domingo, 28 de novembro de 2010

“Eleganza” (Elegância) – 1936

O vanitas vanitates! Et omnia vanitas...

Eu tenho um álbum de retratos muito especial. Nele coloquei as fotos de família que eu mais gosto. Hoje, revendo estas fotos, detive-me nesta (publicada aqui), do meu pai com seus 20 anos de idade... Ó vaidade das vaidades! E toda a vaidade exposta na juventude do meu pai.
E lá vou eu, perdendo-me da realidade. Viajando a um tempo em que não vivi, mas que existiu antes de mim. Existiu para o “mio babbo”...
Meu pai era vaidoso! E elegante! Vestia-se com apuro e sempre cuidou da aparência. Até o fim de sua vida foi assim. Quando partiu para sempre foi usando o terno que mais gostava.
Papai estava adequado ao seu tempo. Fruto dos anos 30, não poderia ser de outra maneira...

Aqueles anos 30:
Era tabu ir ao centro da cidade com terno e chapéu. Não se andava pelo “Triângulo” (Rua Direita, Rua de São Bento e Rua XV de Novembro) em mangas de camisa. Fazer isso era ser confundido com carregadores e contínuos. Homens com o botão do colarinho aberto e exibindo os suspensórios seriam rotulados de donos de botequim ou de pensão, e, os que saíam às ruas em camisa, com gravata, exibindo os suspensórios e as “ligas” nas mangas, seriam taxados de donos de pequenos comércios, ou pior: gerentes “daqueles hotéis suspeitos”...

Um homem, em dia de calor, poderia tirar o paletó e carregá-lo no braço. Mas, jamais poderia tirar a gravata e desabotoar o colarinho. O chapéu só era tirado quando era preciso estancar o suor da testa.
Usava-se também o “traje passeio”, terno branco, ou em cores claras, sapatos “mocassins”, gravatas coloridas e chapéus Panamá ou de palhinha.
Podia-se ir à “Cidade” em “traje esportivo”: Blazer com calça branca e sapatos com solado de látex; ou jaqueta de gabardine com calça branca ou xadrez e sapatos do tipo “golf”. Em ambos os casos, cobria-se a cabeça com
os “Bonêts” (Bonés) de lã ou outro tecido grosso, em cores ou em xadrez.
Para ir aos teatros, cinemas ou restaurantes vestia-se o “traje social” T
erno preto, ou outras cores de tons escuros. Não se abria mão do uso das abotoaduras, do prendedor de gravatas, ou o alfinete. Este era também o traje para os bailes, para os “cabarets” e para o cassino que funcionava na Rua 24 de Maio.
Para os dias de gala, usava-se o “frack” e “top-hat” (Cartola). Ir ao Theatro Municipal, além de muito dinheiro, exigia o uso de “Smoking” e meia-cartola (“top-hat” mais baixo).
Estes foram os tempos de juventude do meu pai.
E aí está o “mio babbo”, nesta foto (acima) tirada por um “lambe-lambe”, nos jardins do Museu Paulista, em 1936. Está aí, “em cima da moda” – como se dizia. “Lindão e na estica” – como se diz hoje...
Cabelo repartido no meio, todo “glostorado”; rosto escanhoado, bigode fino moldado à navalha e com os óculos de grau, aro de tartaruga, escondido no bolso interno do paletó.
O terno (com colete) - último grito da moda – foi feito sob medida pelo Seu Nunes, alfaiate da Avenida Celso Garcia, em albene marrom-claro. Paletó levemente acinturado (sim, porque paletó acinturado mesmo, era coisa de “maricón”) gola larga e ombros estruturados. A calça acinturada e com três pregas, boca-larga e barra dupla voltada para fora. A camisa era de linho. Na mão, um chapéu Prada. Nos pés, um par de sapatos fantasia, nas cores branco e marrom-café, com salto carrapeta feito por ele mesmo na Clark, No pescoço, a gravata bordô presa pelo prendedor de gravata.
Papai estava triste nesta foto. O irmão dele mais velho, o meu tio
Fillippo, morrera havia duas semanas. O luto do meu pai se revela na tarja preta que traz na lapela e no lenço preto cuidadosamente dobrado que traz no bolsinho do paletó.
Setenta e quatro anos depois dessa foto as vaidades são outras...
Preciso ir ao Centro Histórico, depois tenho de ir à Faria Lima, na volta devo parar na Paulista.Visto uma camiseta, uma bermuda, meias nos pés e calço o tênis. Pronto. Pegar o celular, a máquina digital e sair. Ah! Estou esquecendo a mochila!
E lá vou eu confortável, lindão, numa boa e na moda, cuidar da minha vida. E, se der tempo, ainda pego um cineminha e faço um rápido fim de noite na Livraria Cultura...
O vanitas vanitates!

Por Wilson Natale

Natal do Brasileiro hoje em dia

Natal vem aí, afirma o calendário.
O quitandeiro que não é otário,
Já que daqui a pouco vai chegar o ano novo,
Aproveita e aumenta logo o ovo

Que se fosse importado, tudo bem,
Mas vindo do lugarzinho que vem...
Nem pega bem.

Nesse embalo, o padeiro aumenta o pão.
O supermercado o feijão.
O preço da carne do boi, do leitão,
Do macarrão, da alface do agrião,
do peixe e até do camarão.
Tudo em feliz competição.

E assim, de grão em grão,
De aumento em aumento,
O Cristão vê seu pagamento
Feito magia sumir de sua mão.
E para aumentar
Ainda mais sua desgraça,
Ele torra o que lhe resta em cachaça,
Até que sua grana se desfaça.

