Dia
das Mães chegou, época em que as pessoas homenageiam aquelas senhoras
especiais, diferenciadas, responsáveis pelo surgimento de alguns gênios e
também pelo surgimento de milhões de energúmenos, entre os quais me incluo,
corporativismo puro!... O dia chegou mas não precisava ter chegado ou sido
inventado sei lá por quem, talvez por alguém com nome e sobrenome
anglo-saxônico, algum John Doe, ou Joe Smith, ou Harry Johnson, algum
marketeiro da Harrods ou Macy's da vida! A verdade é que MÃE É MÃE 24 HORAS POR
DIA, 365 DIAS AO ANO E UM DIA A MAIS NOS BISEXTOS! E tenho dito e todas, todas
elas, não conseguem chegar na estação Ana Rosa do Metrô, porque "SER MÃE É
"PA" DESCER NO PARAISO!!!
Aqui
em casa eu preciso lidar com duas mães: a D. Zezé (que vcs devem conhecer de
outras narrativas ) e que me colocou no mundo e a d. Odete, esposa e mãe de
meus filhos (que vcs devem conhecer, etc, etc...)
As
duas não dão moleza; são duas guerreiras (esse negócio de chamar às mulheres de
'guerreiras' já se tornou clichê, mas por enquanto vou usando a frase ou o
"fraseado", como diria Noel Rosa, em seu samba "Arranjei um
fraseado")...
Conto
rapidamente uma hitorieta:
Em
1943 eu era um "lindo garotinho" já bastante modesto (e continuo
modesto, como podem depreender...!), mas os "olhos grandes" eram tão
poderosos que eu caí doente, com um problema renal muito sério, de acordo com
minha mãe. Naquele tempo morávamos em Bauru, interior de São Paulo e fui
transferido para a Santa Casa da Capital. Meu pai ficou trabalhando e minha mãe
veio junto, claro! Caipira de São Manoel, de repente ela se vê na cidade
grande, totalmente perdida. Familias de colegas de profissão de meu pai,
telegrafistas, souberam do problema, via rádio, e se ofereceram para abrigar
minha mãe enquanto eu estivesse em tratamento. Prá ferrar com tudo, de vez, meu
pai foi transferido mais uma vez de cidade. Foi a gota d'água. Minha mãe
"surtou"! Perguntando aqui e ali, chegou aos Campos Elísios: - Quero falar com o Interventor!!!
-
Minha senhora, ninguém chega aqui e fala com o Interventor! Não é qualquer um
que vai chegando e falando com o interventor! " Eu não sou qualquer uma! Eu sou mãe,
meu filho está doente na Santa Casa e essa merda de governo transferiu a gente
novamente de cidade... não aguentamos mais isso! É um desrespeito... "
Sinto muito senhora...
-
Sente muito o ca.............!!!!!!
Enquanto
o bate-boca continuava, alguém avisou o telegrafista que estava de serviço, e
este por sua vez, chamou o mordomo do palácio e explicou o que estava
acontecendo, pois uma pequena multidão estava se formando na Glete com a Rio
Branco e a soldadesca estava ficando inquieta com aquela mulherzinha de óculos
e sotaque caipira...
(Uma parte dessa narrativa foi-me
contada às gargalhadas pelo sr. Benê, que se aposentou ainda no cargo, bem
velhinho, já no palacio dos Bandeirantes, no Morumbi; "sua mãe quase
começou outra revolução!!!, e ria")
Evidente que minha mãe conseguiu o que queria; dentro de um palácio ninguém é
mais poderoso que o mordomo!, elementary, my dear Watson! E foi assim que minha
mãe teve uma audiência, na marra, com o interventor federal Fernando Costa; ela
explicou a situação toda, que não tínhamos roupas, móveis, não tínhamos nada,
em função das remoções quase que trimestrais, tudo se perdendo, se estragando
nos trens de carga, nas mudanças, eu internado...-
Eu não sabia, d. Zezé. Não leve a mal, mas a intervenoria não pode se ocupar
com miudezas; o Secretário de Segurança é quem...
-
Seu Secretário de Segurança é uma besta incompetente, insensível, que só pensa
em manter seu nome nas manchetes e enfiar dinheiro no bolso...
Fernando
Costa não sabia onde meter a cara. Então, fez uma proposta à minha mãe:
-
D. Zezé, a senhora aceita vir prá São Paulo?
-
Se for prá ficar, se vocês não mexerem mais com a gente, claro que aceito, e, além
do mais eu quero total atenção para com meu filho! Ele está doente por culpa de
vocês!
