Amo a Cidade
de São Paulo incondicionalmente. Não me importa mais se outros a amem ou não.
Eu a amo e basta!
25 de janeiro
de 2014:-
Estou em
minha casa, escrevendo este texto. Fazer o quê no Centro Histórico? “Curtir” o
Pão e Circo? Fotografar? Sentir em cada passante uma infinidade de impressões e
sentimentos, mas não sentir-lhe sequer um átimo de orgulho por ser
paulistano? Não mesmo! Fico aqui escrevendo em forma de memória as desmemorias
de São Paulo... E ainda amargando a desmemoria da edilidade com
relação ao centenário do Viaduto Santa Efigênia (1913-2013).
Mas, antes de
falar do monumento mais antigo de São Paulo que, neste ano de 2014, completa
200 anos, a minha memória insiste, inferniza: “Já que o assunto diz respeito ao
“Bixiga”, mesmo que não seja um monumento bicentenário, você tem que falar
dessa tradição nascida da paixão popular por esta cidade”.
Já que a
memória insiste, vamos lá.
Essa
tradição, “bixiguense” com muita honra, nasceu tímida.
Resolução
tomada, “mammas” brancas, negras, mestiças e algumas padarias do bairro,
começaram a fazer UM BOLO PARA SÃO PAULO.
No meio da
rua, algumas mesas, unidas uma à outra, um bolo enorme que tomava toda a
superfície delas e os convidados – o povo do “Bixiga”, todos os paulistanos e
os paulistas ou não, viessem de onde viessem.
Em pouco
tempo a festa de aniversário de São Paulo virou tradição popular e, a cada ano,
as mesas e o bolo aumentavam um metro no comprimento, acompanhando a idade da
cidade. Virou atração turística!
Era uma
loucura feliz! A multidão reunida em volta da mesa imensa, com suas sacolas,
panelas, “tupperwares”. A um sinal, o bolo era atacado com as mãos. Em pouco
tempo ele “evaporava”, restavam apenas migalhas sobre as mesas anexadas e
migalhas e glacê nos beiços da criançada. Viva São Paulo!
Mas, como
todo o paraíso tem sua serpente de tocaia, sabe-se lá porque, deitaram “olhos
gordos” sobre a festa. Ela passou a ser um evento no catálogo oficial. E o bolo
do aniversário da cidade passou a ser feito pelos confeiteiros do SESI.
Um belo dia,
sem mais, nem menos, talvez por desentendimentos, o SESI deixou de fazer o
bolo. E agora, José? A festa acabou e você não viu! Não viu a tradição popular,
“bixiguense” e paulistana mais importante da cidade agonizar e morrer.
E agora,
Natale? Você não viu? Não viu e nem comerá, ao menos com os olhos, o bolo de aniversário,
de 460 metros que não foi oferecido a São Paulo...
Memória
satisfeita, eu volto ao bicentenário monumento e ao coração do
“Bixiga” do início do século XIX.
No século
XIX, o Brasil muda. A família real muda-se, primeiro para a Bahia, e depois,
acomoda-se no Rio de Janeiro, onde é instalada a nova metrópole. Deixa também
de ser vice-reino e transforma-se em reino: Reino do Brasil, Portugal e
Algarves.
É nesse contexto
que a cidade de São Paulo começa a mudar e, paulatinamente, a se embelezar.
E grandioso
foi o Capitão General e Governador, o Marques de Alegrete que com mãos de ferro
governou a cidade e a província. Fez funcionar a máquina pública acercando-se
de funcionários competentes e interessados em fazer dessa cidade a melhor.
E a cidade
teve tantos benefícios e “alindamentos benéficos a se ver”.
O Senhor
Marques beneficiou tanto a cidade e seu povo que, pela vontade popular,
o Engenheiro e Marechal Daniel Pedro Muller projetou uma Memória (Padrão
de pedra que memoriza um fato, uma figura ilustre para a posteridade.) para
perpetuar a obra desse governador.
Aprovada a
obra, escolheu-se, como local, uma elevação sob a Rua do Paredão (atual Xavier
de Toledo), entre a Ladeira do Piques (atual Ladeira da Memória) e a Ladeira
dos Pinheiros (depois Ladeira da Consolação e atual Rua Quirino de Andrade). E
ali se construiu, em pedra de cantaria, o obelisco ou pirâmide do Piques, como
diziam os antigos paulistas, com uma inscrição e a data 1814. E o local não
serviu apenas à justa homenagem. Em benefício do povo se construiu também um
chafariz público (o chafariz sobreviveu até o início do século XX)
E o Largo do
Piques, por uns tempos chamou-se Largo da Memória, depois voltou a ser do
Piques, mais tarde Largo do Bexiga, Largo do Riachuelo (atualmente parte sul da
Praça da Bandeira).
Mas, ainda
hoje o pequeno largo que o circunda chama-se da Memória. Mas a Pirâmide ainda é
do Piques.
No século XX
a cidade dia-a-dia vai sofrendo mudanças radicais. A paisagem humana e urbana
vai-se modificando num piscar de olhos. No início dos anos 10, há uma
necessidade cívica de preparar a cidade para o evento de 1922, o centenário da
Independência. Afinal, foram os paulistas que deram ao Brasil o tamanho que ele
tem! Aqui, nestes chãos, quis o destino que se fizesse a Independência! Nestes
chãos o Brasil se fez Nação!...
E nesse afã
de deixar linda a cidade, em 1919, houve por bem restaurar o obelisco e
reformar totalmente o Largo da Memória. Primeiro porque se descobriu que o
monumento era o mais velho de São Paulo e já centenário. Segundo porque o Largo
do Riachuelo à sua frente estava todo modernizado com construções novas.
Então, graças
ao projeto do Engenheiro Victor Dubugras do Artista plástico Wasth Rodrigues, o
Largo da Memória tem a mesma aparência que sobrevive até os nossos
dias. Mesmo degradado, em meio à imundície, nos seus duzentos anos de
existência, parece que a Pirâmide insiste em sobreviver somente para acusar e
ironizar. E bicentenária que é será sempre dela a gargalhada final.
Eu explico:
Escrevi acima
“uma inscrição e a data 1814”. A omissão foi proposital. Sem ela não haveria o
nosso riso irônico ou a nossa gargalhada final.
Vejam vocês
que, em algum tempo entre os cem anos de vida da Pirâmide do Piques e a reforma
de 1919, sumiu a inscrição e a data. Depois da reforma colocaram apenas uma
lápide com a data 1814.
Mas, em um
velho livro, de1865, da biblioteca da Faculdade de Direito de São Francisco
descobri a descrição da Pirâmide do Piques e a sua inscrição original.
Aqui vai ela:
“AO ZELO DO BEM PUBLICO”
ANNO DE 1814
Será que os tantos políticos “zelosos”, que existem por ai, vão cuidar
desse monumento que é o mais velho de São Paulo?... Talvez não. Afinal eles têm
tantos bens públicos para “lesar”. Ops! Eu quis escrever “zelar”... (risos)
Por Wilson Natale