domingo, 28 de novembro de 2010

“Eleganza” (Elegância) – 1936

O vanitas vanitates! Et omnia vanitas...

Eu tenho um álbum de retratos muito especial. Nele coloquei as fotos de família que eu mais gosto. Hoje, revendo estas fotos, detive-me nesta (publicada aqui), do meu pai com seus 20 anos de idade... Ó vaidade das vaidades! E toda a vaidade exposta na juventude do meu pai.
E lá vou eu, perdendo-me da realidade. Viajando a um tempo em que não vivi, mas que existiu antes de mim. Existiu para o “mio babbo”...
Meu pai era vaidoso! E elegante! Vestia-se com apuro e sempre cuidou da aparência. Até o fim de sua vida foi assim. Quando partiu para sempre foi usando o terno que mais gostava.
Papai estava adequado ao seu tempo. Fruto dos anos 30, não poderia ser de outra maneira...

Aqueles anos 30:
Era tabu ir ao centro da cidade com terno e chapéu. Não se andava pelo “Triângulo” (Rua Direita, Rua de São Bento e Rua XV de Novembro) em mangas de camisa. Fazer isso era ser confundido com carregadores e contínuos. Homens com o botão do colarinho aberto e exibindo os suspensórios seriam rotulados de donos de botequim ou de pensão, e, os que saíam às ruas em camisa, com gravata, exibindo os suspensórios e as “ligas” nas mangas, seriam taxados de donos de pequenos comércios, ou pior: gerentes “daqueles hotéis suspeitos”...

Um homem, em dia de calor, poderia tirar o paletó e carregá-lo no braço. Mas, jamais poderia tirar a gravata e desabotoar o colarinho. O chapéu só era tirado quando era preciso estancar o suor da testa.
Usava-se também o “traje passeio”, terno branco, ou em cores claras, sapatos “mocassins”, gravatas coloridas e chapéus Panamá ou de palhinha.
Podia-se ir à “Cidade” em “traje esportivo”: Blazer com calça branca e sapatos com solado de látex; ou jaqueta de gabardine com calça branca ou xadrez e sapatos do tipo “golf”. Em ambos os casos, cobria-se a cabeça com
os “Bonêts” (Bonés) de lã ou outro tecido grosso, em cores ou em xadrez.
Para ir aos teatros, cinemas ou restaurantes vestia-se o “traje social” T
erno preto, ou outras cores de tons escuros. Não se abria mão do uso das abotoaduras, do prendedor de gravatas, ou o alfinete. Este era também o traje para os bailes, para os “cabarets” e para o cassino que funcionava na Rua 24 de Maio.
Para os dias de gala, usava-se o “frack” e “top-hat” (Cartola). Ir ao Theatro Municipal, além de muito dinheiro, exigia o uso de “Smoking” e meia-cartola (“top-hat” mais baixo).
Estes foram os tempos de juventude do meu pai.
E aí está o “mio babbo”, nesta foto (acima) tirada por um “lambe-lambe”, nos jardins do Museu Paulista, em 1936. Está aí, “em cima da moda” – como se dizia. “Lindão e na estica” – como se diz hoje...
Cabelo repartido no meio, todo “glostorado”; rosto escanhoado, bigode fino moldado à navalha e com os óculos de grau, aro de tartaruga, escondido no bolso interno do paletó.
O terno (com colete) - último grito da moda – foi feito sob medida pelo Seu Nunes, alfaiate da Avenida Celso Garcia, em albene marrom-claro. Paletó levemente acinturado (sim, porque paletó acinturado mesmo, era coisa de “maricón”) gola larga e ombros estruturados. A calça acinturada e com três pregas, boca-larga e barra dupla voltada para fora. A camisa era de linho. Na mão, um chapéu Prada. Nos pés, um par de sapatos fantasia, nas cores branco e marrom-café, com salto carrapeta feito por ele mesmo na Clark, No pescoço, a gravata bordô presa pelo prendedor de gravata.
Papai estava triste nesta foto. O irmão dele mais velho, o meu tio
Fillippo, morrera havia duas semanas. O luto do meu pai se revela na tarja preta que traz na lapela e no lenço preto cuidadosamente dobrado que traz no bolsinho do paletó.
Setenta e quatro anos depois dessa foto as vaidades são outras...
Preciso ir ao Centro Histórico, depois tenho de ir à Faria Lima, na volta devo parar na Paulista.Visto uma camiseta, uma bermuda, meias nos pés e calço o tênis. Pronto. Pegar o celular, a máquina digital e sair. Ah! Estou esquecendo a mochila!
E lá vou eu confortável, lindão, numa boa e na moda, cuidar da minha vida. E, se der tempo, ainda pego um cineminha e faço um rápido fim de noite na Livraria Cultura...
O vanitas vanitates!

