terça-feira, 2 de novembro de 2010

Coração de mãe sempre cabe mais um

Para ela não importa se o filho é mocinho ou bandido; para ela sempre o filho será o eterno menino, que precisa de abrigo e um cobertor para agasalhá-lo. Quantas e quantas vezes vemos aquela multidão de senhoras à porta dos presídios, quantas e quantas vezes as vemos acariciando o alto executivo que movimenta
milhões; transforma o mundo, mas volta a ser o pequeno filhote quando está perto dala.
A mãe dedicada sempre se esquece de si. Envelhece, engorda, deixa seus cabelos ficarem brancos, desalinhados, abre mão das roupas mais elaboradas, das suas amigas e se dedica inteiramente aos filhos. Nada mais existe e nem é mais importante que aqueles que a ela recorrem.
A cidade de São Paulo é a mãezona deste Brasil. Ampara seus filhos e recebe os filhos que a ela chegam, em busca de um mundo melhor, mu
ndo este que possivelmente não encontram em seu lugar de origem.
Multiplicam-se eles geometricamente, um, dois, quatro, oito e assim por diante. Aumenta a população, e a cidade, a eterna mãezona, os recebe de braços abertos, dando-lhes a oportunidade de uma vida melhor, mesmo que para ela e aos seus outros filhos, o desconforto aumente.
A mãezona sofre; envelhece. Sem condições de lhes dar o melhor, oferece-lhes o que pode. Mas, São Paulo é grande. Se lermos a Vejinha veremos a infinidade de restaurantes de todas as origens, bares para todos os gostos, exposições múltiplas, shows variados. O ritmo frenético das suas manhãs e noites não diminui. As horas se estendem madrugada dentro, o amanhecer vem mais cedo. São Paulo é grande, mas a cidade sofre.
Eu paro e penso um pouco.
Cadê o garoto que todos os domingos punha sua roupa mais apurada e ficava em dúvida se assistia um filme de ação no Marabá ou um drama do Ipiranga. Na dúvida, eu corria ao Paissandu e assistia o Jerry Lewis. Não há mais lasanha no Papai, onde meu tio era gerente e eu podia pedir um guaraná a mais, pois sabia que ele iria pagar a conta. Não consigo mais dar um passeio em torno da cidade, pegando o Avenida 1 ou o Avenida 2 . Aquele, indo de cá para lá e este, no sentido inverso. Nem o Irradiação, nem o Circular. Nem sei se tem ainda o Penha-Lapa e o Água Branca – Fábrica ?
Os finais de tarde no Pacaembu, com o sol se esparramando pelos lados da Freguesia do Ó e o Fiori Giglioti dizendo que o tempo passa... Não havia bandeiras nos estádios, mas, apenas a gozação com o torcedor ao lado, que era do time contrário ao seu, do bando de torcedores invadindo a Charles Miller para comprar seus ingressos e buscar o melhor lugar possível. A Guarda Civil por perto, apenas para prevenir qualquer entrevero maior, apenas para prevenir.
A casa do meu avô, na Vila Carioca, hoje virou a Juntas Provisórias e estou cheio de ouvir buzinas no lugar onde estava o quarto onde eu dormia dos sábados para domingo. Não há mais jogos de várzea por lá, com os jogadores vestindo seus fardamentos pesados e rudes e que eu arriscava uns chutes na bola de capotão, nos intervalos dos jogos enq
uanto eles tomavam água no balde que meu avô sempre deixava no portão da casa. Cadê a carvoaria onde meus primos e eu brincávamos de escalar montanhas e, no fim da aventura, levávamos uma bronca daquelas da primeira tia que chegasse e visse nossa arte.
Cadê o Gordini azul, testemunha dos primeiros beijos e rápidas escapadas; dos piqueniques à beira da Raposo Tavares? Onde andam os amigos inseparáveis da época, o Chico, o Fábio, o Perereca, a Hélia Silvia, a Nair, a Nanci, sei lá... Cresceram, ficaram ricos, permaneceram pobres, sei lá, tanto faz, não importa; o que importa é que sinto saudade deles. Ficou a Silvia Regina, amiga dos primeiros e ingênuos sonhos infantis, hoje a fortaleza maior que me protege e abriga; mãezona dos filhos e protetora maior do marido, a primeira a sair para enfrentar a tempestade e a última a se recompor depois que a tormenta passa.
A energia do Ozanam. O que se respirou de sonhos, aventuras e desventuras naquele pequeno pedaço de chão incrustado na Roosevelt e depois na Augusta! Os professores que revimos, ainda há pouco, os amigos, o Jogral, o teatro do Miguel; as namoradas que se foram, os casamentos que se consumaram. Anos sonhados, vividos e que hoje, quase que daríamos tudo só para estarmos neles outra vez.
Ah, esta cidade querida não nos desampara jamais! Sempre nos pondo à prova.
Novos desafios surgem. Novos projetos são elaborados, discutidos e que, enfim, se realizam. Multiplicam-se os amigos, surgem, simplesmente surgem de braços abertos esbanjando e distribuindo felicidade, conhecimentos; neles nos espelhamos e os seguimos. Na primeira reunião fomos quatro, hoje somos tantos e tantos.
Armazenamos o passado com carinho e transbordamos presente e futuro. A cidade fica mais rica, um pouco mais desumana, mas acolhe a todos sem distinção, venham de onde v
ierem. Mudam os hábitos, transformam-se as pessoas, mas é o contínuo e constante evoluir natural das coisas. Que fazer?
Vamos e voltamos. Reclamamos, sentimos saudades, angústia pelo ontem que recordamos, ansiedade pelo amanhã que nos espera. Esta é uma São Paulo que, por mais longe que esteja, tão perto dela estou, por mais que ela me machuque, mais a ela reverencio. Pela acolhida que a todos dá e pela carinhosa mãe que sempre foi e sempre será.
Em meus bate papos com o Miguel, em nossas discussões, pedidos e imposições, eu havia prometido que só escreveria de novo no dia de São Nunca.
Hoje, neste primeiro de novembro, dia de todos os santos, cumpro a promessa feita ao irmão.

