segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Memórias de um Silêncio


Música: Ave Maria, de Gounod - com Jessye Norman (para ouvir, clique no play)

Domingo chuvoso. Estou sozinho.
A TV ligada mostra o burlesco programa do Faustão, e o som dela emanado preenche  os espaços vazios do ambiente.
De repente, não mais que de repente, as notas de uma melodia chegam aos meus ouvidos desatentos.
Procuro prestar mais atenção e reconheço os acordes. É a Ave Maria de Gounod.
Meu coração, tão cansado de apanhar, começa a bater em ritmo de triste lembrança.
Adoro essa Ave Maria. Ela me traz uma calma triste, ou será uma agitação melancólica?
Não sei explicar,  apenas  sei sentir; e sinto.
Será que o clima natalino propiciou essa nostalgia exagerada? Não sei. Só sei que, ouvindo os acordes dessa Ave Maria, senti meus olhos marejados.
Forcei uma piscada mais prolongada para, quem sabe, derrubar o excesso lacrimal em meus olhos, foi em vão, as lágrimas teimaram em minar uma a uma e, lógico, rolarem dessa mesma forma por sobre minha barba já acumulada por dias sem um efetivo escanhoamento.
Busco, lá no âmago do peito, encontrar uma justificativa plausível para esse surto de nostalgia.
Será o excesso de decepções acumuladas nos últimos dias?
Será a falta absoluta de uma reserva de fundos para fazer frente às necessidades básicas?
Será a ausência de entes amados que, por falta de possibilidades ou interesse, cada vez mais se distanciam?
Será o peso inevitável dos anos que a cada dia maltrata meu corpo?
Será que a cada dia aumenta mais a minha decepção com a vida?
Que será? Que será?
Estanco o pensamento e busco ouvir, no silêncio, a resposta dessa indesejada angústia.
Nada...
Apenas  e tão somente a suavidade das notas musicais da peça de Gounod paira no ar e sufoca meu coração.
As lágrimas continuam a brotar, as lembranças, boas e ruins, surgem em borbotões (ou serão golfadas?), a tristeza se acomoda cada vez mais em minh‘alma.
Desisto. Abro mão de buscar justificativas ou soluções.
Calo-me!
Fecho os olhos e aguardo a dissipação desse momento indesejado.
Sei que ele irá passar  e apenas sobrarão os rastros dessa sensação estranha e angustiante.
Aguardemos, pois.
Silêncio!




Por Miguel Chammas

6 comentários:

Soninha disse...

Olá,Miguel!

Belo texto, mas você está esquecendo de que nem só de passado é que vive. O Passado é fundamento, mas o presente é dádiva de Deus e as pessoas que fizeram parte do passado, ficam em nossa lembrança, mas nem todas elas se lembram de nós, pois cada uma tem sua própria vida que cuidar e dar continuiodade.
Se os entes queridos nos esquecem, tem muitas outras pessoas que se lembram sempre de nós e que são tão ou mais importantes que aquelas. Tem gente por aí que não tem abraço nunca, pois a sociedade se esquece delas. Que tal sair e dar um abraço no mendigo esquecido na sarjeta? Que tal dar um abraço nas crianças ou idosos que jazem em leitos de hospitais? Que tal dar um abraço nas pessoas que estão diaraiamente na sua frente, sejam eles familiares, amigos, colegas de trabalho, comerciantes, etc?
Pense bem, junto com esta canção que tanto te emociona.
Feliz Natal! Muita paz!

Teresa disse...

Miguel, a emoção da Ave Maria é uma bênção. Pior seria se você, depois de todas as decepções (como você mesmo disse) estivesse insensível a essa beleza. E como disse a Sonia, se os entes queridos nos esquecem, outros se lembram sempre de nós. Às vezes nem dá para estar perto, nem dá para ligar, nem dá para mandar uma mensagem, mas o pensamento, com certeza, está ligado. Há sempre o encontro, o desencontro, a separação, mas a lembrança sempre fica.

Bernadete disse...

Amigo, Diz um velho ditado, que é melhor um vizinho ao lado que um um parente longe. Eu como amiga, gostaria de estar perto e dividir minhas castanhas com você, mas como não posso,saiba que você está na minha árvore,dos amigos inesquecíveis.
Maria..Ora pro nobis...Amém.

Myrtes e Mo disse...

Miguel... Miguel... Vc simplesmente está de acordo com o processo de "per piaccere, non ti'scordare di me". Com Gounot de fundo, uma Ave Maria que arrebata qualquer alma machucada, a tristeza se apresenta deixando sua melancolia embriagada, frágil condição de prostração física. Porém eu estou aqui, fazendo suporte de sustentação que o bom amigo sempre merece. Não pense nos que estão te esquecendo e nem nos que, ainda que precariamente, ainda se lembram de vc. Pense somente em VOCÊ, não deixe a profunda nostalgia tome conta de sua alma. Se a música te trouxe este estado melancólico, transforme essa linda melodia num arranjo moderno, vc entende de música e sabe, como poucos "criar" um conjunto instrumental com acordes modernos e alegres, como Maria gosta de ser lembrada. Assim vc fará, dos mesmos instrumentos de que vc foi "vitimado", se transforme num lenitivo pra sua triste situação. Saia já, deste torpor, sinta a alegria da vida, vá até a janela, veja o horizonte marítimo dando sinais dos tempos presentes, sempre acolhedores. Vc tem bastante motivos pra vencer esse momento de inanição.
Que o ano de 2014 venha com sinais de transformações e renovações, é o meu desejo... não... não... é a minha EXIGÊNCIA pra vc, "caríssimo fratelo, sai che io te voglio bene, assai, alora... AUGURI!".
Myrte e Mo.

Arthur Miranda disse...

Miguel, eu acho que chega um momento em nossas vidas que sentimos saudades do infinito, pois o infinito é o local de onde viemos e para lá votaremos, depois de viver essa diversão e distração terrena, acredito que seja isso mesmo, saudades do infinito de lá viemos e para lá voltaremos um dia. Acredito que seja igual a vontade e a saudades que sentimos do lugar que nascemos, da escola que estudamos e dos amigos que tivemos. fica sempre dentro de nós uma vontade imensa de rever tudo isso do nosso passado aqui na terra. Assim as vezes nos da uma saudade imensa do infinito espiritual de onde viemos e essa saudades nos entristece, pois para matar essa saudades só deixando essa vida, e isso muitos não conseguem aceitar, e então vem a tristeza e a melancolia. Aí cai bem a oração da serenidade muito conhecida nos grupos de AA ( Alcoólicos Anônimos) .

Concedei-nos, Senhor, a Serenidade necessária
para aceitar as coisas que não podemos modificar,
Coragem para modificar aquelas que podemos,
e Sabedoria para distinguir umas das outras.

Feliz Ano Novo querido amigo
do Arthur Miranda

margarida disse...

Miguel também gosto da Ave Maria e me emociono com ela, mas cante esta, quem sabe a tristeza vá embora. Busque aquela força escondida que existe dentro de você e cante com toda força. Um feliz ano nov pra você e Soninha.

Tristeza
Por favor vai embora
A minha alma que chora
Está vendo o meu fim

Fez do meu coração
A sua moradia
Já é demais o meu penar

Quero voltar aquela
Vida de alegria
Quero de novo cantar

la ra rara, la ra rara
la ra rara, rara
Quero de novo cantar