Por Wilson Natale

21 comentários:

Luiz Saidenberg disse...

Belo texto, Wilson. Essa era mesmo a época de nossos pais, e que nos respingou ainda um pouco. Quando tcomecei a trabalhar em publicidade, anos 60, paletó e gravata eram de praxe. Fazia o terno- naquela época era já duo- em alfaiates, que eram muitos então. Alguns anos depois, passei à Criação em Propaganda, e os hábitos , tb. na área dos costumes, se abrandaram. Veio a época dos
Beatles, a música pop, dos hippies, do amor e da flor...nunca mais a humanidade seria a mesma. Abraços.

Miguel S. G. Chammas disse...

Realmente Wilson, a elegância dos homens naqueles idos era impecável.
Me lembro bem que nos anos 40 na Rua Augusta, os homens trajavam roupas identicas as descritas por você.
Ah! Meu pai "tinhamos" nos anos 50 um terno (duo) de linho cru, 1 terno (duo) de albene roseado e 1 terno (duo) de linho branco. Eu, assanhado e ousado usava-os sempre que podia por isso o "tinhamos" lá em cima.
Eu assim vestido me sentia o ó do borogodó!

Soninha disse...

Olá, Wilson!

Sou da geração Baby Boomer...
Da época da revolução de 64, quando eu era ainda menina de 8 anos...
Minha adolescência foi da época das calças Lee e Levis...
Mas, meu amado pai e meu amado avô, sempre nos diziam sobre a elegânciade seu tempo...dos ternos, dos chapéus...
Minha mãe também nos falava e nos mostrava fotos,onde as mulheres não saíam às ruas sem seus chapéus e suas luvas, bolsas combinando com os sapatos, vestidos maravilhosos...Os homens igualmente trajados com o rigor que a moda da época lhes impunha...
Bons tempos, com certeza. Mas, os tempos de hoje nos deixam mais a vontade. Cada um se veste da forma que lhe convém ou que lhe seja mais confortável. Ótimo, né?!
Hoje em dia eu não sigo a moda...a moda, se quiser, que me siga...rss
Gostei de seu texto.
Valeu!
Obrigada.
Muita paz!

suely disse...

Essa estica toda em uma São Paulo que era fria e imitava a moda europeia. Mas como dizem por aí, elegância é adequação e sensibilidade. Então ficamos assim. Parabéns pelo texto, Natale!

Arthur Miranda disse...

Belo texto Natale, que nos trás de volta uma bela época quando tanto o homem como a mulher eram bem mais elegantes que nos dias de hoje.
Porem, mesmo reconhecendo charme da elegância de outrora, prefiro a liberdade de hoje em dia, a mini-saia, a bermuda, os decotes a camisa esporte, os blusões. e o Jens, que já foi calça Faroeste.
E cá entre nós a boca pequena e sem que nenhum saudosista nos ouça... Ainda bem que os tempos são outros

Laruccia disse...

