Por
volta das décadas de 1960\70\80, minha atividade de representante comercial da
Pan Brasil, indústria de embalagens, (já extinta), além de proporcionar satisfação
pessoal e profissional, tinha, também a grata e sempre apreciada relações e
conhecimentos com pessoas, das mais variadas procedências, etnias, atividades,
cultores de vida regrada, extravagantes, sóbrios, arrogantes, modestos,
simples, corretos, de destaque social enfim, dentro do universo imenso que o
panorama oferece. Se formos traçar uma metáfora com as mais diversificadas cores do arco-íres,
recorreremos aos tons mais sofisticados, enriquecendo sobremaneira, a quem interessar possa, ter conhecimentos do perfil
humano que existe em cada um dos contatos.
Nestas
emoções contatei com as mais expressivas empresas, principalmente de
alimentação, o setor onde mais me identifiquei.
Apesar de contatar, também com laboratórios na venda de material pra blister,
não foi muito profícua minha atividade nesta linha. Tinha a ventura de oferecer
meus produtos a empresas do porte de uma Nestlé, Confiança, (na época,
Tostines), Bela Vista, Mirabel, Sal Cisne, Neusa, Lacta, Wickbold, Pão Pullman,
Bauducco, Chiclet Adams, Chocolates Pan, Arcor e algumas, de outros municípios
e cidades, formando um leque de clientes de respeito e consideração.
Em
cada um deles sempre tem algo de interessante pra gente contar. Alguns, com
certa intimidade que recorremos ao silêncio, deixando pra uma ocasião mais
propícia. Vou focar, de princípio a Lacta onde, além de vários funcionários,
conheci o dr. Adhemar de Barros Filho, detentor, na época, da presidência da
empresa, senador, personificação da simpatia, respeito e bondade em uma pessoa
de prestígio.
Ao
passar, hoje pelo local onde estava instalada a Lacta, na Barão do Triunfo,
Brooklyn, com uma bela e impressionante área industrial, (hoje, só prédios de
apartamentos, em vez do doce aroma de chocolate, aspira-se... bom, deixa pra lá) dá vontade de chorar, lembrando de produtos
populares como Bis, Diamante Negro, Sonho de Valsa, barras e Ovos de Chocolate
Lacta, balas e outros bombons, todos identificados com São Paulo, cidade que os
viu nascerem, desde a pequena instalação na José Antonio Coelho, na Vila
Mariana.
Entre
meus contactos na Lacta, lembro bem do Roberto Pascoal, do José Palhares, do
Roberto Casagrande, do Codadá, secretário do dr. Adhemar, hoje meu vizinho,
vários outros que a memória me escapa.
O
grande desafio que os fornecedores de embalagens enfrentavam (ainda
enfrentam...), era acertar a tonalidade do “rosa fanal”, tonalidade do envoltório do bombom Sonho de
Valsa, símbolo de uma era paulistana, cuja embalagem, até hoje conhecida, foi
desenvolvida por José Tcherkasky, (Toga), uma das maiores industrias de
embalagens da América do Sul. Além da tonalidade há o problema da fixação da
tinta no celofane. Por isso essa cor é proveniente de uma anilina importada (na
época) caríssima, depois da impressão, a transparência permite um vislumbre
metálico, com o fundo de alumínio que envolve o bombom. Se, porventura algum fornecedor, pra vencer
uma concorrência, utilizar uma tinta mais barata, o material é testado em
câmeras próprias, como se o bombom estivesse exposto numa vitrina, perde, de
imediato a cor, o “rosa” desaparece e o celofane fica transparente. O material
é totalmente devolvido e esse fornecedor perde o cliente, também. E com o
restante dos produtos, ocorre o mesmo.
Os
contatos sempre foram dentro do maior respeito e camaradagem, sem as
inoportunas e malsucedidas negociações tão comuns, hoje em dia, na política.
Tanto isso é um fato que mantenho amizade, até hoje, com vários contatos desde aquela época. Todos
sabem que quando as negociações são concluídas com distorções nebulosas, ambas
as partes evitam, o máximo, um inesperado reencontro.
Dentre
estes funcionários da Lacta, se encontrava o simpático e correto comprador José
Palhares, moço, noivo preparando-se pra casar.
Numa
ocasião, a Lacta, festejando 50 anos de fundação, celebrou, (não lembro o ano),
oferecendo farta comilança e, de alegria, a voz do show-man, Toquinho, pela
qual, recebi um convite pra mim e minha esposa. Formidável, pelo show e pela
deferência, graças a interferência do Palhares, guardo até hoje um CD do
Toquinho.
Chegou
o casamento do Palhares, a ser realizado em Iacanga, sua cidade natal,
localizada na região de Bauru. Palhares não só me convidou, me intimou a ir ao
seu casamento. Disse a ele que não conhecia Iacanga, nem de nome quanto mais,
chegar lá. –
“É
fácil”, disse Palhares, “vc vai pela Castelo Branco, até o fim, quando chegar a
Bauru, ao invés de entrar a esquerda, entre a direita, pronto, já estas em
território iacanguence. São “só” 400 quilômetros, (ou mais), não precisa se preocupar
com a volta, (casamento num sábado), vocês vão pousar na casa da minha tia; na
cidade tem algumas pensões, mas pra uma noite só, minha tia garante.”
