quinta-feira, 27 de setembro de 2012

O FILME DA MINHA VIDA



 
È engraçado que sempre fui movido a cinema, desde a infância. E, ao contrário do que poderia ter acontecido, não me tornei um expert no assunto, nem mesmo fui trabalhar em alguma área ligada à sétima arte. Se bem que, quando tinha por volta de 14 anos, rodaram um filme com algumas locações no prédio do colégio onde fazia o curso ginasial e fui o escolhido para ser o amigo do protagonista. O filme se chamava, se não me engano, “Entre Deus e os Homens” e contava a história de um rapaz (o protagonista) que estava dividido entre seguir sua vocação religiosa, entrando para o seminário, exatamente no momento em que conhecera e se apaixonara por uma colega de ginásio.

Foram horas e dias de preparação, maquiagem pesada (coisas da época) e ensaio das (poucas) falas que tinha nos diálogos com o protagonista. O diretor deixou um cartão com meu pai, dizendo que se eu quisesse tentar a carreira cinematográfica, ele teria o maior prazer em me ajudar, já que acreditava que eu tinha algum talento para a coisa. Mas, assim como o filme que nunca estreou, em casa também, as coisas esfriaram e, a minha vida seguiu sem maiores sobressaltos. Até minha experiência no teatro – no teatro do colégio, claro! – também não vingou. Estavam ensaiando a peça “Morte e Vida Severina” e eu fui escolhido para viver o Mestre Carpina. Começados os ensaios, eu peguei uma pneumonia muito forte e fiquei uns dois meses em tratamento, o que motivou a diretora da peça a colocar no meu lugar uma colega (uma colega!) Me trocaram por uma menina, veja só! Mas aí também morreu minha iniciativa como ator de teatro.

Já contei também que, quando criança, participava de um programa de calouros numa rádio que funcionava ao lado do Cine Maringá, no Jabaquara. E como cantor, essa também foi minha primeira e última experiência.

Mas fora essas esparsas experiências, sempre fui um fã do escurinho do cinema, que me proporcionava vivenciar sonhos, desde os infantis, passando pelos juvenis e, depois, sonhos de adulto mesmo. Não tenho a menor vergonha em confessar que sempre fui e continuo sendo um sonhador! Lembro perfeitamente das infinitas lágrimas que derramei assistindo (várias vezes) o filme “Marcelino Pão e Vinho”! E também chorei muito no filme “Bambi”! E até hoje, já sessentão, continuo chorando quando assisto filmes, seriados, novelas e até alguns programas de auditório.

Assisti muitos filmes nesses mais de sessenta anos de vida. Tantos que me sinto incapaz de fazer uma lista dos que mais gostei ou que mais me marcaram. Mas existe um que é uma espécie de marco em minha vida!

Talvez até mesmo um ritual de passagem! É um filme de 1964, que deve ter estreado por aqui, talvez dois anos depois, que era mais ou menos o tempo que as produções estrangeiras demoravam para chegar ao nosso país. Eu deveria estar próximo dos dezoito anos quando o assisti, e posso dizer que não conhecia os atores e atrizes, muito menos diretor ou autor. Fui vê-lo pela curiosidade de assistir um filme Greco-americano, que havia sido premiado em várias partes do mundo, mas não conseguiu nenhuma indicação ao Oscar, embora os críticos e o público o tivessem adorado. E eu fui imediatamente seduzido pelos encantos todos desse filme tão peculiar quanto diferente de tudo que havia visto até então no cinema!

A dobradinha Anthony Quinn e Alan Bates foi cativante. Bates é Basil, um jovem escritor inglês que chega à Grécia com a finalidade de tomar posse de uma mina deixada como herança por seu pai. Ele está passando por uma crise de criatividade e acaba embarcando nessa viagem em busca de suas origens mais por inércia do que por idealismo.  Enquanto espera para embarcar no navio que o levará a Creta, conhece um grego simples e muito entusiasmado que o convence a levá-lo consigo como intérprete e cozinheiro. Esse grego é Zorba e, a partir dessa amizade, várias experiências inusitadas levarão a vida pacata de Basil a uma reviravolta total. Ele vai passando de observador passivo do mundo a participante ativo de sua própria vida. Em contato direto com uma cultura totalmente diferente da sua, ele é chamado por Zorba à vida e aos seus prazeres e aprende que é o único responsável por suas escolhas e ações.