Natale, lembro que meu sonho, de jovem era ter um chapeu (Ramenzoni, mesma marca do seu pai..., imagine se ele iria usar um chapeu Prado, vc está enganado, se vê, perfeitamente o modelo...)e uma bengala. Agora vou ter que usar uma bengala e um chapeu de feltro, quando faz muito frio. Esperança é a última que morre... meu sonho vai se realizar, depois de 70 anos.
Seu texto é de uma elegância incontestável. Meus efuzivos cumprimentos, Wilson. A plebe se curva diante de um bardo, tardio porém, nobre. (scuzati lo scherzo, ragazzi, auguri)
Laruccia

Wilson Natale disse...

Saidenberg: Eu já entro no ciclo de: "Voce precisa de uma roupa nova, Lojas Garbo tem"!... E tinha! "Para homens, rapazes, meninos, nos mais modernos figurinos". Depois passei pela Exposição Clipper e pela Ducal, que me oferecia um terno com duas calças.
E - vaidade - Ainda comprava tecidos na R.Monteiro e na Eron e mandava ao alfaiate para fazer calças e camisas.
Tudo mudou através das décadas, mas a vaidade continua.

Wilson Natale disse...

Miguel: Meu tio Amedeo tinha um terno de albene rosado, como esse qie você descreve. E tinha também um terno de lã inglesa em xadrez píncipe de gales. O bom das décadas de 30 e 40 é que a moda não passava tão rápido.E pouco mudava. E, quando mudava, era só ir até o alfaiate e fazer uma pequena reforma nos ternos. E o bom das décadas de 30 a 60 era que as roupas tinham tecido suficiente para alargar o manequim. Hoje em dia, engordou um pouqinho, a roupa se perde.

Wilson Natale disse...

Soninha: Os tempos são outros. Não existe mais os "rigores" da moda. Mas a vaidade, essa continua. Tanto que nos dias de hoje muita gente, muita mesmo se recusa a usar roupas que não tenham grife.
E hoje, com certeza, tudo é muito melhor com relação à moda. Mas hoje a moda passa tão rápido... E haja cartões de crédito.

Wilson Natale disse...

Suely: Continuamos ainda a receber a moda do exterior.E vamos adquando. Armani impera. E, felzmente não há mais os rigores ditstoriais.A moda diversificou, mas a vaidade das vaidades continua a todo o vapor.E por causa da vaidade, muitas vezes vestimos o nosso corpo com roupas inadequadas para ficarmos na moda...Será? Eu, pessoalmente, me recuso a usar ternos. Gosto dessa moda chamada "das ruas" - e que é a verdadeira moda. E a uso, confesso, mas com ua certa vaidade.
Abração,

Wilson Natale disse...

Arthur: No texto retratei a moda da Paulicéia nos anos 30. No final dele, retratei a moda do meu cotidiano e da maioria dessa Paulicéia atual. Mas a idéia principal do texto é mostrar que, seja a época que for é a VAIDADE que alavanca a MODA.
Os anos 60 modificaram a moda, quebraram os tabús, mas a vaidade continua intacta - nos anos 60, até hoje e, creio, até sempre.

Wilson Natale disse...

Laruccia: Não me enganei, não. O chapeu do meu pai era mesmo um PRADA, com selinho de Milão, da mesma Prada que fabrica também os sapatos e os artigos de couro para homens e mulheres.E, meu pai dizia, que o Ramenzoni era caríssimo. Entao comprava-se um Prada ou um Brunetto que eram mais barato.A sessão de chapéus da Prada fechou nos anos 60.
Bai tanti e tanti belle cose!

Luiz Saidenberg disse...

Cheguei a ter um terno de tropical inglês, azul real, sob medida. Imbecil, fui convencido a dar a um parente de minha ex. Proválvemente, como nem a moda clássica mudou tanto, nem minha cintura aumentou, eu poderia usá-lo ainda hoje. Abraços.

Zeca disse...

