quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Minha vedete



imagem: Wilma Palmer

Tinha quase 8 anos e fazia uma visita rotineira à minha avó paterna, íamos lá uma vez por semana.
No começo dos anos 70 telefone em casa era coisa rara. No prédio da minha vó, nos Campos Elíseos, só a Dona Filó tinha um. Ligação internacional, então, era pior ainda; caríssima e difícil de fazer. Para ligar ou receber uma chamada do exterior, falava-se com a telefonista solicitando a conexão e aguardava-se horas.
Naquela noite, nenhuma ligação era esperada. De repente a campainha do apartamento tocou e uma das filhas da tal Dona Filó anunciou que uma chamada de Portugal seria completada em instantes.
Subimos meu pai, minha tia Cibele e eu para a casa da vizinha. Papai, que não falava com a tia Wilma há mais tempo, pegou o aparelho e ficou esperando ouvir a voz dela. Minutos que duraram uma eternidade.
Súbito, completou-se a chamada. A fisionomia dele se transformou e a tensão tomou conta do ambiente. Todos olhávamos para ele, tentando entender sua perplexidade. O mistério se desfez quando, sem emitir qualquer som, olhou para sua irmã e seus lábios desenharam: A WILMA MORREU...
Minha tia entrou em choque. Naquele instante, com meu primeiro contato com a morte, deixei de ser criança. Tomei-a pela mão, levei-a até o elevador e descemos ao primeiro andar. Nem precisei pedir que ela aguardasse no corredor, simplesmente larguei sua mão e fui até a porta do apartamento chamar minha mãe e contar para ela o que presenciara. Daquele momento em diante não me lembro de muitas coisas, só da tristeza que tomou conta de todos e da preocupação em encontrar um médico para tranquilizar minha avó antes de lhe contar sobre a morte de sua filha.
Lembrei-me disso hoje ao saber da morte de Virgínia Lane. Assim como ela, minha tia era uma vedete. Usava o nome artístico de Wilma Palmer.
Ela era linda, perfumada, alegre e espalhafatosa. Seus olhos verdes brilhavam e fascinavam a todos, assim como suas gargalhadas.
Mais nova que as pioneiras Virgínia Lane, Elvira Pagã e Luz Del Fuego, fazia parte da segunda geração daquelas mulheres especiais, corajosas, que enfrentaram todo o preconceito de serem atrizes no começo do século passado. Elas estão indo embora, como foram Marly Marley, Renata Fronzi, Anilza Leoni, Wilza Carla, Salomé Parísio, Mara Rúbia.
Outras, como Carmem Verônica, Berta Loran, Ilka Soares e Eva Todor ainda brilham às vezes na telinha; muitas estão esquecidas, esperando serem chamadas pelo Walter Pinto para fazer um espetáculo lá no céu.
Cabe aqui um preito de gratidão ao Silvio de Abreu. Recentemente, na novela de época Jóia Rara da Globo, ele homenageou as “meninas”, todas com mais de 75 anos, inclusive com a derradeira participação da Virgínia Lane mostrando suas pernas que encantaram Getúlio Vargas.
Tia Wilma se foi há quase quarenta anos, no auge de sua carreira. Acabara de gravar um disco – Carnaval co Wilma Palmer, vendido até hoje em Portugal -, fazia shows no Casino Estoril e retornava para sua casa em Lisboa quando sofreu o acidente de carro que ceifou sua vida. Tinha se mudado para Portugal em 1956 e só vinha ao Brasil em férias.
Quando estava por essas bandas, pedia que lhe ensinasse a falar “brasileiro”. Pequeno, me divertia explicando que Casa de Banho era Banheiro e que eu não era um puto e tampouco um miúdo, mas sim um menino.
Lembro da última vez que nos despedimos em Congonhas, ela embarcando num avião da TAP com quatro enormes hélices. Quantas lágrimas. Um prenúncio, talvez.
Ela viveu intensamente, enfeitiçou o Conde de Barcelona, andou sobre elefantes, fez safári na África, namorou o famoso clavadista de Acapulco Raul Garcia Bravo e brilhou nos palcos.
Talvez, para ela, a morte prematura tenha sido melhor que o ostracismo que suas colegas do Teatro de Revista enfrentaram nos anos de decadência desse gênero. A vida de artista não é fácil. Viver não é fácil.
Às vezes ponho pra tocar suas músicas e choro ouvindo sua voz. Um choro diferente daquela noite que conheci a morte, um choro de saudades daqueles tempos.





Por Marcello Pizo Moreira Martins

7 comentários:

Soninha disse...

Olá, Marcello!

Não pude me conter, ao ler seu texto lá no Facebook, em postar aqui no blog.
Que bacana esta história de sua tia famosa, orgulho de todos nós brasileiros. E que mulher forte, enfrentando a sociedade rigorosa da época para viver sua arte.
Valeu, Marcello.
Volte sempre com suas histórias sobre Sampa.
Muita paz!

Miguel S. G. Chammas disse...

Este é meu menino Marcello!
Bom de letras, bom de música, bom de papo e,infelizmente, rui de cabelos.
Marcello, como já comentei em outro local, com este texto você picotou minha sensibilidade e arrebatou minhas lembranças de antão.
Emocionado reli o texto em nosso blog e fiquei muio orgulhoso novamente. Registro aqui meu pedido:Escreva, escreva muio. Não se permita perderesse dom!

Wilson Natale disse...

Marcello: Belo texto, linda memória - mesmo que triste.
Valeu,
Abração,
Natale

Teresa disse...

Você me surpreende a cada dia. Lindo texto. Fico imaginando como deve ter sido bom ter uma tia vedete. Quando eu passava pelo Teatro de Alumínio, ali na Rua Santo Antonio, sabia que lá dentro estavam as artistas que eu via na Revista do Rádio. Meu pai era grande frequentador do Teatro de Revista e levava minha mãe e minha irmã mais velha.
E você nem precisou imaginar, tinha uma artista em carne e osso.

Bernadete disse...

Muito linda sua tia,retratada nesse belo texto. O consolo, é saber que hoje ela brilha lá no céu, junto de outras estrelas tão famosas e formosas como ela..

Bernadete disse...

Muito linda sua tia,retratada nesse belo texto. O consolo, é saber que hoje ela brilha lá no céu, junto de outras estrelas tão famosas e formosas como ela..

Leonello Tesser (Nelinho) disse...

Marcello, não tive a oportunidade de conhecer a Wilma mas cheguei a assistir algumas revistas do Walter Pinto no antigo Teatro Santana e depois no Teatro de Alumínio, parabéns péla sua homenagem à grande estrela que partiu, abraços, Leonello (Nelinho).