Estamos em Dezembro, mês de festas, de confraternizações, de religiosidade. Mês das árvores enfeitadas de bolas e luzes. Mês dos presépios representativos do nascimento de Jesus Cristo, desde os mais simples com as figuras de José e Maria, uma manjedoura abrigando Menino Jesus e, ao fundo, um burrico e uma vaquinha, até os enormes e detalhados presépios que abrangem desde a época do nascimento de Jesus Cristo até os dias atuais, numa miscelânea de tempos e objetos.
Pois muito bem, Natal, para mim, é vida, é alegria. Mesmo quando nos momentos mais íntimos, nas horas mais contemplativas, quando a lembrança chega de mansinho e lembro-me da minha velha mãezinha que me deu adeus num final de tarde de 25 de Dezembro e foi ter com a Luz em outro plano, não consigo ficar triste.
Fui criado numa família que respeitava essa data e fazia questão de comemorá-la reunida.
Comemorávamos a Ceia Natalina, servida, impreterivelmente após a alegria das doze badaladas que anunciavam o nascimento de Cristo. Nesse momento nos abraçávamos, brindávamos a data com uma taça de champagne e trocávamos presentes (momento esperado com ansiedade por nós, as crianças).
A ceia era farta, pernil suíno, frangos assados (às vezes um peru), maionese, farofa, arroz, frutas frescas e frutas secas e, lógico, o panetone. No dia 25, ao almoço, tínhamos farta e generosa lasanha, feita por minha mãe e todas as sobras da ceia. Lembro bem,os adultos ficavam à mesa, por muito tempo após o termino da refeição, jogando conversa fora, enquanto nós, crianças, curtíamos nossos presentes e mordiscávamos frutas secas, frutas frescas e doces.
Falar de Dona Thereza é lembrar de vários natais, e lembrar de meus natais é reviver um rosário de emoções. Muitas são as lembranças, entre elas, uma se apresenta e, pululando entre as minhas idéias, busca ser escolhida como a principal. Não conseguindo me desvencilhar dessa inquieta memória, me rendo a ela e a elejo como minha principal lembrança natalina, então cabe agora caprichar no relato, vamos tentar:
O ano não tenho certeza, mas vamos situar-nos como se fora entre os anos de 1948/1950, o local, com absoluta certeza é a minha casa na Rua Augusta, 291.
O Sr. Alfredo (meu pai) numa de suas viagens profissionais comprou um leitão e mandou despachá-lo para nossa casa.
Assim, um belo dia de Setembro, chega em nossa cassa,o alegre e espalhafatoso bacurinho, que deveria ficar solto em nosso quintal e muito bem alimentado para, já gordinho, enriquecer nossa ceia natalina.
Solto no quintal, juntou-se logo com os de igual idade, nós as crianças da casa, eu, meu irmão, minha prima e meu primo. Foi então batizado, ganhou o nome de Pepeu.
Os dias passavam e Pepeu ficava cada vez mais gordinho e cada vez mais amigo, nosso companheiro. Abríamos a porta da cozinha para ganhar o quintal, gritávamos por seu nome e ele atendia ao nosso chamado e conosco brincava.
Eis que, senão, quando adentramos no mês de Dezembro, época do Natal, um belo dia, a sentença foi decretada, Pepeu estava com os dias contados. Iria ser sacrificado para ser copiosamente devorado na Ceia de Natal.
Nós, os companheiros de arruaças do pequeno suíno, iniciamos uma campanha contra sua morte. Choros, rogos, teimosias, desobediências, tudo que era infantilmente possível foi tentado. Mas, de nada adiantou e, no dia aprazado, um vizinho experiente nesse tipo de sacrifício e de olho num bocado de carnes do Pepeu, chegou em casa para cumprir a sentença.
Foi terrível. Ainda hoje tenho em meus ouvidos os guinchos do coitado do Pepeu. Depois de algum tempo, os guinchos pararam de machucar nossos ouvidos e eu tive a certeza, “consumado est”, Pepeu estava morto, assassinado brutalmente.
Foi um Natal meio triste, as crianças, Dona Thereza, Dona Neide e Dona Zazá, tomaram uma decisão, não iriam sequer, experimentar aquela “iguaria”, passariam, se preciso fosse, a pão e água naquele Natal.
Como diz o velho ditado: “Felicidade de uns, infelicidade de outros” a mesa da vizinhança, naquele oportunidade, ficou mais rica, muitos tiveram pedaços do Pepeu para se alimentar.
Nós? Ora, nós passamos muito bem, como sempre passamos, comemos as comidas tradicionais de todos os natais.
Estávamos, apenas, um pouco tristes pois já não tínhamos a companhia de nosso amiguinho, mas, a vida seguiu em frente e novos Natais vieram para ser comemorados.
Por Miguel Chammas