Ah! Mas este mês ele tem como parceiro
O já querido e tão falado décimo terceiro.
Vamos às compras!
Economia nem pense nisso,
Natal existe mesmo só pra isso.
Para a gente comprar presentes
para os amigos, também para os parentes.
E então, no lugar de mudar sua vida,
Ele prefere buscar a falsa solução
Na maior e na mais frustrante ilusão.
Que é acreditar que, ganhando na loteria,
Poderia liquidar a sua dívida,
No outro dia.


Entra ano sai ano,
E esse nosso eterno desengano,
Permanece nos engana e empobrece.
E assim, como 2010 foi pior pra ele que 2009,
2011 será também, para a grande maioria,
muito pior que 2010.

E da-lhe Mega Sena, Tele Sena.
Novenas, promessas
E até mesmo romarias.
Vale tudo pra ganhar na loteria.
Natal do brasileiro é sempre isso,
Os filhos são os Reis “Magros,”.
E o velho pai, o próprio Cristo,

Com todo mundo querendo
Apenas o seu presente.
Enquanto o amor da família,
Há muito vive ausente,
Tem gente que nessa vida
Vive esse triste papel,
De trocar o natal de Cristo.
Pelo de Papai Noel.

E o pior dessa falsa alegria,
Que deixa às vezes a gente até sem fala,
É receber um alô de Bom Natal
De alguém que durante o ano inteiro
Jamais olhou uma só vez, pra sua cara.


Por Arthur Miranda (tutu)

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

'Dos Beatles à Paul McCartney

No domingo, 21 de novembro passado, a televisão nos mostrou alguns lances do show daquele que foi, juntamente com seus três companheiros, do quarteto mais famoso do mundo, os Beatles.
Momentos de raríssima simplicidade e simpatia.
Esteve no Brasil a figura enigmática de 'Sir' Paul McCartney e sua banda, em Porto Alegre e São Paulo.

Cantando velhos sucessos da famosa e hoje extinta banda, além de composições de sua carreira solo, Paul nos remeteu às saudades das décadas de sessenta e setenta com canções como 'Black Bird', do White Album, 'The End' do Abbey Road, dentre outras.
Ficamos nós, telespectadores, prejudicados pela curta duração a apresentação televisiva, posto que, o show no estádio do Morumbi durou mais de três horas e nós, pobres telespectadores, tivemos de nos contentar com míseros cinquenta minutos de edição, intercalados por cortes na edição e dos intervalos comerciais.
Mas, tudo bem. Mesmo que tenha sido uma curta apresentação (televisiva), os paulistanos puderam
inebriar-se com a contagiante simpatia do ex Beatle que, num português carregado de sotaques, brincou com a platéia que encheu os gramados e as arquibancadas do estádio do Morumbi.
Os ingressos não foram para muitos. Com a média de R$ 400,00 (quatrocentos reais) por cabeça, estimou-se um público de cinquenta mil pessoas, em média, em cada um dos dois dias do show, domingo e segunda-feira.
Olhando atentamente para o semblante do Paul, veio-me à lembrança uma sua composição em parceria com John Lennon, intitulada 'When I'm Sixty-Four' que, numa tradução literal quer dizer 'Quando eu tiver sessenta e quatro (anos)', música inclusa no album Sargent Pepper's Lonely Hearts Club Band, de mil novecentos e 'bolinha', aonde está a explícita alusão preocupante de alguém com idade avançada (naquela época ainda não existia a expressão 'melhor idade'), com a perda dos cabelos e a incógnita de um futuro cheios de incertezas.

No show que assisti pela televisão, pude ver um Paul McCartney bem distante daquela suposta realidade que inspirou-lhe a música. Estava no palco um Paul McCartney 'menino', no alto de seus sessenta e oito anos de idade, com cabelos, lépido e bastante energético.
Bi-remanescente dos Beatles (só restam ele e Ringo Starr) compôs com os outros integrantes, em uma das mais antológicas bandas de rock dos anos sessenta e, em meio a polêmicas e alguns outros escândalos, foram mídia e manias na juventude que muitos de nós tivemos.
John, Paul, Ringo e George formaram o quarteto mais famoso do mundo e nos encantou com as muitas baladas e rocks que retratavam situações amorosas ou casos engraçados.
Perdemos os Beatles, mas, em nossa nova realidade literária, fazemos parte onde alguns participantes já superaram os 'sessenta e quatro' e estão aí, igualmente compondo suas lembranças e memórias para a nossa alegria e entretenimento.
São autores como Modesto, Miguel, Leonello, Tutu, Margarida, Lopomo, Soninha (ops, essa é ainda muito jovem), Saidenberg, Zeca Paes, Wilson Natale, Laer e muitos outros (que me perdoem os que aqui não citei) que, no alto de seus 'sessenta e tantos' ou mesmo 'setenta e alguns' sempre nos brindam com shows literários e na íntegra e sem que para isso tenhamos de gastar uma fortuna com ingressos e nem precisemos estar na chuva para nos deleitarmos com suas belas crônicas e causos do cotidiano paulista.

Beatles, Pelé, Elvis Presley e Roberto Carlos, são e serão sempre únicos na mídia artística e musical.
Na literatura, detenho-me na companhia de amigos e amigas que me inspiram a escrever e transmitir os sentimentos e as saudades de uma época mágica e muito romântica.
Espero estar ao lado de todos, mesmo quando estiver com mais de 'sessenta e quatro anos'.
Minhas sinceras homenagens a todos que me permitiram fazer parte de um grupo tão seleto, jovial e inspirador.