-
Mil perdões, minha senhora. Já vou encaminhar a última transferência do
'Seu" Alcides. Publica no Diário Oficial de amanhã! Vou passar um rádio
prá Bauru, seu marido termina o expediente de hoje e logo-logo ele está em São
Paulo. A Sorocabana vai expedir a passagem...
De
primeira?
-
Não, melhor!, ele vem no Pullman, com leito, restaurante e tudo mais! Ah, sim!
Ele vem prá trabalhar comigo, aqui no palácio. Êle entra de férias
imediatamente prá vocês se arrumar aqui em São Paulo. Qualquer coisa, qualquer
"atrapalho", seu marido deve falar diretamente comigo...
NB:
Minha mãe deve ter acrescentado alguma coisa aqui e ali, mas foi mais ou menos
assim que tudo transcorreu durante a entrevista com o homem mais poderoso da
ditadura Vargas em São Paulo; hoje, quando ela se lembra, comenta comigo, com a
Odete e com os netos e bisnetos:
-
Quando saí do escritório do homem 'tava' quase 'mijando' nas calças. Podia ter
sido presa, falei o diabo pro interventor, pro chefe da Casa Civil... Podia ter
ido parar na ilha das Cobras que nem o Francisco.
(Francisco
Borges, nosso parente, foi capturado em 1932 na Revolução Constitucionalista,
preso e torturado na Ilha das Cobras mesmo após o término da refrega. Teve
fraturas nos ossos da face e assim ficou até sua morte em 1990; nunca quis
cirurgia de reconstrução, teve dores a vida toda, "minhas condecorações
estão em meu rosto", dizia...)!
-
Mãe, não exagera...!
- Tá dizendo que eu 'tou mentindo?
-
Eu não! Não sou louco!
...'tão
vendo, pessoal? Tem mãe que não é mole, ...
E a Odete? Não tem historinha da Odete?
E a Odete? Não tem historinha da Odete?
Da
Odete eu falo qualquer dia desses! Essa é outra praga... adorável!
Por Joaquim Ignacio
8 comentários:
Ignácio, parabéns pela narrativa, é uma bela homenagem às duas mães que felizmente você pode curtir, realmente o dias das mães são os 365 dias do ano, abraços, Leonello.-
Meu amigo, é como eu digo no meu poema em homenagem à minha mãe e à todas as mães do mundo, que diz assim: "mãe que é mãe, é a mãe que a gente tem...."
Parabens pelo lindo texto (como todos os outros que escreveu).
Joca:
Mãe é isso e muito mais!
Como dizem os mineiros:"Mãe levanta até caminhão para tirar o filho debaixo dele,sô"!
Portanto,no caso de MÂE, não cabe o clichê. MÃES SÃO GUERREIRAS MESMO!
Qualquer dúvida,pergunte à D. Zezé...
Melhor não perguntar. Se peguntar você vai saber o que é guerra! Ahahahahaaaa!
Texto ótimo!
Abração,
Natale
Belíssima homenagem a dna. Zezé, Ignácio, as mães como ela, é o amor tempestuoso porém, sinceros. A puresa de seu amor pelos filhos não encontra barreiras, ele é incondicional, as vezes, pouco compreendido mas, autêntico. Parabéns, Ignácio pela sua narrativa.
Modesto
Olá, Ignácio!
Putz..que história divertida! E que coragem de Dona Zezé! Ela não é fraca não, heim!
Entendo também que mãe, pra defender os filhos, cuidar de seu bem estar e de toda a família, faz qualquer coisa... Até enfrentar o chefe dos chefes.
Genial!
Valeu!
Muita paz!
À todos os amigos
Graças ao "surto" de minha mãe é que viemos para São Paulo; e o 'surto' foi bem a tempo porque, não demorou muito, Fernando Costa morreu num desastre de automóvel. Meu pai, o "Professor", trabalhou com dois Interventores e todos os governadores até Carvalho Pinto, quando se aposentou no Estado mas continou trabalhando na VASP. Morreu vítima de um AVCH (hemorrágico) dentro da estação de rádio da companhia em Congonhas; agonizou com fones nos ouvido, semi-debruçado sobre o transmissor. Seus colegas me contaram que sua última transmissão foi:"Benvindos à São Paulo e aproveitem que já está na hora do almoço!"
Ignacio
Comi um "s" no texto anterior. Por favor, onde se lê fones nos ouvido, leiam fones nos ouvidos.
Grato
Ignacio
Delícia de crônica, Ignacio. Adorei.
Abraços.
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