Estava demorando. Diria que a luz estava pisca piscante, e
ameaçava sumir a qualquer instante. Há muitos anos que o Cine Lumiére estava
ali, na Joaquim Floriano.
Simples, honesto, com bela
seleção de filmes, um remanescente da nossa época de juventude, do cinema de
rua, que existia em qualquer bairro, e também no Centro de São Paulo, estes
majestosos e em grande número.
Vi muita coisa boa ali, na
simplicidade do cine decente e barato. Quase todos Woody Allen que assisti,
filmes franceses, argentinos, italianos e nacionais. Nem estacionamento pagava;
parava na ruazinha bem próxima e, em poucos passos, lá estava.
E ainda pegava pouco
trânsito; era só descer a Santo Amaro, subir para a Joaquim Floriano e logo
veria a humilde fachada. Uma vez, faz tempo, perdi
durante uma sessão um belo relógio Fóssil, que havia comprado na Macy´s, de
Nova Iorque.
Só me dei conta ao sairmos
na rua noturna. Voltamos, avisei na gerência, mas sem esperanças. Pois não é
que me ligam, no dia seguinte? O excelente baixinho bilheteiro, que ainda há
pouco trabalhava lá, o havia encontrado, varrendo a sala.
Querem cine melhor do que
este? Pois é, bom demais para acreditar e, por isto mesmo, não existe mais. O
Lumiére claudicava. Certa vez fomos ver um belo desenho francês, O Mágico.
Feito a mão, como nos bons tempos, com a história de um ilusionista decadente,
inspirado em Jacques Tati, que só encontrava plateias vazias, como estava no
momento a do velho cine. Antes de o filme terminar, o Fim chegou, pensei. Logo,
cerrar-se-ão cortinas e portas do espetáculo.
Ainda assim, o cineminha
aguentou mais um tempo, e chegamos a encontrar sessões quase lotadas. Quase
sempre pelos mesmos frequentadores; pessoas da terceira idade do bairro, que
iam mais pelo hábito, nem tanto pela programação que, volto a afirmar, eram de
primeira.
Ainda voltamos a ele,
talvez há um mês. Mas, agora, na sessão de reclamações do suplemento da Folha,
o atestado de óbito. Um espectador saudoso lastima, e com razão; a última
sessão do cinema fora no dia 20 de Junho.
Um dos últimos cines de
rua, de uma cidade em que sair na rua é cada vez mais uma aventura para
audazes. Mais um pedaço bonito do passado que se encerra.
O Lumiére, tênue chama que
se apagou discretamente, como sempre existiu.
Por Luiz Saidenberg
13 comentários:
Olá, Luiz!
Já estávamos com saudade de seus textos.
Nós também lamentamos a extinção dos cinemas que fizeram parte da história de São Paulo.
Mas, temos de nos adaptar aos moderno, ao novo, à lei do progresso... Os cinemas dos Shoppings, por exemplo, que são bacanas também.
Adorei o título de seu texto.
Seja "rebenvindo" (neologismo) kkk
Obrigada.
Muita paz!
Lindo texto! Linda homenagem ao cinema, ao bairro, a um tempo que se foi e não volta mais! Parabéns, Luís Sardemberg!
Um inspirado texto traindo a dedicação inata que vc possui pelos recantos artísticos que nossa cidade oferece. Poderíamos encarar sua narrativa como um informe normal porém, a delicadeza e cuidado em realçar detalhes numa das vezes que vc foi assistir um filme, encanta e emociona pela proza bem redigida. Parabéns, Luiz.
Laruccia
Luiz, mais um atestado de óbito que me é jogado na cara para ler e prantear. Mais um pedaço de Sampa que sai do ostracismo para a terra do nada.
Que tristeza!
Muito triste Saidenberg. Triste mesmo!
Mais um herói, entre os poucos que restam,desapare. E, eu não sei se por destino ou maldição,fatalmente será transformado em estacionamento ou templo evangélico... Ou então,se tiver melhor sorte, ressurgirá como um alto prédio que lhe agregará o nome: EDIFÍCIO LUMIÉRE...
uM CONSELHO A VOCÊ: seja rápido, arrume um tempinho e vai lá, fotografar o Lumiére.
Uma foto tirada por você, suas recordaçoes e sua saudade que, com certeza, virá. Eis ai, uma trilogia perfeita para um texto perfeito.
Abração,
Natale
Peníssima, sr Luis! Anteontem passei pela Joaquim Floriano e, como toda vez que isso acontecia, procurei a fachadinha do Lumière, sempre escondida por uma banca de jornais gigantesca... Não tinha conhecimento do fim do cinema... Pena!; aqui do meu lado a ceifa foi violenta: cines Goiás, Brasil, Pinheiros, Jardim... Cines Eldorado (na Vital Brasil), Caxingui, Palladium, Tupi (no Taboão da Serra). Saudades da pizza em pedaços no bar ao lado do Lumière após o término da sessão... Primeiro filme que vi no Lumière?: Dr. Jivago... dormi à sono solto...
Enquanto isso, o Jus Esperniandi...
Ignacio
Saidenberg!
Há quanto tempo não encontrava um texto seu aqui! Textos românticos, que devem refletir o seu espírito assim como refletem sua saudade de tempos que a maioria de nós viveu e tão diferentes dos que hoje testemunhamos. Mas como manter um cinema de rua em dias tão violentos?
São outros tempos, meu amigo! E por mais que doa, a eles precisamos nos adaptar!
Foi-se o cinema, mas ficaram suas memórias e este belo texto com o qual nos presenteou.
Abraço.
Saidenberg, mais um que se vai, detesto velório e muito nenos enterro. Sinto pela escuridão do Lumiere, sei que no seu coração ele continuará a brilhar.Tomara que nasça ali um novo cenário e que possa ser admirado pelos nossos olhos e pelos corações de todos que amam São paulo.Um abraço.
Corrigindo: São Paulo.
É uma pena ver, um a um, as luzes se apagarem. O bom é que temos lembranças bem iluminadas das boas horas que passávamos nos cinemas.
E uma pena caro Luiz, uma sala de cinema que se fecha e como um livro que a gente rasga e joga fora, estamos aos poucos acabando
com nossa cidade, Nelinho.
Linda homenagem ao cinema que fazia a gente sonhar. Eu que morei no Ipiranga foi uma grande tristeza passando pelas ruas onde tinham cinemas como o cine Anchieta o Paroquial e outros mais. Aqui na Italia o fenomeno e o mesmo. Inclusive tem um film que deve ter ganhado um Oscar como melhor film estrangeiro o nome e': NUOVO CINEMA PARADISO. Abracos Pino Orsini
Muito obrigado, amigos. Como ave que volta ao ninho antigo, depois de longo e tenebroso inverno, quiz voltar ao belo site, como na velha poesia. Grande abraço a todos.
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