Por Nelson Assis

Uma vida, de zero a seis, ou sessenta e três

Quando eu conheci meu pai ele tinha uns 50 metros de altura e, acho, um milhão de anos.
A gente morava na Rua Bogotá, uma travessa da Av. Itaberaba. Eu lembro que o ônibus subia e virava à direita na Av. Itaberaba e, se virasse à esquerda, ia pra Freguesia do Ó, no largo da igreja. Eu me lembro da igreja, porque toda semana santa minha mãe me levava, de madrugada, para ir na procissão... Eu tinha muito medo daquelas imagens e daquela mulher toda de preto, cantando. Mas, eu apertava a mão da minha mãe e esperava tudo terminar bem e sempre tudo terminava bem. Minha mãe não tinha 50 metros, mas era alta também. Eu lembro que ela ficava ouvindo novela, na rádio São Paulo, e toda noite tinha um programa que o locutor falava: “meu in
esquecível amor” e ai, começava a ler a carta para a namorada dele. Eu não entendia muito nem de carta nem de namorada, mas, pelo pouco que eu sabia, ele não conseguia nada, pois todo dia ele repetia a mesma coisa.
Aliás, eu era quase um bebezinho e não entendia nada, quase nada.
A mesma coisa também era a vizinha que só ouvia Cascatinha e Inhana ou Jeronimo, o herói do sertão, e todo dia era “índia seus cabelos nos olhos caídos...” ou então, o Mosteiro de São Bento anunciando as horas, Tim Dom Dom, Tim Dom Dom...
Eu era bem pequeno e não tinha muitos amigos, se bem que, toda tarde, eu queria jogar bola, mas os meninos não deixavam, pois eu não fazia nada e, quando fazia, me mandavam chutar pra qualquer lado. Eu era uma espécie de café com leite, eles diziam.

Eu jogava futebol dentro de casa. Ouvia um pedaço do jogo e corria pro quintal repetindo as jogadas que ouvia, repetia em parte, pois, por mais que estivesse um a um no rádio, no quintal estava uns 34 a 2, pro meu time, é claro.
Na minha rua tinha algumas casas e muitos terrenos vazios. Nosso vizinho tinha uma plantação de morangos bem na divisa com a minha casa e ele sempre reclamava que não colhia muito morango e eu reclamava que os morangos demoravam para ficar vermelhos. Meu pai sabia por que faltava morango, mas não dizia nada.

Tinha muitos cachorros na rua, eu tinha medo, meu pai não. Também, tão grande que era, não tinha medo de nada. Depois ele me contou que trazia toda noite, restos de comida do restaurante para os cães e por isso eles gostavam dele.
Meu pai era um cara bonito. Vestia sua capa cinza e punha o chapéu na cabeça e parecia um agente secreto. Nossa casa tinha até um porão onde meu pai fazia e consertava sapatos. Nós íamos à Rua Capitão Salomão e ele comprava uma folha de couro, que vinha enrolada e am
arrada com barbante, que eu teimava em trazer para casa. Com isso ele cortava e fazia as solas dos sapatos. Às vezes, ele fazia o sapato todinho. Ele nunca comprava sapato, só fazia.
Tinha um poço dentro de casa, era a única no bairro e minha mãe não precisava sair no quintal quando precisava de água. Meu pai nunca me deixou chegar perto e fez uma engenhoca que só ele e minha mãe sabiam mexer. Eu não podia fazer nada. Até que um dia, eu descobri e levei um baita susto, porque aquilo começou a voltar para traz, o balde despencou no poço, tchibummm, e eu corri pra minha cama. Não sabia me fingir de morto e fingi que estava dormindo, mas não colou porque levei uma bronca dela na hora e outra quando

