Imagem tirada do blog Falcão do Morro Itaquerense - Seleção Juvenil de 1963
Itaquera 1966, 23 de dezembro.
Sou acordado logo cedo por minha mãe e de imediato
convocado por ela para irmos ao Mercadinho do SESI ao lado da padaria Vencedora
para efetuarmos as compras para o almoço de natal que seria realizado na casa
da tia Terezinha sua irmã mais velha.
Saímos de casa com duas enormes sacolas e na descida do
Morro do Falcão passamos pela casa da prima Mariinha para pegar meu primo
Paulinho, conhecido em Itaquera por Paulinho Porrete, pois ele iria nos ajudar
a carregar as sacolas na volta para casa além de levar a lista de compras que
ficara a cargo de sua mãe.
Chegamos ao SESI e como era de se esperar nos deparamos
com enormes filas para efetuar as compras de natal, tendo em vista que aquele
estabelecimento vendia a preços populares.
Enquanto minha mãe fazia as compras Paulinho e eu fomos
nos sentar ao lado das carroças de carreto que ali tinham o ponto, e nos
ocupamos em ficar jogando pedrinhas, ou melhor, saquinhos, pois eu sempre
carregava os 5 saquinhos que eram preenchidos com areia, que minha mãe havia
feito para substituir as pedrinhas.
Compras feitas, dona Nair minha mãe entregou as duas
sacolas e ordenou a mim e ao Paulinho, que fôssemos direto para a casa da tia
Terezinha levar as compras, e que não era para pararmos em lugar algum. Depois
de deixar as sacolas lá poderíamos então sair para brincar.
Ordem dada ordem a ser cumprida. Colocamos as sacolas
atravessadas num cabo de foice que havíamos levado para esta finalidade e
marchamos em direção a Vila Corberi.
Passamos pela estação de Itaquera e no final da mesma
Paulinho sugeriu que fôssemos direto pela linha do trem, que cortaríamos
caminho. De imediato concordei e lá fomos nós. Esta mudança de rota foi o ponto
chave para tudo que ocorreu e que vou relatar a seguir.
Ao passarmos pelo pontilhão sobre o Rio Verde, neste
lugar o rio atravessava da Tomazzo Ferrara para a 25 de Março, e lá havia um
túnel onde no seu término tinha uma queda que os garotos utilizavam para
escorregar, nos deparamos com o Tampinha lutando contra o Landóia da Campanella
dentro do rio.
Paramos para observar a luta entre os dois garotos e aos
poucos foram chegando mais meninos da Campanella que começaram a atirar pedras
em nós que estávamos lá no barranco da linha do trem. Vendo que a turma da
Campanella ia crescendo, Tampinha interrompeu a luta corporal no rio e subiu
para a linha onde nós estávamos e pediu para irmos buscar reforço.
Pegamos as duas sacolas e correndo descemos pelo campo do
Figueirinha e fomos na casa do tio Bruno, onde deixamos as sacolas guardadas e
convocamos o Bruninho Carijó, o Bilú irmão do Lauro e mais uma “renca” de
garotos que estavam jogando bola no Figueirinha e marchamos em disparada para o
pontilhão.
Em maioria e com farta munição de pedras de brita que sustentavam
os dormentes da linha do trem passamos a levar vantagem na batalha, e aos
poucos os garotos da Campanella foram retrocedendo e nós avançando, até que
eles bateram em retirada subindo pela trilha da Biquinha que ligava pelo meio
do mato a 25 de Março com o alto da Avenida do Contorno.
Empolgados, enchemos nossos bolsos de pedras e partimos
em perseguição aos fujões, e não percebemos que estávamos entrando em terreno
do inimigo. Dito e feito. La no alto já na Avenida do Contorno, perto do Campo
do Botafogo os garotos da Campanella haviam juntado uma turma maior que a nossa
e bem armados de paus e pedras.
