Após meses de readaptação à vida na capital de São
Paulo, começo, finalmente, a me sentir mais à vontade, menos “estrangeiro” por
aqui. Assim é que, para “inaugurar” esta nova fase, nada melhor que ir até o
centrão, mais precisamente à Rua Álvares de Azevedo, visitar o belíssimo prédio
do Centro Cultural Banco do Brasil, onde, pela primeira vez na história
cultural brasileira, podem ser vistas, em uma única exposição, 85 telas de
grandes mestres do impressionismo, pertencentes ao Museu D’Orsay, em Paris. É a
exposição “Impressionismo: Paris e Modernidade”.
O impressionismo foi um grande movimento artístico
surgido no século XIX, com um grupo de jovens pintores que ousaram romper com
as regras da pintura, até então vigentes. Eles passaram a pesquisar a luz e o
movimento, através de pinceladas soltas, preferencialmente ao ar livre onde os
artistas sentiam e captavam com mais intensidade e fidelidade as variações
cromáticas presenteadas pela natureza.
E foi a minha paixão pelo impressionismo que me
motivou a sair de casa hoje, uma terça-feira, para um merecido passeio – o
primeiro que faço desde que voltei a São Paulo no início de fevereiro. Passeei
pelas velhas ruas do velho centro da cidade, admirando turisticamente as
fachadas dos edifícios, dirigindo-me ao prédio do centro cultural, num ensaio
cultural daquilo que estava por vir.
Para maior brilhantismo dessa exposição, o belíssimo
prédio onde funciona o centro cultural, teve seus andares adaptados, suas
paredes pintadas nas cores usadas na época dos impressionistas, com o intuito
de ressaltar a luminosidade de cada conjunto de obras, as quais retratam a vida
na capital francesa, sob diversos ângulos: desde a correria urbana ao sossego
no campo. As
mudanças trazidas pela Revolução Industrial fizeram com que os artistas também
mudassem a forma de olhar o mundo. Eles saíram de dentro dos ateliês e passaram
a retratar o cotidiano e a natureza, valorizando a luz natural. Mesmo não
agradando à maioria, suas obras causavam tantas sensações e impressões, que não
passavam despercebidas e, assim, esses jovens e inquietos artistas acabaram
batizados de impressionistas, nome pelo qual ficou conhecido mundialmente um
dos maiores e mais importantes movimentos culturais do mundo. Não só os
pintores, mas também escultores, músicos, escritores e outros artistas e
intelectuais tiveram importância fundamental para o surgimento desse novo e instigante
olhar sobre a vida e sobre o mundo.
A exposição está dividida em seis
módulos, sendo três deles dedicados à vida urbana: “Paris:
a cidade moderna”, “A vida urbana e seus autores” e “Paris é uma festa”. Nessa
parte estão as cenas e vistas do rio Sena e da catedral de Notre-Dame de Paris
retratadas por Pisarro e Gauguin; a vida burguesa retratada por Renoir; o
cotidiano mundano das prostitutas em quadros de Toulouse-Lautrec; e as
bailarinas de Degas.
Os outros três módulos são “Fugir da
cidade”, “Convite à viagem” e “A vida silenciosa”. Nessa divisão estão artistas
que buscaram a tranquilidade do campo como forma de inspiração, como Claude
Monet, que se mudou para Argenteul, no interior da França, e depois para
Giverny; Van Gogh, que decidiu seguir para Arles com a finalidade de formar uma
colônia de artistas; Gauguin e Émile Bernard foram viver na Bretanha; e Cezanne
que voltou a Aix-en-Provence para “redescobrir a luz”.
Uma das vantagens de ser maior de sessenta anos:
as filas! Plena terça-feira, durante o dia, quando a maioria das pessoas se
encontra no corre-corre dos seus afazeres, encontrei uma enorme fila
contornando o majestoso edifício. As pessoas, pacientemente, aguardavam sua vez
para entrar num mundo mágico de cores, formas, encantamento. Como uma das
coisas que menos gosto é enfrentar filas, perguntei a uma funcionária que
organizava aquela qual era a previsão de espera para entrar. Ela me disse que
de cinquenta minutos a uma hora, aproximadamente. Assustado, titubeei e ela
revelou que, para os funcionários, aquela era uma espera pequena, já que havia
dias em que o tempo “de fila” era de duas e até de três horas. Mas, para minha
satisfação, nesse rápido bate-papo, a moça me informou que havia a fila para
pessoas maiores de sessenta anos! Aliviado, agradeci a informação e me dirigi
para a entrada principal, onde havia uma pequena fila (talvez quize a vinte
pessoas), onde acabei esperando por, talvez, quinze minutos para ingressar num
mundo de sonhos.