meu pai chegou.
Aliás, eu era um menino pequenino e não entendia nada, quase nada.
Toda tarde a gente tomava café junto. Meu pai trabalhava no restaurante e trazia sempre pão fresco e queijo Catupiry, aquele redondinho. Como a gente morava longe e não tinha padaria perto, de vez em quando a gente tomava café com leite condensado. Minha mãe punha na medida certa, mas eu deixava escorrer mais um pouco só pra ter um pouco mais de leite e raspar com pão no fim do café.
Eu era muito pequeno, mas já um pouco malandro.
Todo dia tinha que tomar a famosa Emulsão de Scott, ou óleo de fígado de bacalhau. Em vez de esperar minha mãe vir com a colher para mim, eu corria na cozinha e tomava o famoso óleo. Só que um dia, ela desconfiou da minha vontade e que o vidro naquele dia esvaziou muito depressa e, com isso, não pude mais jogar o óleo na pia. Já o Biotonico Fontoura eu tomava na garrafa direto. Nem sujava colher.
Não gostava de tomar banho, minha mãe sempre esfregava minhas orelhas dizendo que iria nascer um pé de rabanete. Graças a Deus não nasceu, por isso, tomo banho todo dia até hoje. Se bem que eu goste muito de rabanete.
O que me intrigava era relógio. Eu não sabia ver as horas, mas sabia os números e quando meu pai queria saber as horas, pedia que eu visse no despertador e eu voltava todo imponente: O pequeno está no 5 e o gr
ande no 3. Então ele falava que eram cinco e quinze. Mistério. O ponteiro grande valia mais que o pequeno. Outro mistério, é que o relógio de pulso do meu pai não tinha números, e ele sabia olhar as horas do mesmo jeito. Meu pai, além de ter mais de 50 metros, ter mais de um milhão de anos, sabia tudo. Até olhar números sem ter números.
Eu gostava de andar de ônibus e a gente pegava o 68 Itaberaba, que ia até o Largo do Paissandu.
Ficava feliz quando achava no chão do ônibus o canhoto dos bilhetes que o cobrador jogava fora e eu brincava de ônibus todo dia, lá em casa. Quando pagava as passagens, meu pai enrolava os bilhetinhos e colocava na aliança. Às vezes, ele deixava eu segurar os bilhetes até que um dia, veio o fiscal para picar os bilhetes e eu não sabia onde tinha deixado. Meu pai brigou com o fiscal e teve que pagar de novo. Nunca mais ele me deixou segurar os bilhetes. Pai é legal mas, as vezes, fica difícil conviver com ele.
Como a gente tinha que atravessar o Tiete, numa ponte de madeira, tinha um medo danado quando o ônibus passava e era um Pla pla, pla pla, pla pla, até que saia do outro lado. Interessante também quando o ônibus parava na Rua Santa Marina, com a porteira fechada, para esperar o trem passar. A gente ficava um tempão lá parado. Num dia de muita espera, eu não tinha nada que fazer, descobri a barriga de um gordo que subia e descia, subia e descia, e descobri que a minha subia e descia também. Nunca tinha percebido isso. A gente vai crescendo e descobrindo as coisas importantes da vida.
Eu sempre gostei de perguntar coisas. Pegava o jornal que meu pai trazia e ficava perguntando o que era isto e aquilo. O que eram aqueles desenhos, minha mãe me falou que eram letras, e juntando as letras tínhamos palavras, e assim fui aprendendo a ler e estou aprendendo até hoje. Minha mãe, além de ter toda aquela altura, quase um milhão de anos, sabia muita coisa e, com a ajuda dos dois, eu aprendi a juntar as letras e formar palavras. Assim, quando eu entrava no ônibus já sabia ler Ca sa fre tin , I Ta Be Ra BA , A GA ZE TA e muito mais .
A gente ia à casa da minha avó e descia do Itaberaba, pegava o Água Rasa no Largo do Paissandu e chegava logo, porque não tinha muitos carros na rua. Minha avó era gozada, porque falava umas palavras tão esquisitas que eu não entendia nada. Depois, eu descobri que ela era espanhola e não falava nada da Brasilei... opa de Português, ( eu não compreendia isso naquele tempo ). Eu não tinha avô. Minha mãe dizia que ele tinha ido pro céu e eu ficava triste, pois ele tinha ido embora e deixado minha avó sozinha que nem falar direito sabia.
Eu peço desculpas por tanta ingenuidade, mas eu era criança e não compreendia nada.
Até que um dia, um dia não, uma noite, meu pai me embrulhou no cobertor e nós saímos correndo. Ouvi um falatório, e o seu Nicomedes, aquele vizinho que só ouvia Cascatinha e Inahana, correu com o carro, tinha um carro de polícia na frente e no dia seguinte me acordaram dizendo que eu tinha ganhado uma irmãzinha. Grande coisa! Era uma segunda feira e eu queria era ter ficado dormindo. Acho que foi a partir daquele dia que eu fiquei com raiva de acordar cedo na segunda feira. Não pela minha irmãzinha, mas pelo meu pai e minha mãe que me acordaram fora de hora. Essa segunda feira foi num 13 de abril de 1953.

Hoje, passados muitos anos, após tudo isso, eu descobri que meus pais não tinham um milhão de anos, nem quase 50 metros de altura. Descobri que sinto saudades daquela casa, daquele bairro e, às vezes, tento ir para lá.
Perco-me no trânsito, nas novas avenidas e novos viadutos. Pelo desejo vou, pelo trânsito, fico por aqui.
Prefiro voltar, deixar que minha cabecinha fique naquele espaço mágico de tempo e pedir desculpas se alguém chegou até aqui neste relato, ingênuo até.
É que deixei de ser criança, mas continuo não entendendo muita coisa.
A única coisa que eu entendo é que hoje é 2 de novembro e estou sentindo muita falta dele.

Por José Carlos Munhoz Navarro

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Guarapiranga


Manhã de domingo. Sol incandescente. Centenas de pessoas atenderam ao apelo “tire sua bunda do sofá”. Vida é movimento?
Menina magrinha, negra como as asas da graúna, desdentada. Copo plástico na mão, até a borda de caninha. Arriou o calção azul. É de bunda que eles estão falando? Então aqui está a minha, sorria ela para os irmãos de rua. Outro dormia encolhido e debaixo de pequeno cajueiro em flor. Virada nada cultural e ainda poética.
Público diverso. Biodiversidade. Cachorrinho magrelo, cor de burro quando foge (corro do burro quando ele foge- diz o professor). Costelinhas à mostra. Nenhum petisco no chão. Língua de fora. Nada de água. Cheira daqui, cheira dali. Um, joga a garrafa d’água vazia. Outro joga pedra, assustando-o ainda mais. Pernas pra que te quero. Atleta off line em desabalada cultural. O viver perigosamente. Sobre um viver náutico. A vidinha, um esporte radical. Moça da inscrição, deixa meio copo de água, no chão. Tampado até a metade. Não deu desta vez. Derrubou tudo. Segue correndo. Velocidade máxima. Língua de fora, sem medalhas nem migalhas. Campeão da vida pelo avesso.
No Bungee Jump, corajosos se borrando e se esgoelando numa descida eletrizante. No ar, helicóptero verde despeja valorosos cidadãos nas águas plácidas da Guarapiranga. Primeiro Air Show Festival no Brasil. O Swoop (salto de paraquedas a partir de um helicóptero). O paraquedista se aproxima do solo, a cerca de 100 km/h. Tocar os pés na água, em
pertigar-se no alvo.Equilibrar-se. O homem é um ser vertical? Atletas de Swoop, Wakeboard, Canoa Havaiana, Stand Up Paddle. Heli Coaster (preso a um motor o participante é suspenso a 40m de altura e faz manobras radicais), Simulador de Asa Delta, os Jogos Ecológicos da Cantareira mais a Virada no Gelo. Muita ação na observação, sem perder a esportiva. Nossa! Quanta novidade! É cada uma, que parece duas.
Quem entende tanta coisa?