Meia volta e desta vez partimos em retirada para o nosso
lado, porém meu primo por ser portador de paralisia infantil de uma das pernas,
não podia correr na mesma velocidade dos demais garotos, e sendo assim ele e eu
ficamos mais para trás da fila. Ao chegarmos na trilha da descida da Biquinha,
vendo que seríamos alcançados pelo inimigo, Paulinho se atirou de carrinho em
uma grande touceira de Capim Angolão que havia ao lado do barranco e até mesmo
por instinto eu fui atrás.
Ali escondidos vimos cada um dos garotos da Campanella
passarem na trilha ao nosso lado sem nos verem. Após todos terem passado, não
sei até hoje por qual motivo, o Paulinho cismou de sair do esconderijo e ir ao
encontro do inimigo pela retaguarda. Ele sacou de seu bolso um canivete suíço
que havia ganho de seu pai do qual nunca se separava e iniciou a marcha em
direção aos garotos que agora estavam já na 25 de Março ao lado do rio travando
uma batalha de pedras contra a turma do Falcão que estava sobre a linha do
trem.
Desta vez eu titubeei, pois sendo um garoto magrela, não
teria a menor chance o corpo a corpo contra aqueles garotos, diferentemente do
Paulinho que compensara a perda de força na perna afetada por uma força
descomunal nos braços, e encará-lo no braço era para poucos.
De onde eu estava podia ver meu primo aproximando-se da
retaguarda do inimigo, até o exato momento em que ele desapareceu de minha
visão e fora cercado por um grupo menor de garotos que defendiam esta
retaguarda. Neste momento fui invadido por uma coragem súbita e com uma pedra
em cada mão disparei em socorro ao Paulinho.
Ao aproximar encontrei Paulinho no chão gemendo de dor e
gritando: - Quebrei a perna, quebrei a perna, corre chamar minha mãe.
Não sabia se obedecia ao Paulinho ou partia para a
porrada contra os moleques, quando o Landóia falou: - nem tocamos nele, ele
caiu sozinho. Versão esta que Paulinho de imediato confirmou.
Parti em disparada em busca de socorro, peguei minha mãe
em casa e em seguida passamos na dona Olga cabelereira onde estava minha prima
Mariinha a mãe do Paulinho fazendo o cabelo par a festa de Natal. Saímos então
todos correndo e desesperados para a 25 de março, prima Mariinha ainda com os
bobs no cabelo. E minha mãe se descabelando.
Encontramos o Paulinho já na beira da rua sentado em uma
cadeira que fora providenciada pela mãe do Anibal e do Zé Zoiudo que moravam ao
lado do rio.
Paulinho estava pálido e suando frio, mas pode contar que
ao aproximar dos moleques, com o canivete em punho decidido a enfrenta-los e
espetar o primeiro que chegasse perto, escorregou no barro e caiu sobre a perna
afetada pela paralisia e quebrou o fêmur.
Os moleques a esta altura já haviam de dispersado temendo
a consequência do ocorrido que ficara muito sério a partir deste acidente.
Fui incumbido de correr até a casa do seu Gabriel para
que socorresse o Paulinho em seu taxi e dei sorte que seu Gabriel estava
chegando para o almoço e de imediato atendeu a meu pedido.
Paulinho foi levado para o Hospital das Clínicas onde foi
internado e teve que passar por uma grande cirurgia para implantar uma placa de
platina de mais de 20 centímetros para religar os ossos do fêmur, placa esta
que está em sua perna até hoje.
O Natal naquele ano foi triste, mais entendemos que a
providência fora divina, pois se meu primo não caísse e quebrasse a perna
poderia ter feito algo terrível com seu canivete.
Assim terminou a Batalha da Campanella. Paulinho, ou
melhor Dr. Paulo Douglas Primerano Jr, hoje aos 66 anos é renomado advogado em
Boituva. Tampinha continua em Itaquera desfilando com sua carrocinha de amolar
facas e indo a todos os jogos do Falcão do Morro. Bruninho Carijó e Landóia já
morreram, dos demais não tenho notícias.
Fica aqui uma enorme saudade do tempo de moleque e de
Itaquera de antigamente.
Por Marcos Falcon