O próprio edifício já é uma obra de arte,
restaurado para manter as linhas originais do início do século passado, com
seus arabescos art-nouveau. É um edifício de linhas ecléticas, localizado no
coração do centro velho da capital paulista. A cuidadosa restauração trouxe
conforto sem ferir as linhas originais, preservando a linguagem arquitetônica,
e abrigando espaços diversificados como teatro, sala de cinema, livraria, café,
restaurante e espaço utilizado para exposições.
Chegando ao prédio já começamos a nos
sentir mais fora do nosso espaço, quase dentro de um sonho, onde nos é
permitido fazer companhia aos grandes mestres, como Gauguin, Cézanne,
Monet, Manet, Renoir, Van-Gogh, Toulouse-Lautrec, Pissarro, Degas e outros. É
onde mais nos sentimos “cidadãos do mundo”!
Enquanto aguardava, fiquei admirando a
arquitetura interna do prédio e me distraindo com um belo audiovisual mostrando
várias fases do atual Museu D’Orsay, desde a construção da Gare D’Orsay,
passando pela sua decadência e desconstrução, até a restauração e criação do
atual museu.
Voltando ao centro cultural, o vazio central
fechado por uma claraboia é o grande destaque interno do edifício. As colunas
com capitéis, as luminárias, o piso de mosaico veneziano e as portas em latão
completam o impacto visual que nos impressiona agradavelmente. A fachada é
realçada pelas antigas janelas, totalmente preservadas e pelo estilo eclético
do projeto, tão a gosto dos brasileiros no final do século XIX e início do
século XX. No antigo subsolo, onde ficavam as caixas-fortes, foi criado um
grande espaço para mostras, mantendo, entretanto, dois grandes cofres que
preservam a memória do prédio, onde funcionou uma instituição bancária.
Enfim, pouco a pouco vou retomando o meu contato
com a cidade onde vivi os primeiros dois terços de minha vida e relembrando que
existe uma vida cultural e de qualidade ao alcance de todos. Além desta,
existem várias outras exposições espalhadas pela cidade, gratuitas ou, se
pagas, com dias onde pessoas com mais de sessenta anos nada pagam para
usufruí-las. A próxima na minha programação é a recém-inaugurada “Caravaggio e
seus seguidores”, no Masp. Esta, com obras do mais importante mestre do barroco
italiano e seus seguidores, vai até 30 de setembro.
A exposição “Impressionismo:
Paris e Modernidade” é gratuita e fica no Centro Cultural do Banco do
Brasil de São Paulo até 7 de outubro, de onde seguirá para o centro cultural do
Rio de Janeiro.
Por Zeca Paes Guedes
6 comentários:
Linda demonstração de conhecimento das artes plásticas. Seja bem vindo Zecamigaço.
Um passeio pelo perfeito mundo onírico de pessoas geniais, diferenciadas. Fizestes, sem dúvida, um bom proveito.
Ignacio
O roteiro "desenhado" por vc, Zeca, é uma peça de resultados brilhantes. Traz em seu bojo o teor de um pesquizador incansável e preocupado em oferecer, ao leitor, uma perfeita aula de sociologia.
Só uma observação: deve haver algum lapso no endereço, rua Alvarez de Azevedo era no Braz, que hoje é rua Polignano a Mare. Acho que vc queria dizer rua Alvarez Penteado. Em todo o caso, esse é um detalhe de menor importância. Parabéns, Zeca.
Laruccia
Caro Laruccia!
Obrigado pela leitura, tão atenta e pela correção. Talvez, no calor da emoção - já que escrevi o texto assim que cheguei em casa - cometi esse erro tão bem percebido por você. O endereço correto é Rua Alvares Penteado, 112. E se tiver oportunidade, vale muito a pena uma visita. Recomendo sem receio de me enganar; é um belíssimo passeio para todas as pessoas.
Abraço.
Zeca, sua volta para Sampa foi em grande estilo. Adorei seu texto que para mim foi uma aula e mais despertando nossa curiosidade. Acato e confio na sua recomendação. Parabéns pelo texto, um grande beijo.
ZECA:
Maravilha de passeio cultural! Maravilha de texto!
O Centro Cultural do BB nos oferece tesouros todos os meses do ano.
O próprio prédio é por si só uma obra de arte. Seu arquiteto, Gustavo Pujol está entre os grandes arquitetos do início do século XX e um dos ferrenhos defensor da arquitetura em concreto.
É de Pujol os edifícios Guinle, na Rua Direita,Rolin, na Praça da Sé (colado à Caixa Econômica), Theatro Pedro II e Hospital São Joaquim.
Além do CCBB, O Centro Cultural da Caixa Econômica (Sé) tem muito a oferecer em termos de cultura. E o Prédio tem muito a nos contar sobre a sua arquitetura.
Redescubra esta Paulicéia desvairada!
Abração,
Natale
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