imagem: Prédios da Light e Matarazzo - 1554
Corria o
ano de 1957. Este escrevedor de memórias vivia seus 17 anos de idade e torcia
para chegada do ano de 1958 quando então, com a maioridade completada, poderia
ingressar em cinemas que tinham na programação filmes proibidos a menores de 18
anos, frequentar ambientes noturnos mais sofisticados, exibir seus dotes de
dançarino párea uma nova plateia. Enfim, ver-se liberto dos tabus da
menoridade.
Certa
noite, reunido com os demais membros dos Duques de Piu-Piu, foi decidida a
saída para o jantar em uma churrascaria no centro de Sampa. A escolha recaiu na
Churrascaria Guacyara, estabelecida no primeiro quarteirão da Avenida Rio
Branco, na calçada do lado direito de quem ia do Largo Paissandu em sentido à
Avenida Ipiranga.
Escolha
feita, nos dirigimos para a referida casa de pasto. Saímos da Rua Manoel Dutra
(nosso ponto de reunião era o Bilhar Rex), descemos a Rua Santo Antonio
entramos no Viaduto Major Quedinho, atravessamos no cruzamento da Rua São Luiz
com a Rua da Consolação e Rua Martins Fontes, e entramos na Rua Xavier de
Toledo. Alcançamos a Praça Ramos de Azevedo e nos preparamos para entrar na Rua
Conselheiro Crispiniano quando percebemos uma movimentação fora dos padrões
daquela região.
Pesquisando
um pouco mais percebemos que algumas pessoas desenvolviam um trabalho manual
inusitado para o horário.
Lógico,
jovens e curiosos, fomos averiguar, de perto, o que de fato estava acontecendo.
Vimos que a causa de toda a movimentação era o trabalho de alguns artistas
estrangeiros que preparavam a cena para algumas apresentações acrobáticas que
seriam realizadas nas noites seguintes. Eles estavam promovendo a instalação de
cabos de aço que iriam atravessar o Vale do Anhangabaú no topo do Edifício
Matarazzo (Praça do Patriarca) até o prédio da Light (hoje Shopping Center
Light).
Desnecessário
dizer que nossa curiosidade adiou por algumas horas o alvo de nossa jornada, o
jantar da noite. Ali nos quedamos apreciando, junto com mais uma centena de
transeuntes noturnos, as peripécias que se fizeram necessárias para por a termo
a missão daqueles artistas.
Ao mesmo
tempo em que assistíamos a instalação dos cabos de aço, obtínhamos informações
a respeito do espetáculo. Soubemos então que o espetáculo seria de acrobacia
sobre os cabos de aço e, consequentemente, a travessia da trupe “Zugspitzartisten”, em espetáculo único de
equilibrismo.
Soubemos mais ainda, os artistas iriam precisar de
colaboradores para a venda de flâmulas, lembranças, fotos e outras bugigangas e
sustentá-los com a renda auferida.
Eu, mais descolado e habituado a tais expedientes
j[a me propus a fazer parte desses colaboradores e, enquanto arrecadava
contribuições, além de ganhar uns trocados, veria o espetáculo de locais
privilegiados. Ledo engano, não existiam locais privilegiados. A afluência de
publico foi tão grande, chegou a ultrapassar a case do milhar a cada noite, que
nós, os colaboradores, tínhamos de fazer várias acrobacias para assistir aos
números artísticos e cumprir com nossa obrigação de vender as tais bugigangas.
A cada apresentação, nós nos transformávamos,
também, em acrobatas do solo, para não sermos esmagados pela turba, ou
e3nganados por espertinhos.
Os ganhos daquela empreita foram bastante pequenos
se comparados aos riscos que corremos, mesmo por que tínhamos que, ao final de
cada apresentação, darmos conta de todas as quinquilharias que nos haviam sido
entregues sido confiadas ou do valor das mesmas quando vendidas.
Dinheirinho ganho com suor acrobático
Por
Miguel Chammas
6 comentários:
Meu caro Miguel, é, e sempre foi dura a vida do artista. É mesmo ter de fazer acrobacias para poder sobreviver!
Miguel, eu era desenhista no Matarazzo nessa época. O cabo de aço foi instalado pra mim poder alcançar o prédio da Lighte e ir conversar com uma garota que trabalhava na Light mas, o conde me viu e eu fui suspenso por uma semana. Era dura a vida de desenhista nessa época, que o diga o Saidenberg. Vc não acredita, não, Miguel mas, foi a pura realidade. Quando fui surpreendido na travessia, fui obrigado a voltar pelo mesmo cabo. Não me deixaram entrar no prédio da Light. A entrada era pela Xavier de Toledo. Aí, de repente, acordei. Parabéns, Chammas desculpe a brincadeira.
Laruccia
Miguel, eu me lembro desse espetáculo!!! cheguei a assistir um dia, alguém até chegou a me oferecer uma lçembrança, será que foi você? agora a maior preocupação dos equilibristas era de não deixar o Modesto cair e fazer ele retornar são e salvo ao início da travessía, rs.rs.rs.rs; boas lembranças Miguel, abraços, Nelinho.-
A vida na corda bamba lá em cima e cá embaixo. Valeu! Abraço.
Oieee...
Suas memórias...nossas memórias!
Através de suas lembranças pudemos conhecer um pouco mais da história de Sampa!
Valeu!
Muita paz! bjssssssss
Miguel: Tempinho duro aquele. Mas, de certa forma, tempinho bom: A gente sempre encontrava um meio de ganhar uns tocados.
Em 57, eu tinha nove. Já adolescente vi alguns espetáculos semelhantes. E alguns vôos livres dos acróbatas anônimos que, desistindo da vida, se precipitavam pelo parapeito do Viaduto do chá.
Gostei!
Abração,
Natale
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