domingo, 13 de maio de 2012

Não esquentem a cabeça de minha mãe, Dona Zezé

Dia das Mães chegou, época em que as pessoas homenageiam aquelas senhoras especiais, diferenciadas, responsáveis pelo surgimento de alguns gênios e também pelo surgimento de milhões de energúmenos, entre os quais me incluo, corporativismo puro!... O dia chegou mas não precisava ter chegado ou sido inventado sei lá por quem, talvez por alguém com nome e sobrenome anglo-saxônico, algum John Doe, ou Joe Smith, ou Harry Johnson, algum marketeiro da Harrods ou Macy's da vida! A verdade é que MÃE É MÃE 24 HORAS POR DIA, 365 DIAS AO ANO E UM DIA A MAIS NOS BISEXTOS! E tenho dito e todas, todas elas, não conseguem chegar na estação Ana Rosa do Metrô, porque "SER MÃE É "PA" DESCER NO PARAISO!!!
Aqui em casa eu preciso lidar com duas mães: a D. Zezé (que vcs devem conhecer de outras narrativas ) e que me colocou no mundo e a d. Odete, esposa e mãe de meus filhos (que vcs devem conhecer, etc, etc...)
As duas não dão moleza; são duas guerreiras (esse negócio de chamar às mulheres de 'guerreiras' já se tornou clichê, mas por enquanto vou usando a frase ou o "fraseado", como diria Noel Rosa, em seu samba "Arranjei um fraseado")...
Conto rapidamente uma hitorieta:
Em 1943 eu era um "lindo garotinho" já bastante modesto (e continuo modesto, como podem depreender...!), mas os "olhos grandes" eram tão poderosos que eu caí doente, com um problema renal muito sério, de acordo com minha mãe. Naquele tempo morávamos em Bauru, interior de São Paulo e fui transferido para a Santa Casa da Capital. Meu pai ficou trabalhando e minha mãe veio junto, claro! Caipira de São Manoel, de repente ela se vê na cidade grande, totalmente perdida. Familias de colegas de profissão de meu pai, telegrafistas, souberam do problema, via rádio, e se ofereceram para abrigar minha mãe enquanto eu estivesse em tratamento. Prá ferrar com tudo, de vez, meu pai foi transferido mais uma vez de cidade. Foi a gota d'água. Minha mãe "surtou"! Perguntando aqui e ali, chegou aos Campos Elísios: - Quero falar com o Interventor!!!
- Minha senhora, ninguém chega aqui e fala com o Interventor! Não é qualquer um que vai chegando e falando com o interventor! " Eu não sou qualquer uma! Eu sou mãe, meu filho está doente na Santa Casa e essa merda de governo transferiu a gente novamente de cidade... não aguentamos mais isso! É um desrespeito... " Sinto muito senhora...
- Sente muito o ca.............!!!!!!
Enquanto o bate-boca continuava, alguém avisou o telegrafista que estava de serviço, e este por sua vez, chamou o mordomo do palácio e explicou o que estava acontecendo, pois uma pequena multidão estava se formando na Glete com a Rio Branco e a soldadesca estava ficando inquieta com aquela mulherzinha de óculos e sotaque caipira...
(Uma parte dessa narrativa foi-me contada às gargalhadas pelo sr. Benê, que se aposentou ainda no cargo, bem velhinho, já no palacio dos Bandeirantes, no Morumbi; "sua mãe quase começou outra revolução!!!, e ria")
Evidente que minha mãe conseguiu o que queria; dentro de um palácio ninguém é mais poderoso que o mordomo!, elementary, my dear Watson! E foi assim que minha mãe teve uma audiência, na marra, com o interventor federal Fernando Costa; ela explicou a situação toda, que não tínhamos roupas, móveis, não tínhamos nada, em função das remoções quase que trimestrais, tudo se perdendo, se estragando nos trens de carga, nas mudanças, eu internado...- Eu não sabia, d. Zezé. Não leve a mal, mas a intervenoria não pode se ocupar com miudezas; o Secretário de Segurança é quem...
- Seu Secretário de Segurança é uma besta incompetente, insensível, que só pensa em manter seu nome nas manchetes e enfiar dinheiro no bolso...
Fernando Costa não sabia onde meter a cara. Então, fez uma proposta à minha mãe:
- D. Zezé, a senhora aceita vir prá São Paulo?
- Se for prá ficar, se vocês não mexerem mais com a gente, claro que aceito, e, além do mais eu quero total atenção para com meu filho! Ele está doente por culpa de vocês!
- Mil perdões, minha senhora. Já vou encaminhar a última transferência do 'Seu" Alcides. Publica no Diário Oficial de amanhã! Vou passar um rádio prá Bauru, seu marido termina o expediente de hoje e logo-logo ele está em São Paulo. A Sorocabana vai expedir a passagem...
De primeira?
- Não, melhor!, ele vem no Pullman, com leito, restaurante e tudo mais! Ah, sim! Ele vem prá trabalhar comigo, aqui no palácio. Êle entra de férias imediatamente prá vocês se arrumar aqui em São Paulo. Qualquer coisa, qualquer "atrapalho", seu marido deve falar diretamente comigo...
NB: Minha mãe deve ter acrescentado alguma coisa aqui e ali, mas foi mais ou menos assim que tudo transcorreu durante a entrevista com o homem mais poderoso da ditadura Vargas em São Paulo; hoje, quando ela se lembra, comenta comigo, com a Odete e com os netos e bisnetos:
- Quando saí do escritório do homem 'tava' quase 'mijando' nas calças. Podia ter sido presa, falei o diabo pro interventor, pro chefe da Casa Civil... Podia ter ido parar na ilha das Cobras que nem o Francisco.
(Francisco Borges, nosso parente, foi capturado em 1932 na Revolução Constitucionalista, preso e torturado na Ilha das Cobras mesmo após o término da refrega. Teve fraturas nos ossos da face e assim ficou até sua morte em 1990; nunca quis cirurgia de reconstrução, teve dores a vida toda, "minhas condecorações estão em meu rosto", dizia...)!
- Mãe, não exagera...!
- Tá dizendo que eu 'tou mentindo?
- Eu não! Não sou louco!
...'tão vendo, pessoal? Tem mãe que não é mole, ...
E a Odete? Não tem historinha da Odete?