Por José Carlos Munhoz Navarro

10 comentários:

Jose Carlos Munhoz Navarro disse...

Dei uma rapida passagem só para agradecer o que acontece por aqui.
Ah, o pouco que escrevemos fica tão grande com o toque final desta moça de sorriso aberto e coraçao imenso. Isso sem mencionar a extremada inteligência e sensibilidade impar
Imãos, amigos, mestres e ( graças a Deus ) companheiros Sonia e Miguel, gracias....

Miguel S. G. Chammas disse...

Este é o Zé Carlos que eu aprendi a respeitar e apreciar ao longo de 50 anos de convivência.
Escrita fluente e deliciosaa desse
paulistano da gema.
Zé escreva mais e mais, não cansarei de pedir sempre......

Wilson Natale disse...

Navarro,
Esta cidade é o ponto e contraponto dos sentimentos.
Meu amigo Cecco diz sempre:
"Amodeio" São Paulo. Mas com uma ternura que dói"!
Gigio diz:
"Amo esta cidade com todo o meu amor e meu horror"!
Eu,vivendo São Paulo intesamente digo: Apaixonei-me completamente por esta santa e prostituta"!
Mas esta cidade é acima de tudo Mãe. Mãe que nos incita a olhar de frente para o presente; nos convida a sonhar com o futuro e zelosa do passado, quais fotos amarelecidas, espalha memórias e lembranças não permitindo que quebremos o elo com o passado.
E ela me ensinou que não preciso me preocupar com os "onde estao"? Pois tudo está comigo no meu coração.
Lindo texto. Poético!
Abração,
Natale

Modesto disse...

