caminhar pelos arredores. Na época, eu trabalhava na Alameda Santos e ia, portanto, a pé para o trabalho. Quando precisava deslocar-me para outros lugares, a empresa me concedia o direito a um carro com motorista. Então, posso dizer que conheço a Avenida Paulista e arredores como a palma das minhas mãos, já que durante anos perambulei por ali a pé. Naquela época andava-se pela nossa cidade sem medo, de dia ou de noite. Teatros, cinemas, bares, restaurantes, casas noturnas (ah, a saudosa Oba-Oba, do Sargenteli, na Paulista, ou o Cartola, na Brigadeiro!) e até boas lojas era o que não faltava no eixo da Paulista, permitindo que vivêssemos por ali sem necessidade de procurarmos outros locais.


Parque Trianon – bancos em seu interior

Tinha também o Parque Trianon! E a, apenas, uma quadra do meu apartamento! Pedacinho de mata atlântica incrustrado na Avenida Paulista. Nos finais de semana, quando não viajava, costumava pegar o meu jornal e ir lê-lo, tranquilamente, sob a refrescante sombra das árvores do Trianon. Por ali corriam crianças, protegidas pelas mães ou babás, que conversavam animadamente enquanto os pequenos brincavam a salvo da violência que, hoje, nos colocou, no papel de prisioneiros em nossas casas. O parque, limpo e bem cuidado, com discreto policiamento, mais no sentido de impedir a permanência de vadios e mendigos, do que de prevenir atos agressivos, quase inexistentes por ali – naquela época.


Belvedere Trianon, sobre o Túnel 9 de julho

O Parque Trianon foi inaugurado em 1892 com a abertura da Paulista. Mesmo mantendo a exuberancia tropical, foi desenhado como os jardins ingleses e suas alamedas sinuosas. Em 1916 foi construido o Belvedere, em frente ao parque, que acabou demolido em 1957 para dar lugar ao MASP. Nessa época, Burle Max deu-lhe a aparência atual. Em seu interior, além da única reserva remanescente de mata atlântica, possui belas esculturas, como o Fauno de Brecheret, chafarizes, locais de recreação infantil, um viveiro de aves e sanitários públicos, sendo o
único refúgio natural de lazer e descanso bem no centro da agitação da Paulista.
Ah! Essa saudade gostosa que, no outono de nossas vidas, nos acalenta trazendo lembranças de outros tempos, de outras pessoas, algumas já do outro lado desta nossa vida transitória! Essa saudade gostosa que nos leva a passear pelos locais que nos acolheram em nosso passado que se torna quase nosso presente durante essas viagens de recordação e até mesmo de reconciliação! Se pensarmos bem, muitas vezes, sentindo-nos poderosos e invencíveis, não dávamos aos atos e acontecimentos todo o valor que lhes damos quando ressurgem em nossas lembranças. Mas também essa aparente inconsequência da juventude foi importante na formação dos seres que somos hoje, ajudando-nos com os erros e acertos, a adquirirmos a experiência que hoje nos permite essas deliciosas viagens ao passado.

Parque Trianon – Aretusa, escultura de Francisco Leopoldo da Silva

E algumas vezes, os lugares recordados, como é o caso do Parque Trianon, continuam lá, à espera de nova visita, prontos para nos acolher e embalar nossas viagens de boas lembranças.
Em minha próxima ida a São Paulo, procurarei não deixar de reservar um tempinho para, como em outros tempos, sentar-me nos bancos do Trianon e ficar por ali, usufruindo aquela mata verde, a tranquilidade das tortuosas alamedas, a alegria das crianças que, creio, ainda brincam por ali.
Sei que, nesse dia, estarei retornando no tempo uns trinta anos e vendo, praticamente as mesmas coisas, com o olhar mais experiente e os sentimentos embalados pela saudade.


Por Zeca Paes Guedes

9 comentários:

MLopomo disse...

A primeira vez que fui ao parque Trianon, foi de passagem quando das festividades do IV Centenário da Cidade de São Paulo. Tínhamos ido eu, meu pai e meu irmão ao Pacaembu, numa grande festa do Circo a São Paulo. Foram mais de 3 horas de festa no estádio naquele domingo de Julho do ano da graça da cidade de São Paulo. Na volta a pé passando pela Avenida Paulista paramos no Parque do Trianon. Estava um sol causticante no chamado veranico do inverno, mas a gostosa sombra que você tão bem falou nos fez bem para revitalizar o complemento da volta para casa. Muitas crianças brincando um belo Playground. Cada vez que leio algo referente ao Parque do Trianon me lembro daquele dia.