Infelizmente
não lembro do nome dessa tia do Zé mas, (vamos chama-la de dna. Vera,) da sua
acolhida, sua recepção, seu carinho e gentileza, nunca mais vou esquecer. Que
gente boa que existe nesse interior afora, meu Deus, dava a impressão de ser eu
o noivo e não seu sobrinho. Com nosso Opala, pegamos a estrada bem de
manhãzinha e completamos a viagem tranqüilamente.
O
casamento foi realizado num descampado atrás da residência de dna. Vera, com
aquela fartura que só estas famílias sabem proporcionar. Churrasco, a vontade e
outras variedades de salgados, doces caseiros, bebidas acompanhada sempre de
músicas populares e sertanejas. Um casamento pra nunca mais se esquecer.
Aí
ocorreu o principal fato que obrigou minha memória a solidificar, mais ainda,
essa lembrança. Estava com a Myrtes, saboreando uma deliciosa bisteca quando,
ao morder o referido naco, senti, na boca, algo estranho, corri pra toalete,
abri a boca e, apavorado, percebi logo o que acabava de acontecer: minha
prótese inferior partiu, quebrou, “porca miséria”, como iria continuar a comer,
como iria conversar, como explicar, que vergonha, que raio de azar o meu.
Procurei
logo o noivo e lhe contei o ocorrido.
–“Pô, Modé, tenho certeza que o nosso boi não era tão velho assim, acho
que você mordeu o osso,” falou o Palhares, caindo na gargalhada. Eu, com a boca
de “chupa-ovo”, não sabia o que falar e, aí veio em meu socorro a tia Vera. A
pedido do Palhares ela indicou um dentista que estava no casamento.
O
“tiradentes” me levou ao seu consultório, bem pertinho dali. De princípio,
fiquei com receio, o pseudo consultório tinha de tudo. Galinhas, patos,
pintinhos, um cesto com ovos, frutas, de várias espécies e... uma poltrona.
Convidou-me a sentar e, vendo minha cara explicou: Tenho alguns pacientes sem
condições de arcar com uma obturação ou qualquer outro servicinho e eles me
pagam com espécies das mais variadas origens...
Em
poucos minutos, arrumou a prótese e voltei a gozar da festa. Bem a noite, os
noivos foram pra sua viagem de núpcias e nós, eu e a Myrtes, nos recolhemos a
um dormitório aconchegante, lençóis limpinhos, cobertores perfumados, até. De
manhã, (queríamos sair bem cedo), dna Vera, nos despertou com um café da manhã
“5 estrelas”. Salgados, frutas, doces caseiros, bolos e um cesto, com as
melhores guloseimas que dna Vera produziu.
Quando
reencontrei o Palhares ele me explicou que sua tia tem um “coração de ouro”, e
que quando ele falou de mim, ela nem quis saber mais nada, “pode trazer seu
amigo aqui, ele será bem atendido” E, fui... nunca vou esquecer essa bondosa e
educada senhora, infelizmente, nunca mais voltei a Iacanga, o Zé Palhares
sempre morou aqui em São Paulo. E vou dizer outra coisa, a emenda na prótese
dura até hoje.
Por: Modesto Laruccia
5 comentários:
Mô, nós os portadores de próteses dentárias corremos esses riscos constantemente. Na verdade eu já tive de enfrentar algumas situações como essa e sei quanto difíceis elas são. Ainda bem quer você solucionou o problema e conseguiu se divertir.
Modesto, obrigada pela aula sobre o Sonho de Valsa. Acho que muitas de nós,ainda guardam uma dessas embalagens dentro de um livro, como recordação de momentos felizes.
E que situação hein? Ainda bem que tudo deu certo e você não perdeu nada dessa festança.
Um abraço / Bernadete
Caro Modesto, acho que você mordeu uma parte do osso da bisteca, como sempre você descreveu com maestria mais um episódio de sua brilhante carreira no ramo de vendas, parabéns pelo texto, abraços, Nelinho.-
Larù, mio caro. Eis-me de volta a Sampa!
Bello: Já vi homens e mulheres sorridentes mergulhar no mar e voltar à tona sem o sorriso Colgate ou Kolinos; Já ví um homem espirrar dentro de um ônibus e a sua "perereca" escorregou pelo corredor e foi parar, lá perto do motorista.
Agora, partir a "mimosa" num casamento, só você, meu caro! Ahahahaaaaaaa!
Mas, não fosse a sua "mimosa" inferior, não teríamos um grande texto cheio de vida e cheio de informações sobre um bom-bom que é, até hoje, preferência e motivo de boas, romanticas lembranças dos paulistanos.
Valeu!
Un Bacione in testa.
Natale
Modesto,
até hoje sou fã do Sonho de Valsa e gostei de conhecer os detalhes que acompanham a embalagem famosa e conhecida de todos os brasileiros. Seus textos repletos de detalhes se tornam uma leitura deliciosa e fazem com que nos sintamos participantes da história que está contando.
Abraço.
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