sábado, 13 de julho de 2013

O falso progresso




Ao depararmos com a violência que reina nas grandes cidades, (e nas pequenas, também), tem-se a impressão de que vivemos numa época em que o materialismo impera, com tal intensidade que, melhor seria não  ter nascido.
Em outros tempos não havia tantos crimes, assaltos, sequestros, latrocínios, com ou sem a participação de menores. Principalmente em São Paulo. Verdade, isso? Nem tanto.
Se atentarmos, só  com o aumento da população em 50 anos,  a poderosa e imbatível facilidade de informações resultante do espetacular progresso eletrônico, nós, dessa faixa etária podemos, perfeitamente, avaliar o resultado disso na proximidade que se nos depara com a facilidade de comunicar-se via oral, teleobjetiva, transportável, encurtando distâncias que, sendo geograficamente sempre as mesmas, se tornam tão acessíveis, de fácil alcance que tornam o mundo mais pequeno, “menor” do que antigamente.

Faço este preâmbulo em favor da grande e boa parte da população, seja aqui em São Paulo ou em qualquer cidade do Brasil, até mesmo de outros países, que mantém sua dignidade, sua postura, seu comportamento e seu desejo de formar um mundo melhor e mais humano.
Para ilustrar esta posição, como a maioria dos colaboradores deste BLOG, tenho alguns casos pra contar sobre o falso conteúdo de que no passado a vida era bem melhor e mais civilizada, onde imperava o respeito, educação, menos miséria, mais amor, mais alegria enfim, ser feliz custava bem menos.

No meu querido bairro do Braz, quando eu era garoto, década de 40 ou 50, presenciei uma orgia selvagem, protagonizada por garotos da mesma idade que eu.
Eu me conheço muito bem, posso falar do garoto de 8 a 12 anos com muita liberdade e sei dos meus limites, de minha coragem, de minha esperteza, da minha indolência, de minhas fraquezas, da minha gula, dos meus sonhos, fantasias, onde a realidade era um trampolim pra eu alcançar tudo o que eu amava e queria. Sempre tive bons amigos, sempre fui feliz, nunca me deixava levar por atitudes torpes, covardes, mantinha (e mantenho até hoje, graças a Deus) uma linha de conduta onde a maldade não tinha (e não tem) morada.

Gostava, como todo garoto nessa idade, de brincar, jogar bola, “esconde-esconde”, “uma-na-mula” e toda a parafernália de  jogos infantis. Colecionava figurinhas, jogava “bafa-a-bafa”, etc. Difícil entrar numa briga, tão comum nessa idade, tinha medo, não me atraia socar (e levar, também).

Numa tarde, junto com estes garotos, estávamos brincando quando apareceu o “valentão”, o Andó, de triste memória que, dentro dos limites possíveis e imagináveis de um garoto de nossa idade, praticar um mal, voluntariamente, era fácil, pra ele. Nas rodas da turminha, ele “ensinava” como nascia uma criança. Com tenra idade, contava com detalhes todo transcorrer de um parto. Isso na faixa de 7 ou 8 anos. Não acreditei e deixei bem claro que era impossível uma criança sair de “buraco” tão pequeno e estreito. (naquela época os ensinamentos sobre isso não passavam de uma horta ou uma ave que sustentava no bico um bebê, vindo do céu...). Havia tempo pra tudo e todas as informações vinham no devido momento. Mas, o Andó, tinha todas as informações. Esperto demais, sempre mais vivo e, com isso se vangloriava de ser o “bam bam” e, na maioria das vezes, com uma boa dose de maldade.

Uma ocasião, no meio da turminha, chegou perto de mim com um pedaço de barbante e me intimou a ajuda-lo num “servicinho” em que todos iriam colaborar. Consistia no que, essa missão? O Andó explicou: Um vizinho descobriu uma gata que acabava de parir um bom número de gatinhos e o tal  vizinho mostrou onde estava a ninhada, num descampado da rua Assumpção. Ele queria “limpar” o terreno e pediu ao Andó, que enfiasse todos os filhotes num saco e fosse joga-los no rio Tamanduateí, ali pertinho. “Se vocês me ajudarem, vamos fazer isso, ó”: - passou o pedaço de barbante no pescocinho do filhote e o estrangulou, caindo na gargalhada falando que era mais fácil  transporta-los, sempre acompanhado do resto da turma.