Soninha disse...

Ah, Zeca, querido amigo!
Que ótimo falar sobre o Trianon, verdadeiro oásis no meio de Sampa.
Com todo o barulho da Av. Paulista, o Trianon consegue nos fazer sentir tranquilos, encontrar momentos de silêncio, sentir o aroma das árvores, ouvir pássaros, como se estivéssemos no campo.
É uma benção para os paulistanos.
Adorei seu ensaio e seu trabalho de pesquisa.
Obrigada.
Muita paz!

Miguel S. G. Chammas disse...

Zecamigaço, cresci às sobras das frondosas arvores do Parque Trianom procurando e, quase sempre encontrando o Preguiça que ali habitava. Anos depois namorei muiiiiiito nos escurinhos do Parque querido.
Hoje,ainda, de quando em vez, vou lá para matar minhas saudosas lembramças.
Obrigado por esse momento de ternura proporcionado por teu texto.

Luiz Saidenberg disse...

Caro Zeca, ótimo texto. Como sempre! Sou suspeito para falar do Trianon, fascinação que me persegue desde os tempos em que, adolescente, tomava o bonde Angélica e, quando este virava na Paulista, assistia deslumbrado o desfile de mansões. O passeio tinha sua culminância no Parque, na época dotado de bela pérgola: colunas gregas que ocupavam boa parte da frente- onde hoje se acha uma feirinha d e artesanato. Em cada extremidade da colunata havia um templinho, e nele, as estátuas de ninfas nuas Aretuza e Nostalgia. Aretuza caminhou para dentro do parque, mas a pobre Nostalgia exibe suas partes pudendas em plena via pública, numa triste pracinha defronte ao Jockey, como escrevi em "Quatro Damas na Praça, Três Vestidas e Uma Nua".
Abraços.

Wilson Natale disse...

Zeca: Textos são como retratos que tiramos. Fica como lembrança, tal qual velhas fortografias amarelecidas pelo tempo. E sua fotografia é linda!
A minha fotografia remonta a uma Av. Paulista com ilhas e os trilhos de bondes que já haviam sido desativados. Mostra uns restos do Belvedere mal escondidos sob os tapumes e um Trianon que ainda não havia perdido parte do seu terreno para a Av. Paulista. E a ponte sobre a Alameda Santos era de madeira, mais adequada ao parque. E à entrada, o Bandeirante imperava. O Fauno magnético, fazia com que eu permanecesse muito tempo a admirá-lo. Aretusa, então, levava-me a um mundo mitológico. A "piccola fontana" jorrava água constantemente. E o bebedouro, com a cara de cão triste, velho sabujo a verter água.Alamedas ladeadas por árvores frondosas, perfumes das flores e, à noite ouvia-se o pío das corujas e o farfalhar das asas de morcegos insetívoros. O parque sem grades, com vigilantes 24 horas por dia e a vida mais simples namorava naqueles velhos bancos até as dez horas da noite.
A tua e a minha fotografia de um Trianon que existe, mas em essência desapareceu.
Abração,

Mô disse...

Zeca, o retrato da área focalizada neste seu soberbo texto, é, pra mim, um vídeo do que vi e vivi em priscas eras. Não lembro só dos trilhos de bonde, lembro dos bondes, do belvedere, de tudo que encantava a Paulista. Sua impecável escrita é um ótimo aperitivo pra quem quer degustar o resto da cidade. Parabéns, Zeca.

Arthur Miranda disse...

Zeca, Seu texto é uma linda fotografia do Velho Trianon, e me trouxe muitas saudades da Paulista das mansões, e um monte de gente de chapeus paletós e gravatas. Uma época muito chic. Parabéns .

Nelson de Assis disse...

O Trianon, me oferecia toda a atmosfera de paz e tranquilidade de uma São Paulo agitada e confusa. Seus dias de verão eram recheados de novidades a cada árvore de frondosa ramagem, com as preguiças em estático movimento e eterna mansidão.
Espero que, nestes loucos dias de
gratuitas violências, o eterno Trianon ainda preserve e conserve o seu cenário original.
Abraços

Sra. Eli disse...

Olá, o Trianon (Belvedere) foi demolido em 1953.