Por Suely Aparecida Schraner

Ruas do Ipiranga


imagens: Igreja N.S. das Dores; Rua dos Patriotas trecho do Museu do Ipiranga; Fórum do Ipiranga


A chuva parou, e ao cair da noite resolvi passear pelas ruas do Ipiranga. Desci pela Agostinho Gomes e fui até a Leais Paulistanos, ali havia um terreno vazio onde se realizava uma quermesse da Paróquia Nossa Senhora das Dores. Hoje lá estão dois prédios do CDHU. Sigo em frente em direção a Rua Thabor procurando ver alguma coisa do passado, nada encontrei.

O cine Ipiranga Palácio e o Bar do Carmo não existem mais, nem a cancha de bochas do Orestes. Os armazéns do Banco da Borracha foram demolidos e agora no lugar estão sendo erguidos mais dois edifícios. No Ipiranga Palácio dei o meu primeiro beijo nos lábios de uma mulher na matinê de domingo lá pelos idos da década de 50. Ainda me lembro de seus longos cabelos.

Diante das lembranças, lembrei-me de um famoso tango de Gardel que dizia: - "Volver... con la frente marchita, las nieves del tiempo platearon mi sien. Vivir...con el alma aferrada a un dulce recuerdo que lloro otra vez", pouco ou quase nada resta das antigas casas daquelas ruas. Volto para casa triste e no caminho paro em um bar que fica na esquina da Rua Agostinho Gomes com Xavier Curado.

Peço uma cerveja e fico recordando uma letra de outro antigo tango chamado "El Tabernero" que diz: - "Muchos se enbriagan com vino y otros se enbriagan com besos, Como ya no tiengo amores, y los que tuve morieran, plazer encuentro en nel vino, que me brinda el tabernero", deixo o bar e sigo para casa, tudo está em silêncio, deito em minha cama e adormeço querendo sonhar com aqueles velhos tempos que não voltam mais.


Por Leonello Tesser

domingo, 21 de novembro de 2010

Flores de ouro - terceira geração

Incrível ! Fantástico ! Extraordinário! Esse era o título de um programa de Almirante, Henrique Foréis Domingues, nos bons tempos do rádio. É o que me ocorre agora, ao rever o pequeno pé de ipê amarelo, no nosso jardim.
Já escrevi muitas vezes sobre ele, e temo até cansar os leitores. A cada início de primavera, para ser mais preciso. Desde que, anos atrás, soltou a primeira, e única, bela flor, radiante como uma estrela.
Desde então, ele cresceu bastante, com sua floração muito irregular. Poucas flores, às vezes, logo levadas pela chuva e pelo vento. Últimamente, mais surpresas: tem tido uma segunda floração, mais abundante que a primeira. Mas, neste ano, excedeu-se.
Floriu bastante e, pontualmente para variar, logo no início de Setembro, da mesma forma que a maioria de seus irmãos de raça amarela. As flores cairam, começaram a despontar as folhas. Deram poucas favas, estas se abriram e lá se foram as sementes.
Mas, estranho, toda manhã eu continuava a ver no chão as flores caidas. Estava florindo novamente. Também isto passou. Com a copa toda reluzente de verde, pensei que o processo tivesse terminado. Agora, só ano que vem!

Que nada. Estamos já nos finais de Novembro e o ipê continua a florir. Tem até novos botões, prontos para se abrir. É uma terceira geração, quando nesta altura não creio que se ache na cidade um único ipê dourado com flor, nem para remédio.
Será El Niño? La Niña? O aquecimento global, alterando as estações e tudo mais? Se assim fôr, alguma coisa resta de bom, o consolo de uma florada, anual e efêmera, se tornar duradoura... Ou será a Natureza, mais forte que tudo, reagindo bravamente aos terríveis maus tratos impostos pelos humanos?
-Vamos mostrar a vocês, homens de pouca fé, quem realmente manda neste planeta!

Por Luiz Saidenberg

Uma viagem ao Parque Trianon

Um dos melhores períodos de minha vida adulta foi quando morei na Rua Ministro Rocha Azevedo, num belo e confortável apartamento, de onde, por um lado se descortinava toda a zona sul da cidade, que se confundia, ao longe, com as montanhas da Serra do Mar e, do outro, a Avenida Paulista e, mais à direita, as árvores do Parque Trianon. Foi um período de vacas gordas, em que eu ganhava salário de marajá e ainda ostentava o frescor dos meus trinta anos e a solteirice que me transformava num bom partido, bastante requisitado e disputado.

Parque Trianon – ponte sobre a Alameda Santos


Como nunca antes, na história da minha vida, quis aprender a dirigir, não possuía automóvel, o que me outorgava a possibilidade de caminhar pelos arredores. Na época, eu trabalhava na Alameda Santos e ia, portanto, a pé para o trabalho. Quando precisava deslocar-me para outros lugares, a empresa me concedia o direito a um carro com motorista. Então, posso dizer que conheço a Avenida Paulista e arredores como a palma das minhas mãos, já que durante anos perambulei por ali a pé. Naquela época andava-se pela nossa cidade sem medo, de dia ou de noite. Teatros, cinemas, bares, restaurantes, casas noturnas (ah, a saudosa Oba-Oba, do Sargenteli, na Paulista, ou o Cartola, na Brigadeiro!) e até boas lojas era o que não faltava no eixo da Paulista, permitindo que vivêssemos por ali sem necessidade de procurarmos outros locais.