Esse filme mostrou a cativante representação de uma amizade improvável, colocando lado a lado maneiras opostas de encarar a vida: a de um veterano homem do povo, cheio de sede de viver e a de um jovem recatado e burguês, que se contentava em observar a vida através de uma janela. O desenrolar de conflitos através dos caracteres específicos de cada personagem foram explorados com gosto pelo elenco e se converteram em autodescobrimento e em louvor à vida em toda sua plenitude.  As presenças marcantes de Lila Kedrova (Madame Hortense) e de Irene Papas (a viúva que se comunicava mais com a fisionomia e com o silêncio do que com palavras) foram importantíssimas para o total entendimento desse filme.

E coroando tudo isso, a fabulosa “dança de Zorba”, que até hoje faz sucesso em todas as partes do mundo. O tema, “Sirtaki”, de Mikis Theodorakis, foi interpretado magistralmente por Anthony Quinn que, dançando na praia, chama o personagem de Alan Bates à vida, culminando em uma explosão de alegria e determinação. Não posso deixar de dizer que “Zorba o Grego” foi dirigido competentemente por Michael Cacoyannis, que soube extrair o melhor do reduzido elenco, criando um grande e inesquecível filme.

Saí do cinema num estado de encantamento pela vida que me deixou leve, como se estivesse flutuando. E esse encantamento me transformou num apaixonado divulgador, motivando muitas outras pessoas a assistirem o filme. E sempre que podia, lá ia eu, novamente, me deliciar com essa obra de arte.
Eu era um jovem moderno. Também era moderado. Talvez pelo passado católico e pela passagem pelo seminário, era discreto, estudioso e já gostava de escrever. Usava óculos, roupas sóbrias e, talvez por tudo isso, os colegas logo me identificaram com Basil, o jovem escritor do filme. Mas... como eu já usava - uma das novidades recém lançadas no mercado – as cuecas Zorba, acabei ganhando o apelido de “Zorba”, que me acompanhou ginásio afora.
Vieram outros (muitos outros) filmes, outros personagens, outras histórias. Mas de todos, o que jamais saiu da minha memória, o que mais mexeu comigo, o que mais me influenciou diante da vida, sem sombra de dúvida, foi esse: “Zorba o Grego)!

Se alguém quiser assistir à dança do Zorba, basta clicar sobre o link a seguir: http://youtu.be/6LmQtlPNcLA

 
por: Zeca Paes Guedes

4 comentários:

Miguel S. G. Chammas disse...

Zecamigaço, ler teu texto relembrando Anthony Quinn e Zorba o Grego me levaram ao passado e me fizeram rever a beleza da dança.
Obrigado!

Modesto disse...

Zeca, (Zorba), também assisti a esse belo filme e fiquei tão entusiasmado como vc. E olha que o Anthony Quinn era mexicano, não tinha nada de grego. Mas ele sempre foi um grande ator, mesmo quando interpretou filmes italianos. Começou com "Sangue e Areia", junto a Tyrone Power. Depois estorou nas telas com grandes fimes. Gostei muito de sua narrativa a respeito, Zeca, parabéns.
Modesto

margarida disse...

Zeca, muito bom conhecer um pouco de sua historia de vida, com certeza ela foi privilegiada. Sou da teoria que nunca é tarde para transformar nossos sonhos e desejos em realidade, não desista e continue em busca dos seus sonhos: um interprete ou um cantor....já tem uma fã.Parabéns pelo texto.

Wilson Natale disse...

ZECA:
Boa Lembrança!
O filme nos ensina a tirar bons momentos da vida, das coisas mais simples.
E, acredito,seja qual fosse o ator, não conseguiria dar vida ao personagem como o fez Anthony Quinn.
Abração,
Natale