Eis uma homenagem ao porvir...ué, porvir, por que? se o Navarro só fala do passado... sim, de um passado que está pra ser futuro, pelo simples fsto de que as ocorrências citadas vão sempre se repetir, se renovar, como um filme que, de tanto sucesso, aparece novamente com diferentes astros e estrelas, roupagem nova, fotografia colorida, técnica mais apurada mas, a essência, o enredo é o mesmo. Outra noite assisti o primeiro filme de "O Fugitivo" feito em 1932, com Paul Muni (aquele do "Sem novidade no front", lembram-se?)A história do Médico que é perseguido por um policial pela acusação de ele ter matado a esposa e era inocente. Depois foi feita uma série pra tv e mais recentemente, outro filme com Harrison Ford. Por isso que eu repito, as emoções se renovam, Navarro e os sentimentos, com vestes diferentes mas, sempre a mesma emoção: SAUDADES. Formidável sua narrativa. Parabéns.
Laruccia

Arthur Miranda disse...

Navarro. Como é delicioso ler suas historias. O meu amor por São Paulo e como o amor de mulher de malandro...Por favor não escreva só nos dias de são nunca não. Parabéns.

Zeca disse...

Como sempre, seus textos encantam, não apenas pelo conteúdo, mas pela elaborada construção. São Paulo é mesmo como uma mãezona que, embora sempre extremamente ocupada com a quantidade de filhos que dela dependem, sempre tem um aconchego para os que necessitam. Eu mesmo, filho que a deixou há tanto tempo - vinte anos completados recentemente - dela não esqueço, visitando-a com frequência, procurando avidamente pelas notícias que a envolvem, mantendo contato com outros irmãos que com ela ainda convivem ou que, como eu, já se mudaram para outros lugares. Ela é assim mesmo: uma mãe amorosa que, mesmo não podendo oferecer todo o conforto que os filhos merecem, consegue manter-se indelével em todos os corações. Parabéns por mais este belíssimo texto! E como já disseram, o Miguwel e o Arthur, não escreva apenas nos dias de São Nunca! Escreva também nos dias de São Sempre! Nós, irmãos, filhos naturais ou adotivos da mesma mãe amada, agradecemos!
Abraço.

Soninha disse...

Olá, José Carlos, queridoamigo!

É sempre um prazer ler seus textos, cheios de poesia e amor por Sampa... Amor que também sentimos por nosso berço esplêndido, nossa querida São Paulo...
Tambémsinto tanta coisa quando passo pelos lugares queridos de minha infância; as escolas, os clubes, os passeios diversos...as ruas, os bairros...quanta saudade!
Que bom que pudemos saber um pouco mais de suas saudades e que bom que você escreveu, José Carlos!
Queremos mais.
Obrigada.
Muita paz!

MLopomo disse...

São Paulo é tudo isso ou mais, meu caro Zé Carlos. É o vagão maior do Brasil, que oferece muito e recebe pouco do governo federal, e ainda ouve abobrinhas de quem governa. São Paulo é a mãezona do Brasil como você disse, e merece um pouco mais de respeito por quem vem de fora, com uma mão na frente e outra atrás, se da bem, fica rico e arrota prepotência como se não tivesse se dado bem por aqui.

MLopomo disse...

São Paulo é tudo isso ou mais, meu caro Zé Carlos. É o vagão maior do Brasil, que oferece muito e recebe pouco do governo federal, e ainda ouve abobrinhas de quem governa. São Paulo é a mãezona do Brasil como você disse, e merece um pouco mais de respeito por quem vem de fora, com uma mão na frente e outra atrás, se da bem, fica rico e arrota prepotência como se não tivesse se dado bem por aqui.

Leonello Tesser (Nelinho) disse...

Navarro, suas narrativas sempre plenas de nostalgia e amor a esta nossa querida São Paulo, parabéns pelo texto, abraços, Leonello Tesser (Nelinho).