Parque Trianon – bancos em seu interior

Tinha também o Parque Trianon! E a, apenas, uma quadra do meu apartamento! Pedacinho de mata atlântica incrustrado na Avenida Paulista. Nos finais de semana, quando não viajava, costumava pegar o meu jornal e ir lê-lo, tranquilamente, sob a refrescante sombra das árvores do Trianon. Por ali corriam crianças, protegidas pelas mães ou babás, que conversavam animadamente enquanto os pequenos brincavam a salvo da violência que, hoje, nos colocou, no papel de prisioneiros em nossas casas. O parque, limpo e bem cuidado, com discreto policiamento, mais no sentido de impedir a permanência de vadios e mendigos, do que de prevenir atos agressivos, quase inexistentes por ali – naquela época.


Belvedere Trianon, sobre o Túnel 9 de julho

O Parque Trianon foi inaugurado em 1892 com a abertura da Paulista. Mesmo mantendo a exuberancia tropical, foi desenhado como os jardins ingleses e suas alamedas sinuosas. Em 1916 foi construido o Belvedere, em frente ao parque, que acabou demolido em 1957 para dar lugar ao MASP. Nessa época, Burle Max deu-lhe a aparência atual. Em seu interior, além da única reserva remanescente de mata atlântica, possui belas esculturas, como o Fauno de Brecheret, chafarizes, locais de recreação infantil, um viveiro de aves e sanitários públicos, sendo o
único refúgio natural de lazer e descanso bem no centro da agitação da Paulista.
Ah! Essa saudade gostosa que, no outono de nossas vidas, nos acalenta trazendo lembranças de outros tempos, de outras pessoas, algumas já do outro lado desta nossa vida transitória! Essa saudade gostosa que nos leva a passear pelos locais que nos acolheram em nosso passado que se torna quase nosso presente durante essas viagens de recordação e até mesmo de reconciliação! Se pensarmos bem, muitas vezes, sentindo-nos poderosos e invencíveis, não dávamos aos atos e acontecimentos todo o valor que lhes damos quando ressurgem em nossas lembranças. Mas também essa aparente inconsequência da juventude foi importante na formação dos seres que somos hoje, ajudando-nos com os erros e acertos, a adquirirmos a experiência que hoje nos permite essas deliciosas viagens ao passado.

Parque Trianon – Aretusa, escultura de Francisco Leopoldo da Silva

E algumas vezes, os lugares recordados, como é o caso do Parque Trianon, continuam lá, à espera de nova visita, prontos para nos acolher e embalar nossas viagens de boas lembranças.
Em minha próxima ida a São Paulo, procurarei não deixar de reservar um tempinho para, como em outros tempos, sentar-me nos bancos do Trianon e ficar por ali, usufruindo aquela mata verde, a tranquilidade das tortuosas alamedas, a alegria das crianças que, creio, ainda brincam por ali.
Sei que, nesse dia, estarei retornando no tempo uns trinta anos e vendo, praticamente as mesmas coisas, com o olhar mais experiente e os sentimentos embalados pela saudade.


Por Zeca Paes Guedes

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Carne Loca

Nas interações de um aprendizado tardio, vez ou outra, quando o tempo permite e a paciência de minha mulher, idem, tento descobrir alguns segredos da cozinha, junto a Myrtes.

Ajudo sempre na confecção da "carne loca", que a grande maioria das pessoas conhecem por esse nome o lagarto, peça de carne bovina de formato oblongo, com um quilo e meio, mais ou menos. Depois de cozido ou assado, é fatiado com temperos diversos, a gosto da cozinheira e servido, de preferência, frio em sanduíches ou acompanhado de arroz. Minha função é fatiar com o fatiador elétrico.

Um dia destes, a Myrtes resolve fazer uma "carne loca" (eliminei o "u" por ser melhor pronunciado e, depois, a carne é minha, chamo como quiser, já que mexeram na ortografia, a liberdade me permite...). Prepara a peça e, em dado momento, faz um bu
raco bem no meio da carne, no sentido horizontal. Ouviu de um programa de receitas (acho que foi da Palmirinha, uma noninha muito simpática) que, introduzindo uma linguiça calabresa defumada no orifício, dá um sabor muito apetitoso.

Enquanto preparava a carne, eu estava ao seu lado, pediu-me que buscasse a linguiça na geladeira. Peguei a peça e ela olha pra mim e diz: “Mô, não é essa, é aquela que está no freezer, dura”. Pego a dita, ela me olha, de novo e explica: “Pra entrar melhor e atingir toda a peça do lagarto, a linguiça precisa estar bem rígida, bem dura, senão entorta no percurso”. Olhei nos seus olhos e disse: “Isso é direta ou indireta?”. E ela caiu numa gargalhada só...

Por Modesto Laruccia

Folha de São Paulo


dados extraidos de: http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/historia_folha.htm

Fundada em 1921, a Folha é, desde a década de 80, o jornal mais vendido no país (no ano passado, a circulação média foi de 302 mil exemplares em dias úteis e 365 mil aos domingos). O crescimento foi calcado nos princípios editoriais do Projeto Folha: pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência. Organizado em cadernos temáticos diários e suplementos, tem circulação nacional. Foi o primeiro veículo de comunicação do Brasil a adotar a figura do ombudsman e a oferecer conteúdo on-line a seus leitores.

A história da Folha começa em 1921, com a criação do jornal "Folha da Noite". Em julho de 1925, é criado o jornal "Folha da Manhã", edição matutina da "Folha da Noite".
A "Folha da Tarde" é fundada após 24 anos. Em 1º de janeiro de 1960, os três títulos da empresa se fundem e surge o jornal Folha de S.Paulo.
Conheça agora a história da Folha de S.Paulo, dos primeiros passos até a liderança na imprensa nacional.

Década de 60

A Folha é pioneira na impressão offset em cores, usada em larga tiragem pela primeira vez no Brasil.

