quarta-feira, 24 de julho de 2013

O mais longo dos dias (dentro de um cinema)


imagem enviada pelo autor, sem legenda

Houve um momento em minha vida que cinema era mais sagrado do que missa.
Aos 14 anos de idade já estava em processo de rompimento com a igreja pela falta de respostas às minhas perguntas ou a não divulgação das verdades desejadas.
Depois de estudar em colégio de padres e pela obrigatoriedade em assistir missas todos os domingos, acabei achando tudo meio sufocante.
Sempre tive um lado espiritual forte dentro de mim, mas que esbarrava nos dogmas e ainda ter que engolir a tudo de modo obrigatório.
Frequentava então as missas da paróquia de São Dimas na Vila Nova Conceição. Mas o que era imperdoável eram os comentários jocosos das beatas sobre as roupas repetidas e risinhos de deboches todos os domingos.
Tal comportamento acabou por me levar a romper com essa rotina.
Estudei na Escola Meninópolis (Brooklin) e no Colégio São Alberto (perto do Paraíso). Tentando buscar respostas acabei por encontrar novos caminhos... 
Morando no bairro de Vila Nova Conceição, éramos bem servidos no quesito de cinemas.
Eram cinco salas de exibições ao largo da mesma avenida: Cine Graúna -1960 (depois Chaplin), Cine Guarujá (depois Excelcior), Cine Bruni Vila Nova-1966 (depois Cinelândia II), Cine Vila Rica -1963 (depois Del Rey) e Cine Radar. No Brooklim havia ainda o Meninópolis e na Joaquim Floriano, o Cine Iguatemi.    
Ao entrar adolescência, não perdia uma matinê aos domingo. Com tal variedade de salas, dava até pra escolher.
Nessa época, os meninos andavam à caça nas matines especificamente para arrumar alguma namorada. Tentar era parte do jogo. Os resultados nem sempre eram satisfatórios.
No escurinho do cinema todos os gatos são pardos, então a ordem era atacar, enrolar ou puxar conversa mole e aproveitando para oferecer Dropes Dulcora ou Mentex para suavizar qualquer hálito. Se o papo colasse, era meio caminho andado. Quanto mais vivência, melhor era o aprendizado. A ordem era arriscar sob pena de ficar sozinho.
Com os hormônios fervendo éramos levados avante quase que sem perceber
Era a época da aproximação em relação às garotas e vive versa.
Garotas e garotos tinham seus medos e receios, mas também tinham vontades e desejos. Era a energia parecido com um imã.
Iniciada a sessão, o escuro dentro do cinema pouco dava pra perceber algum tipo de beleza. O que valia mesmo era a paquera. Uma gracinha bem colocada poderia render o céu é o infinito. Uma palavra mal colocada colocava tudo em risco.
Hoje sabemos que o bom humor é a chave na paquera.
Aceito a gracinha, era o sinal verde quase que imperceptível para seguir adiante...
Perguntas sobre o nome, onde moravam e estudavam, se estava gostando do filme ajudavam a pavimentar a conversa. Ficávamos a espreita de algum pequeno sorriso, que hoje sabemos que poderia de incentivo ou nervosismo.
Mas ali nada disso era sabido
Depois de alguma conversa, passava-se a segunda etapa, que era tentar aproximação das mãos.
A procura pelo contato das mãos, calor delas acabavam por misturar as ansiedades.
As tentativas eram muitas. Os resultados eram menores.
Mas quando davam certo, corações quase pulavam de corpo de cada um.
Apertar a mão de uma garota até então desconhecida era empolgante, gerava energia de calor, satisfação e de bem estar.
Nas primeiras vezes, dava vontade de querer parar o tempo e assim permanecer para sempre.
Amigos mais experientes já usavam a técnica de posicionar o braço por cima da cadeira e do ombro da menina.
Mas esse era um passo ainda futuro.
Passávamos o filme inteiro a esperar uma cena de amor para tentar algo mais arriscado, um beijo no rosto ou nos lábios...
Para aquele domingo escolhemos o Cine Excelcior, o filme não ajudava muito, passava Os Dez Mandamentos com 4 horas de exibição, era cansativo, mas dava mais tempo para se fazer diversas tentativas...
A sessão começou às 14 horas e terminaria às 18.
Após muitas tentativas que ocuparam quase 4 horas com poucos resultados, resolvemos ficar para tentar para a sessão seguinte.
Fracasso total, pois o público já era outro.
Ao invés de ir embora ficamos indo pra cá e pra lá sem ter certeza do que fazer.
A lotação do cinema era de 600 lugares. Éramos em 4 amigos.
Depois de muito perambular fomos novamente ao banheiro para fumar escondido.
Saindo do banheiro vimos algo no chão. Era uma carteira que aparentava estar bem gordinha.
A intenção era gritar, mas abafamos nossos gritos após abri-la.
Encontramos uma carteira com quase Cr$ 400,00. A entrada para o cinema custava Cr$ 10,00.
Ao ver tanto dinheiro assim ficamos excitadíssimos.
Resolvermos ficar sentados na segunda fileira para observar se o dono estaria à procura.
Assim permanecemos por mais uma sessão de quatros horas.
Aguardamos calados e ansiosos durante todo esse tempo.
Fomos os últimos sair da sessão ao final dessa sessão que terminou às 22 horas.
Na rua dividimos em quatro partes a grana e fomos para o Chico Hambúrguer na Galeria do Bruni. Hambuguers , milkshakes, bananas splits... Comemos até não poder mais...
Depois compramos cigarros e soltamos fumaças até cansar e ainda sobrou muito dinheiro que ficou para a outra semana...
Mais tarde, disfarçadamente, deixamos a carteira vazia, mas com todos os documentos na caixa do correio do cinema.
Sim, foi errado. Politicamente incorreto. Éramos jovens, imprudente e imaturos, mas foi divertido.
Com o tempo a gente amadurece e toma prumo.



