quinta-feira, 18 de julho de 2013

Bolivianos



“ Compadre, vengo sangrando desde los puertos de Cabra. Si yo pudiera, mocito, ese trato se cerraba. Pero yo ya no soy yo, ni mi casa es ya mi casa” [Federico García Lorca, Romance Sonámbulo, em Obra Poética Completa]

Explosão de cores e buzinas, a pontilhar tarde invernal paulista com numerosos pontos de luz. Acordes andinos. O grupo com suas vestimentas típicas, toma de assalto a calçada da esquina da Praça Floriano, em SP. Munidos de suas quenas (flautas) e zampoñas (flautas de Pã), rasqueados de violões, charangos, e  marcações rítmicas de bombos lagueros.
Pintar a vida de imigrantes, com cores e acordes de sonhos mutantes. Eles estão por toda parte.  Por vezes, são confundidos com índios ou japoneses. Gente de pele morena, cabelos lisos e olhos puxados. Movidos a sonhos de melhores oportunidades. Fugindo da miséria em busca de oportunidade. Precariedade. Segunda maior comunidade de migrantes na cidade. Atrás apenas de portugueses, e superior a chineses e peruanos. São Paulo, cenário de passos e descompassos. Cidade que abraça e também sufoca.
Expressões sérias, solenes. Ainda pulsa a lembrança do menino assassinado por chorar e também porque os pais não tinham mais dinheiro. Residência provisória em cubículos. Tirar o RNE (Registro Nacional de Estrangeiro), só com emprego regular e renda. Por trás das máquinas de costura muito suor e sangue. Na luta contra o preconceito vencendo dificuldades. Um medo travado que paralisa a voz e suga a crença na justiça. Violência a estancar a fé e motivar a meia volta. Volver à terra natal. O que mais se deseja: “La paz”.
Dias de angústia e silêncio. A violência que fascina e tange. Violência grátis sem necessidade de passaporte. Em acordes dissonantes.




Por Suely Schraner

16 comentários:

Miguel S. G. Chammas disse...

Suely, por incrível que possa parecer, você pintou em cores harmoniosas e de forma poética, a saga desses imigrantes em nossa querida São Paulo.
São eles, escravos brancos da nova era, presos aos grilhões das máquinas de costura para locupletar os
bolsos de seus exploradores.
Adorei te ler.

Soninha disse...

Olá, Suely!

Quanto estrangeiros vem para Sampa, com os corações cheios de esperança de vidas melhores e se deparam com a realidade dura das grandes cidades...
Um texto simples e lindo, mostrando nossa dura realidade.
Obrigada por voltar aqui. Obrigada pelo texto.
Muita paz! Beijosssssss

Laruccia disse...

Oi, Suely!É bem verdade que a inspiração dessa poesia seja a tragédia do garoto assassinado por um selvagem, porém, os acordes dessa melodia em forma de texto, são de uma beleza extraordinária, uma ode mensageira de paz entre tanta carnificina. Vc emocionou-me, uma escrita extraída do fundo do coração, compatível com um perfil humano e cheio de bondade, ternura e caridade. Parabéns, Suely, vc merece.
Laruccia

margarida disse...

Suely,eles chegam com a esperança de uma vida melhor, mas não sabem o que os espera. Aproveitadores usam e abusam deste povo simples que querem apenas viver melhor e em paz. As surpresas doloridas acontecem e aí voltar é preciso. Sinto pelo ocorrido, aliás não deveria ter acontecido...Lindo seu texto! Um grande abraço.

Luiz Saidenberg disse...

Muito bela a luta de mais este exôdo que se transferiu para São Paulo em busca de melhores dias. Humildes, à princípio, mas certamente logo progredindo. Você pode encontrar feira e reuniões deles na Pça. Cantuta, travessa da Cruzeiro do Sul. E ali comer uma bela empanada. Abraços.

Anônimo disse...

Suely, belissimo texto, com pinceladas de luz no meio da luta, sangue e máquinas de costura. Parabéns. Receba o meu abraço, Vera Moratta.

Wilson Natale disse...

SUELY:
Texto lindíssimo!
Sempre acreditei que São Paulo é o início da metamorfose, onde os oprimidos vão aprendendo e se rebelando contra tudo aquilo que lhes tiram a liberdade.
Abração,
Natale

suely aparecida schraner disse...

Miguel: Adorei seu comentário.Muito obrigada! De fato, eles são os escravos da modernidade.

suely aparecida schraner disse...

Soninha: De fato: migrantes e imigrantes chegam cheios de ilusões. A cidade grande nos seduz e nos traga com a mesma facilidade. Obrigadíssima pela acolhida."Tamo junto".Beijos.

suely aparecida schraner disse...

Laruccia: Sua alta sensibilidade e amáveis palavras me comovem. Gratíssima. Abraço

suely aparecida schraner disse...

Margarida: Aproveitadores há em todo lugar e aqui não é diferente. Sonhos também. “Assim caminha a humanidade”, né não? Beijos e grata pela visita.

suely aparecida schraner disse...

Luiz Saidenberg: É verdade: alguns chegam e se desiludem entretanto, muitos progridem. É a cidade “frente e verso”. Grata pelo comentário e dica. Qualquer dia, vou lá na praça Cantuta.

suely aparecida schraner disse...

Vera: Minha nossa, garota! Suas pinceladas me atraem e também adoro seus textos. Muito obrigada e grande abraço!

suely aparecida schraner disse...

Vera: Minha nossa, garota! Suas pinceladas me atraem e também adoro seus textos. Muito obrigada e grande abraço!

Zeca disse...

Suely!

A violência escorre pelas paredes e se mistura ao asfalto da nossa cidade, assim como se dissemina por todos os lados e por todas as cidades deste enorme país. Nós, vitimados pelo medo que ela causa, viramos os olhos e parecemos não perceber a presença silenciosa de pessoas como eles, que também procuram aqui, o seu lugar ao sol. Você captou em imagens coloridas esse povo quase invisível que, em pleno século XXI é abusado, escravizado e ignorado. Foi preciso um crime bárbaro para que eles surgissem, com seus sons e suas cores, diante de todos!
Parabéns pelo belíssimo e poético texto!

Abraço.

suely aparecida schraner disse...

Muito obrigada, Zeca! De fato, a invisibilidade dói. Muitas vezes nosso caminhar não percebe as diferentes nuances da face da violência e descaso.Seus textos também são belos e poéticos. Abraço.