Década de 70

É criado o Banco de Dados de São Paulo, que abrange os arquivos de foto, texto e a biblioteca da Folha.

Década de 80

Macintoshs são postos na editoria de Arte para produção de mapas, quadros, tabelas, gráficos e ilustrações.

1990

Em fevereiro, são introduzidas as paginadoras Harris, que permitem a montagem eletrônica das páginas do jornal, eliminando o processo manual de paste-up.

2000

'FolhaWAP', a internet para telefones celulares.
Por Sonia Astrauskas

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Meus amigos voltaram

Fui com o “nonno” e “nonna” à Cidade!...

1954 – Em uma manhã de sábado, depois de muitas compras na Rua Direita, seguimos para a Praça João Mendes, rumo a Padaria Santa Teresa. Por eu ter sido muito bonzinho e obediente, eles deixaram que eu comesse duas tortinhas de creme, enfeitadas com morangos. Depois entramos na Igreja de São Gonçalo, onde vovó acendeu uma vela para o Santo e sentamos para descansar. Meia-hora depois, estávamos passeando pela Praça. Justo no momento em que o vovô apontava o local e lamentava-se com vovó a demolição da Igreja de N. Srª dos Remédios (demolida em 1943) que ali ficava, eu os vi, lá no fim da Praça, em direção da Rua Tabatinguera. Movido por aquela necessidade infantil de se confraternizar, interagir com outras crianças, larguei a mão da minha avó e corri até eles.
Foi assim que eu conheci aqueles meninos: um engraxate e outro, jornaleiro que pararam ali, para contar a féria do dia...

As décadas


E, contando a féria, os meus amigos se eternizaram naquele canto da Praça (Permaneciam ali, mesmo quando desapareceram por uns tempos). Eu criança, eu adolescente, eu maduro. Mudei, mudei, mudei. “Tempus fugit!” – “O Tempo foge”, dizia meu professor, no sentido de que ele passa tão rápido...
Mas, o tempo não passou para os meus amigos. Não mudaram. Continuam os mesmos, do mesmo jeito que eu os conheci. Estão lá, cristalizados em uma tarde fria qualquer de São Paulo, a contar suas parcas moedas.
Cena urbana obscurecida pela miséria, tragédia humana. O engraxate com a caixa e seus apetrechos, um menino negro; o jornaleiro ambulante com seus jornais, um menino branco. Frutos da escravidão e imigração – fatalismo... Mas há um lampejo de esperança que se revela no sorriso e no braço do jornaleiro amparando o engraxate; no aconchegar-se confiante do engraxate junto ao amigo, sente-se a solidariedade. Fraternidade. Sim! Há esperança ainda!

O Século XXI

Daquela Praça, onde estão desde os anos 50, meus amigos viram o alvorecer do século XXI.
Em fevereiro de 2002, uma tempestade violenta devastou a cidade e a Praça João Mendes. Ali, ela derrubou árvores e derrubou os meus amigos do s
eu pedestal. Depois, por pouco não foram levados por carroceiros, como se fossem sucata.
Recolhidos pela Subprefeitura da Sé, desapareceram por uns tempos. Mas, os meus amigos tinham – e têm – muitos amigos.
Interessante como a realidade causa mais inércia do que reação. A memória, as recordações, ao contrário, causam revoluções.
Começou o movimento “queremista” exigindo a volta dos meus amigos. Começam os por quê: Onde está? Sumiu?... Surge a Ação Local João Mendes e coube a Advogada Drª Carmen Patrícia Coelho Nogueira ir atrás desses por quês. E respondeu a todos eles.
Em 2007 meus amigos são restaurados pelo Patrimônio.
Em 2008 os meus amigos, novinhos em folha, voltaram ao seu pedestal. A Praça festejou, os amigos e povo festejaram.
Ah! A memória de doces lembranças. Festejamos a volta daqueles meninos que nunca partiram. Pois, naquele lugar permaneceram suas auras à espera do corpo físico.
E lá estão eles agora, dando vida ao Centro-histórico e à Praça. Eternamente contando a féria numa manhã fria da Paulicéia. As mesmas roupas ant
igas e largas, do tipo “o defunto era maior”, um com o velho chapéu desabado; os dois com pesados casacos e os pés descalços que certamente deixaram suas marcas nas frias e úmidas calçadas da velha São Paulo da garoa.
Até o sisudo Dr. João Mendes, agora de volta ao seu pedestal, parece sorrir, dando-lhes as boas-vindas...
Meus amigos, meninos das ruas. Esperança.
Tão diferentes dos agora, meninos de rua. Desilusão...

Homenagem

Fica aqui a minha homenagem ao pai dos meus amigos, RICARDO CIPICCHIA (Roma, 1885 – São Paulo, 1969). Se ele não existisse, eu não teria tido o prazer de conhecer o engraxate e nem o jornaleiro. Não teria me maravilhado com O Índio E O Tamanduá (Praça Marechal Deodoro) e nunca teria me alegrado tanto com a visão do “ensebado” A Pega Do Porco (Ibirapuera).


Por Wilson Natale

Memórias de uma palavrão


imgens: Nydia Licia; Marcelo Gastaldi; Osmar Prado

Sou hoje um ex ator frustrado, mas, tenho ainda, minhas boas lembranças dos palcos que pisei.
Lembro-me que um dia, lá atrás, eu com o “fantástico” cargo de Diretor Artístico do G.A.T.O. (Grupo Amador Teatral Ozanam) do Colégio Comercial Frederico Ozanam, que muito me orgulhava, fui cientificado que a famosa Nydia Licia, naquela altura uma das grandes damas do teatro nacional, estava promovendo testes para formação de um novo espetáculo.
Não tive dúvidas. Junto com mais alguns membros do meu grupo, inclusive Maria do Carmo Seraphim, que era por mim considerada como excelent
e, fomos bater às portas do antigo Teatro Bela Vista.
Lá chegando, fomos atendidos por um senhor gordo e muito simpático, era ele o Sr. Renato, Gerente Administrativo do teatro. Ciente do motivo que nos levara até lá, nos encaminhou, de imediato, para o Alceu Nunes que, depois de nos fazer preencher uma ficha de inscrição, solicitou que retornássemos no sábado seguinte para fazer testes.
Ganhamos a rua bastante eufóricos e assim permanecemos até a data pré-estabelecida para o tão esperado teste.