Fiquei horrorizado, corri pra minha casa em prantos, minha mãe quis saber a razão e falei. Minha mãe chorou comigo, amante da natureza com poucas, achava uma selvageria sem limites, iria falar com os pais do “valentão”.
De nada adiantou, “são crianças, querem só brincar...”, respondeu sua mãe ou seu pai, não lembro direito, acho que os dois.
Deixando transparecer, com essa resposta, uma educação pouco amistosa, fui me afastando deles, selecionando novas amizades.
Obrigado.




Por Modesto Laruccia

7 comentários:

Soninha disse...

Olá, Modesto!

Antigamente os meninos maus faziam estas malvadezas com os animais... Hoje, eles fazem com os seres humanos, infelizmente!
Ótimo texto. Obrigada.
Muita paz!

Miguel S. G. Chammas disse...

Mô, em qualquer rua, em qualquer nairro, cidade, estado ou pais, haverá sempre um Andó, fruto de uma família desajustada.
Mesmo assim, a vida continua e os homens de bem continuaram a lutar contra essas mazelas. Valeu o brado de alerta e desabafo.

Bernadete disse...

Modesto, sempre houve e sempre haverá pessoas de índole má.Cabe a nós, saber identifica-los e,afasta-los do nosso convívio. São frutos de uma família desajustada como disse o Miguel, mas infelizmente não vejo cura para pessoas assim.

Zeca disse...

Modesto!

Como sempre, sua prosa atrai e prende a atenção, deixando, no final, aquele gosto de "quero mais".
Andós, como todos já disseram, sempre existiram, creio que desde o início dos tempos. Tivemos eras violentas desde sempre e, nos últimos séculos, com o homem passando a seguir regras éticas e morais, essa violência passou a ser exercida em nome do estado. Mas no fundo, a violência está dentro do ser humano, em maior ou em menor quantidade, dando aos mais suscetíveis, uma sensação de poder sobre os mais "fracos" ou menos protegidos.
Infelizmente, nos dias atuais, a violência tem se alastrado em todas as direções, no rastro das drogas, tornando-se quase um assunto banal. E agora, cada vez mais, crianças assumem o crime devido às leis mal escritas ou ultrapassadas que lhes dá o respaldo de uma parcial impunidade, já que alguns anos de recolhimento lhes dão o direito de terem apagados todos os seus delitos.
Mas nos nossos tempos, atos como o relatado aqui por você, nos causavam tal horror que já não vemos nos dias atuais quando mães matam filhos sem sinal de arrependimento.
Parabéns, Modesto, por mais uma vez levantar aqui um tema que precisa, urgentemente, ser discutido por toda a sociedade!

Abraço.

Wilson Natale disse...

LARÚ, carissimo. Mais um belo texto. Parabéns!
Minha experiência também foi triste.
Estávamos a vadiar pelas "matas" do antigo Parque Dom Pedro II, quando um menino tirou um estilingue, ajustou uma pedra e mirou em um gordo pardal, ainda filhote, que piava sobre uma árvore. Soltou o elático e matou o pobre pardal.
Feito isso, o menino passou a pular e gritar feito louco, todo feliz: Acertei! Acertei!...
Acima de nós, num vôo desesperado, uma pardaloca piava forte, chamando pelo filhote. Doeu muito aquela cena. Dói até hoje quando lembro.
A maldade humana, não tem idade.
E cada criança é um reflexo da criação dos pais.
Abração,
Natale.

margarida disse...

Modesto,o ser humano muitas vezes nos surpreende com esse tipo de maldade. Graças a Deus na minha infância e adolescência nunca me deparei com tais maldades. Lembro de um caso quando quebraram o vidro de uma janela lá da rua em que morávamos e jogaram a culpa no meu irmão,coitado apanhou muito do meu pai. Achei injusto porque não foi ele que "estilingou" o vidro.Um abraço amigo.

Luiz Saidenberg disse...

Caro Modesto, gente de má índole e cruel sempre existiu.
Nos duros tempos de hoje, apesar de tudo, existe sentimento mais ecológico e de respeito ao animais, mas monstros sempre acontecem. Eram "ovos de serpente", que devem ter eclodido como criminosos que vemos cometendo atrocidades, ou nos seus filhos, monstros impunes pelas nossas fracas leis.
Abraços.