Da Odete eu falo qualquer dia desses! Essa é outra praga... adorável!
Por Joaquim Ignacio

8 comentários:

leonello tesser (Nelinho) disse...

Ignácio, parabéns pela narrativa, é uma bela homenagem às duas mães que felizmente você pode curtir, realmente o dias das mães são os 365 dias do ano, abraços, Leonello.-

Miguel S. G. Chammas disse...

Meu amigo, é como eu digo no meu poema em homenagem à minha mãe e à todas as mães do mundo, que diz assim: "mãe que é mãe, é a mãe que a gente tem...."
Parabens pelo lindo texto (como todos os outros que escreveu).

Wilson Natale disse...

Joca:
Mãe é isso e muito mais!
Como dizem os mineiros:"Mãe levanta até caminhão para tirar o filho debaixo dele,sô"!
Portanto,no caso de MÂE, não cabe o clichê. MÃES SÃO GUERREIRAS MESMO!
Qualquer dúvida,pergunte à D. Zezé...
Melhor não perguntar. Se peguntar você vai saber o que é guerra! Ahahahahaaaa!
Texto ótimo!
Abração,
Natale

Modesto disse...

Belíssima homenagem a dna. Zezé, Ignácio, as mães como ela, é o amor tempestuoso porém, sinceros. A puresa de seu amor pelos filhos não encontra barreiras, ele é incondicional, as vezes, pouco compreendido mas, autêntico. Parabéns, Ignácio pela sua narrativa.
Modesto

Soninha disse...

Olá, Ignácio!

Putz..que história divertida! E que coragem de Dona Zezé! Ela não é fraca não, heim!
Entendo também que mãe, pra defender os filhos, cuidar de seu bem estar e de toda a família, faz qualquer coisa... Até enfrentar o chefe dos chefes.
Genial!
Valeu!
Muita paz!

Anônimo disse...

À todos os amigos
Graças ao "surto" de minha mãe é que viemos para São Paulo; e o 'surto' foi bem a tempo porque, não demorou muito, Fernando Costa morreu num desastre de automóvel. Meu pai, o "Professor", trabalhou com dois Interventores e todos os governadores até Carvalho Pinto, quando se aposentou no Estado mas continou trabalhando na VASP. Morreu vítima de um AVCH (hemorrágico) dentro da estação de rádio da companhia em Congonhas; agonizou com fones nos ouvido, semi-debruçado sobre o transmissor. Seus colegas me contaram que sua última transmissão foi:"Benvindos à São Paulo e aproveitem que já está na hora do almoço!"
Ignacio

Anônimo disse...

Comi um "s" no texto anterior. Por favor, onde se lê fones nos ouvido, leiam fones nos ouvidos.
Grato
Ignacio

suely aparecida schraner disse...

Delícia de crônica, Ignacio. Adorei.
Abraços.