Por Luigy Marques   

7 comentários:

Soninha disse...

Olá, Luigy!

Quem não ficou mais de uma sessão em cinema, não é mesmo?
Mas, foram muito bacanas estas suas declarações, conhecer suas aventuras de adolescente, acrescentando os cinemas antigos de nossa querida Sampa.
Valeu!
Muita paz!

Anônimo disse...

Viajei nesse post. Me identifiquei com tudo mesmo não tendo morado em SP. Muito feliz.
Abração
Yvonne Dimanche

Miguel S. G. Chammas disse...

Luigy, paqueras naqueles tempos eram sugestivas e bastante emocionantes. As minhas, como as suas, eram idênticas. Tive uma "namorada" nos tempos de ginásio que idolatrei por todos os quatro anos e que nunca soube que era a minha eleita. Foi meu primeiro amor platônico.
Agora, pecadilhos financeiros, garanto, tive vários, alguns até se tornaram temas de minhas memórias. Gostei demais do teu texto e me identifiquei muito com ele.

Modesto disse...

Boas lembranças, Luigy, gostei muito de seu relato sobre os cinemas, recordei minhas aventuras nos cines Gloria, Olímpia, Piratininga, Universo, Roxi e os demais da Broadwai-Braz.
Sua sinceridade em contar o capítulo da carteira, foi honrado pelo retardado, porém, positivo, arrependimento em não procurar o dono pelos documentos junto aos valores. Foi, segundo minha observação, uma decisão entre vc e seus companheiros..."se o dono da carteira se manifestar dentro do cinema, sorte dele, vamos devolver-lhe a carteira. Se não..., ficamos com ela, sem peso na consciência. Não vamos ver se ele tem documentos, afinal, não somos bisbilhoteiro. Agora, quanto ao dinheiro, vamos dar-lhe o devido valor...!" (Si non'e vero, e ben trovato) - (Se não é verdade, é bem contado.). Com relação a sua "fuga" das igrejas, vc foi vítima de excesso de doutrina. Tudo na vida deve ser bem dosado, senão...?. Narrativa atraente e bem redigida, Luigy, parabéns.
Modesto

margarida disse...

Luigy, na minha época ir ao cinema era sempre algo surpreendente, mesmo porque meu pai selecionava os filmes que eu podia assistir. Como o cinema Júpiter era muito perto de casa, marcava encontro com os namoradinhos dentro do cinema.Uma delicia relembrar tudo isso através de seu texto. Quanto a carteira foi apenas um deslize, mas que serviu para o amadurecimento. Um abraço.

suely aparecida schraner disse...

Eita! Uma vez morri de raiva,ao perceber que alguém muito atrevido, estava com o braço no meu ombro.Era você? Bom texto. Ativei minha memória.

Zeca disse...

Luigy!

Belo texto que me fez relembrar os tempos da adolescência, com as primeiras tentativas de encontrar uma garota que permitisse segurar suas mãos e - delícia das delícias! - "roubar-lhe" um beijo! Mesmo se rápido, o toque dos lábios era um dos maiores troféus que poderíamos ganhar!
A carteira, nunca encontrei nenhuma, assim, não posso saber o que teria feito. Provavelmente algo parecido com o que você e seus amigos fizeram.
Já com respeito à Igreja, nossas experiências foram bastante parecidas, embora eu tenha sido seminarista por vontade própria e tivesse o desejo de me tornar padre. Mas a (com)vivência com padres e carolas, além da falta de clareza para o esclarecimento das minhas dúvidas também me levaram a procurar outras alternativas.
Muito bom o seu texto! Fiz uma gostosa viagem a um passado já tão distante, mas sempre muito bom de ser lembrado!

Abraço.