Chegou o dia. Fomos admitidos no recinto onde vários candidatos permaneciam esperando o início da sessão. A aflição, o medo, a angústia deixavam nítidas marcas no rosto de todos.
Observando-os mais atentamente víamos gestos comuns a todos, mãos postadas, para diminuir o tremor, falta de melhor acomodação nas poltronas, risos nervosos.
De repente, não mais que de repente, acendem-se luzes na ribalta e surgem no palco a dama Nydia Licia, Alceu Nunes e mais um homem que ficamos sabendo, era o ator e diretor Libero Miguel.
Dona Nydia,então falou, explicou que estávamos todos ali para dar início ao projeto do Teatro da Juventude.
Explicou o intuído do projeto e, sem mais delongas, deu início aos testes. Foi chamando os candidatos, pedindo que lessem um texto previamente selecionado, depois representassem um trecho de um monólogo ou recitassem uma poesia.
Na minha vez, de tão nervoso, fiz tudo o que me pediram, mas não me lembro, até hoje, o que foi que pediram e, lógico, o que foi que fiz. Sei apenas que devo ter convencido, pois, ao final da sessão de testes, eu estava entre os selecionados e tinha como pares, nada mais, nada menos que Osmar Prado, Marcelo Gastaldi, e a Tuca.
Foram diversos dias de ensaio e de muita união. Minha admiração e respeito por Nydia Licia cada dia aumentava.
Enfim é chegado o dia da estréia.
Nas coxias, todos os membros, devidamente maquiados, esquentavam as vozes, corriam para uma última visita ao sanitário (coisa inevitável), eis que somos visitados, novamente, por Nydia Licia que nos reúne, dá mais um empurrão de confiança e, ao final, olhando nos olhos de todos diz: -“Bem, vamos para a cena e, MERDA para todos.”.
Um balde d’água caiu sobre minha cabeça. A diva do teatro usando palavra tão vulgar e de baixo calão?
Mesmo parcialmente decepcionado, não me permiti abatimento, fui para o palco e fiz a minha parte.
Depois, longe da repercussão dos elogios pelo desempenho de todos, recuperado da emoção provocada pelos elogios da Nydia, do Alceu e do Libero pelo sucesso da estréia, voltei a pensar no assunto e naquela palavra até então, para mim, bastante ofensiva.

Questionei o Alceu e ele, depois de sonora gargalhada, fez pose de mestre e me disse:
- Jovem companheiro, nos primórdios do Teatro, o público dirigia-se para assistir um espetáculo teatral usando como condução os coches, os tilburis, os cabriolés e outros que tais. Lógico, apeavam de seus veículos à porta do Teatro, em consequência, esse portal ficava coberto do estrume dos animais que tracionavam esses veículos. Para os atores, quanto mais estrume à porta, melhor era o resultado da bilheteria. Então apalavra MERDA passou a representar uma forma de augúrio e de expressar o desejo de muito sucesso.
Pronto, a decepção desapareceu e, daí em diante, sempre que aguardava o início de uma representação, fiz questão de dizer em alto e bom som: "MERDA PARA TODOS!"

Por Miguel S. G. Chammas

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Cantina Capuano

O nonno das cantinas paulistanas, Angelo Mariano Luisi, garante aos frequentadores da Capuano, na Bela Vista, um lugar único. Ir à sua casa é como visitar um parente que havia muito não encontrávamos e que, por isso, recebe com um prazer transbordante.

A cantina ostenta com orgulho o título de mais antiga em atividade de São Paulo. Fundada em 1907 pelo imigrante calabrês Francesco Capuano, mudou de mãos 54 anos depois, comprada pelo casal Angelo e Angela Luisi, que chegou ao Brasil em 1949 como parte do grupo de italianos que buscou construir a vida fora da terra natal, cuja economia fora abalada pela recém terminada II Guerra Mundial (1939-1945).

As paredes da Capuano contam, através de imagens, a crônica da vida de Angelo. Na
Itália e em São Paulo. De suas paixões: a Roma e o Palmeiras, que ele continua chamando de Palestra Itália... São fotos de formações históricas do clube em 1938 e 1942, que mostram ídolos como Gabardo, Romeo, Ari Imparato, da esquadra de 1930/1939, e também do começo dos anos 1940, entre eles Zezé Procópio, Og Moreira, Cabeção e Lima. As escalações estão marcadas a lápis, no verso das fotografias.

Há também flâmulas e ingressos de jogos da Roma, e muitos recortes de jornais e revistas com reportagens feitas sobre a cantina e Angelo. Uma delas, fala de sua participação na novela Terra Nostra, em que tocou seu clarinete no capítulo de abertura. "O autor, Benedetto (Benedito Ruy Barboza), é mio amico."

Entre histórias, de vida e da bola, gnocchis e capelettis como os que fazia a minha avó Nera, a Capuano impõe a simplicidade como um estilo de recepção. E sonha. "Seria belo ver la Azurra in nostra casa no Mondiale de Brasil", diz Angelo. "É pena que la mia Angela no va ver questo. Ela partiu fa cinque anni e me deixou um buraco no peito."

Por Laer Passerini