Natale,
sua bela crônica levou-me de novo aos anos 50 onde eu, ainda menino, admirava o meu pai sempre muito bem vestido em seus ternos feitos pelo "seu" Edson, que ainda fez meus primeiros ternos já na década de 70, quando comecei a trabalhar em multinacionais e essa era a única roupa aceitável. Mas ao longo da minha vida profissional, também fui cliente da Garbo e da Ducal, além da R.Monteiro, onde comprava cortes de tecidos tanto para as camisas, quanto para alguns ternos especiais ou calças "esporte". Hoje nem sei se ainda se fazem roupas em alfaiates... e como morador do litoral há tantos anos, só tenho bermudas e camisetas em meu guarda-roupas, evitando ao máximo o uso de calças, mesmo que seja as de jeans.
Bela crônica, parabéns!
Abraço.

Wilson Natale disse...

Zeca: Aqui em Sampa eu faço o mesmo que você. Primeira opção. Bermuda e camiseta. Segunda opção, bermuda e camiseta... (risos)
E os alfaiates ainda existem, porém são poucos. Nos anos 10, 20 e 30, em S.Paulo, alfaiataria era igual ao boteqim: Tinha uma em cada esquina do Centro.
Abração

Nelson de Assis disse...

Natale. Os sapatos bicolores (preto e branco/marron e branco), tinham o apelido de 'espanta-vaca'. Por quê, eu não sei explicar. A elegância se completava com camisas de gabardine com colarinhos de dura entertela e punhos duplos do igual tecido, muitas vezes engomados para adquirirem maior dureza. Havia ainda as 'polâinas' que cobriam os calcados, além das famosas 'galochas', psra os dias de chuva. Prada e Ramenzoni, rivalizam-se até os dias de hoje, Cada um com seu estilo. Excelente narrativa. Uma aula de costumes e elegância do velhos tempos.
Forte abraço

Wilson Natale disse...

Valeu, Nelson. A moda masculina era uma lindeza e uma loucura.Meus tios mais velhos falavam da loucura que era usar ligas para meias e comprar punhos e golas sobressalentes; meu avô, pai e tios exigiam que as cuecas samba-cançao folssem levemente engomadas, passadas e que tivessem um vinco perfeito, como o vinco das calças (risos). E eu ainda sou do tempo em que se usava barbatanas no colarinho da camisa (putz! Não conta prá ninguém!)
Abração

MLopomo disse...

O meu primeiro terno comprei no dia 28 de junho de 1958, na loja Garbo da Rua XV de Novembro. De tanto ouvir no radio a propaganda: Você precisa de uma roupa nova, lojas Garbo tem a roupa que lhe fica bem. Para homens rapazes e meninos. O mais moderno figurino. Você precisa de uma roupa nova, lojas Garbo tem a roupa que lhe fica bem, muito bem! Tal extravagância foi para ir ao casamento dos meus amigos da Vila Olímpia. Neide e Moises, até então eu me vestia como um Jacu, mas nesse dia me senti um Lorde, de camisa branca, paletó e gravata, no festão na casa dos pais da noiva na Rua Ribeirão Claro. Era a véspera do jogo final da copa do mundo que o Brasil ia ganhar da Suécia por 5 x 2.

Wilson Natale disse...

Lopomo: Em 58 eu tinha 10 anos. E me sentia no maior sufoco e ansiedade, torcendo para o Brasil. Ainda bem que o casamento do seu amigo foi na véspera! Já pensou se fosse no dia? O terno novinho estaria perdido (risos) A copa de 58 foi como um pontapé inicial das outras Copas de grandes emoções. Mas, emoções como aquela de 58, só em 58 mesmo! Foi a copa da vingança, resgatando 1950.
Abração,

Wilson Natale disse...

Concertando um erro:
"Onde está " era tabú iar ao centro da cidade com terno e chapéu" leia- se SEM terno e chapéu.
Abraços,

Fábio Venhorst disse...

Muito legal... bons tempos... eu coleciono chapéus e tenho vários dessa época, que uso sempre que possível. Ternos continuam na moda, só que a maioria dos homens prefere não usar, salvo em ocasiões específicas. Eu uso os meus sempre que a temperatura e os afazeres do dia permitem. É bom resgatar essa elegância.