quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Uma tarde no Tatuapé

Imagem: Largo Nossa Senhora do Bom Parto - Tatuapé

Alguns dias atrás fui levar minha mulher na cabeleireira (“Hair Stylist”, que é mais “chique”), que fica no Tatuapé.  Para mim, que moro no Butantã, foi uma viagem de turismo.
Deixei-a lá e perguntei em quantas horas deveria voltar para buscá-la.
 – Umas 2 horas, respondeu. 
Como a percepção masculina e feminina de tempo são naturalmente diferentes, calculei que em 3 horas ela estaria pronta.
Saí então, a pé, pelas redondezas da Euclides Pacheco. Auxiliado pelo “Google Maps” descobri que a umas 6 ou 7 quadras dali havia uma pracinha (o Largo N. Sra. do Bom Parto) onde poderia sentar e terminar de ler “A Amiga Genial”.
E lá fui eu, curtindo a tranquilidade (quase) interiorana da Rua da Saudade, da Guatacaba, da Dona Cândida, até chegar ao Largo. Só essa denominação, “Largo”, já dá idéia de um lugar aprazível, diferente de “Praça”, que remete a comércio, agitação, correria...
Dei uma volta, passando por uma EMEI, com a típica gritaria da criançada que saia para algum passeio de ônibus, quando fui atraído pelo cheirinho de pêssegos, abacaxis e mangas, que exalava de uma multicolorida banca de frutas, ao lado, que perfumava até a calçada.
Pedi um suco de graviola e fui sentar mais adiante, sob as enormes árvores, aonde já se encontravam vários “colegas” da 3ª. idade, aproveitando a sombra naquela tarde ensolarada e calorosa para “compadrear” e jogar damas e dominó.
Mal tinha tomado meu suco (e jogado o copinho numa das várias lixeiras, pois o Largo é bem limpo e cuidado) e retomado a leitura, quando ouvi, atrás de mim, uma conversa entre dois ou três “parceiros”:  um deles explicava que um filhote de sabiá havia caído do ninho, e estava preso a uns galhos, logo abaixo, mas ainda assim muito no alto, e sob o olhar preocupado da mãe.
 – Se deixar ali ele pode cair e se esborrachar no chão, dizia um.
 – Ou anoitecendo, pode vir um gato e aproveitar para jantar, dizia outro.
E assim seguia a conversa, avaliando as possíveis consequências de deixar o filhote aonde estava, ou da conveniência de tirá-lo de lá.
Tudo isso enquanto as pessoas passavam para ir ao banco, ou à sorveteria artesanal, em frente ao Largo.
A conversa acabou se tornando momentaneamente mais interessante do que o capítulo do livro e, lógico, a minha curiosidade sobre o desenrolar da epopeia tornou-se irresistível.
Tanto discutiram que chegaram à conclusão que deveriam tirar o filhote de lá e deixá-lo numa caixa (esse foi outro ítem da discussão), num galho que possibilitasse à mãe sabiá exercer sua vigilância “anti-gatos” mais de perto.
Decisão tomada, um foi buscar uma escada, outro a caixa (devidamente forrada com algodão e algumas folhas secas apanhadas do chão), e iniciou-se o processo de “salvamento”, que atraiu mais 5 ou 6 “parceiros”, que deixaram as damas e os dominós para “palpitar” sobre as melhores técnicas para subir na árvore e mexer com o bichinho, o que durou mais uns 20 minutos.
Salvo o sabiá, todos um pouco mais felizes (principalmente eu), retornei para buscar minha mulher, certo de que havia presenciado uma raridade nesta metrópole de correria, stress, “hair salons”, mas que ainda tem lugares aonde as pessoas curtem a tarde com os amigos, debaixo das árvores de um Largo com ares interioranos, jogando damas ou salvando passarinhos...
PS – cheguei ao salão depois de 3 horas e pouco, e esperei só mais 15 minutos pela minha mulher.


Por Wilson Colocero

4 comentários:

Memórias de Sampa disse...

Olá, Wilson!
Seja bem vindo ao blog!
Chegou, chegando... Com uma história pra lá de bacana, mostrando o retrato de um bairro bem tradicional de Sampa e que, também, pode nos proporcionar um dia tranquilo, numa praça, com transeuntes, leitura, fatos corriqueiros e ao mesmo tempo surpreendentes.
Adorei sua história e espero mais delas.
Obrigada.
Muita paz!

Sonia Astrauskas

Teresa disse...

Olha só! Quem é vivo sempre aparece! E, melhor, contando uma história de São Paulo; não a São Paulo de todos os dias, mas a São Paulo bucólica, com largo, árvores, pássaros e aposentados jogando dominó. Uma bela história mostrando como salvar um sabiá e como podemos ainda nos salvar da loucura da nossa cidade. Parabéns pela sensibilidade.

Anônimo disse...

Wilson "Bolinha" Colocero, quanto tempo ainda vou ter que te ouvir dizer que não sabe escrever? Depois deste texto , escrito com toda a suavidade d'alma e toda a capacidade de observação e detalhamento demonstrada. Não mais posso aceitar desculpas esfarrapadas. Saia do comodismo e ponha mãos à obra garoto.E, antes de encerrar este comentário sÓ preciso dizer: PARABÉNS!

Luiz Saidenberg disse...

Uma bela história, Wilson. Já salvamos muitos bichos também, inclusive pássaros- sabiá, rolinha, sanhaço, chopin, tico tico. Enquanto houver gente como de sua história, há esperanças para a humanidade.
Parabéns.