terça-feira, 13 de novembro de 2012

MEMORIAS PATERNAIS


                     Fachada do TBC com a porta da minha residencia ao centro e o Toldo do Nick Bar 

Outro dia, dando tratos a uma tristeza profunda, originada pelo descaso e abandono de meus filhos, mesmo depois de ter-lhes dedicado todos os momentos de minha insignificante vida. Constatei também, não sem muita surpresa, que eu, por incrível que pudesse parecer, nunca havia dado muito espaço nos meus textos, para a figura daquele que me dera à vida. 
A bem da verdade, minha convivência com o Sr. Alfredo nunca foi das mais profundas, mas era meu pai e eu, mesmo não o amando como deveria, o respeitava e obedecia.
Pronto. Estava dado o “start” para que mais um texto.

Comecei, então, a buscar na memória cenas onde ficasse evidenciado o envolvimento com meu pai. Diversos flashes, respondendo ao apelo, se apresentaram. Nenhum deles, é verdade, passiveis de sustentarem uma narrativa interessante. Porém, a ideia já estava encravada nos meus sentidos, nada iria permitir que eu abandonasse a vontade de falar daquele sampaulino radical e intragável.

Resolvi, então, fazer um texto com várias drágeas de lembrança e comecei a registrar as recordações.
Lembrei-me de meu pai exercendo suas funções de guarda-livros na firma J. Nigri & Filhos, estabelecida na antiga Rua Santo André, paralela à Rua 25 de Março. Hoje essa rua foi rebatizada e chama-se Rua Comendador Abdo Schahin. Eu até gostava de ir ter com ele no trabalho; era certo que me levaria ao Kiti Kate, uma lanchonete na esquina da Rua Santo André com a Cav. Basilio Jafet. Ali, eu me regalaria com um Kibe à Kiti Kate (assado e regado no molho de tomates) e algumas esfihas de carne.
Outro lance de minha infância com meu pai eram  as vezes que eu o acompanhava ao futebol. Ele era goleiro e eu ia assistir a suas partidas na várzea paulistana. Foi assim que conheci o famoso Óleo Elétrico, muito recomendado nas dores musculares.
Meu pai era sócio e diretor da Associação de Cultura Física São Paulo, um clube de raízes germânicas que ficava na Rua Augusta, 33, local onde hoje passa o minhocão. Por causa disso eu fui militante em ginástica de solo e aparelhos daquele clube até quando, por motivos de saúde, fui obrigado a abandonar as atividades esportivas.
Eu via meu pai com mais tempo todas as quintas-feiras. Nesses dias íamos,  meu irmão, minha mãe e eu, visitar meu avô materno, na sua casa lá na Frua 21 de Abril e, à noitinha, meu pai ia nos buscar. O regresso para casa era sempre motivo de parada para consumo de uma pizza e, então, de maior proximidade com ele.
Ainda solteiro, tive meu primeiro grande desentendimento com ele. Minha mãe descobriu que o “galinho estava cantando em outro poleiro”. Sabedor disso e, buscando a defesa da Dona Thereza, tive uma conversa séria com ele e cheguei, até, pedir que ele saísse de casa. 
Lembro-me dele, também, nas muitas discussões travadas com o proprietário da boate Nick Bar, que ficava nos baixos de nossa casa na Rua Major Diogo. Em muitas delas eu também me envolvi.
Os momentos de maior intimidade com o velho eram à frente do balcão do Lanches Urupês na Rua Major Diogo esquina com a Rua São Domingos.
Depois, já fora dos serviços de guarda-livros, ele foi trabalhar com representação de ferramentais para a indústria de calçados e atuar na região de Birigui e Araçatuba. Seus retornos ao lar eram, na maioria das vezes, mensais e sua estada entre nós, sua família, de 3 a 4 dias. Assim sendo, cada vez mais foi se evidenciando estar ele vivendo em companhia de outra pessoa. O desgaste entre ele e minha mãe já era muito grande.
Um dia, eu já residindo no bairro do Jabaquara, tive a notícia do seu falecimento. Achei que deveríamos, meu irmão e eu, prestar nossos respeitos. Fomos em meu carro, mas, ao chegar no velório da cidade de Araçatuba, tivemos conhecimento que ele já havia sido sepultado. Fomos ao túmulo, fizemos uma prece e retornamos à São Paulo sem o sabor da obrigação completamente concluída.
Enfim, nesses pequenos parágrafos, eu tentei descrever o Sr. Alfredo Chammas, meu pai.
Se mais não escrevi, foi por que nada mais me veio à memória.
por: Miguel Chammas

6 comentários:

Wilson Natale disse...

MIGUEL: São as pequenas coisas que ficam. As mais simples. Tanto que, dadas as circunstâncias da vida de cada um, elas permanecem vivas e intactas. Não foram muitos momentos, mas foram bons e inesquecíveis. A vida de cada um leva a muitos caminhos, por vezes estranhos, que deixa marcas e mágoas profundas. Mas não destrói o bom,o bem doado por uma pessoa.
Ele te ofereceu pouco, mas era esse pouco que ele tinha a te oferecer. Um pouco de amor e calor humano que estava na sua lembrança e agora está aqui, em forma de texto.
E um texto muito bom, por sinal!
Abração,
Natale

Ignacio disse...

Miguel, ótimo texto (em meu ponto de vista). Cheiro de verdades,perfume de lembranças boas, bodum de lembranças más. no mais, me apodero de palavras do Natale, palavras que quero compartilhar com você,moleque do Bexiga e visitante eventual da V. Clementino... Acho que você era um daqueles meninos que acompanhavam a Catarina na fila do matiné do Rex naqueles domingos de 60 aninhos passados, nénão... essas também eram boas lembranças que tem o olor de pipoca americana (doce e cor de rosa), balas paulistinha-mistura e drops gardano de hortelã, vendas na bombonière do cinema, moedinhas contadas...
Abraços do Ignacio

Zeca disse...

Miguel!

Como te entendo, meu amigo! Estou comovido com o teu relato, até mesmo por me identificar com tua história. Eu e meu pai também nunca tivemos muito boa convivência, mas alguns fatos esparsos ficaram em minha memória, o principal deles foi ele ter me ensinado a ler e a escrever, antes mesmo de matricular-me no primário. Daí veio minha paixão pela leitura; no início, ele me dava gibís para ler, aos poucos, foi me dando livros. Faço minhas as palavras do Natale, onde diz que ele (e o meu também) tinha pouco para oferecer (e esse pouco era tudo o que tinha).
Acredito que, com este texto, tenhas exorcizado um pouco daquela sensação de obrigação não concluída. A sensibilidade com que nos fala dele mostra que você conseguiu, sim, concluir sua história com ele! Parabéns!

Abraço.

Leonello Tesser disse...

\miguel, o importante é que apesar de algum ressentimento ou falta de comunicação com seu pai você não o esqueceu.-

Leonello Tesser disse...

\miguel, o importante é que apesar de algum ressentimento ou falta de comunicação com seu pai você não o esqueceu.-

margarida disse...

Miguel, sensibilidade e bondade tem o seu coração! Suas lembranças me comoveram e me fizeram pensar e agradecer a grande família que tive e ainda tenho. Mas como o Natale tão bem colocou, os poucos momentos que você esteve com ele foram preservados na sua lembrança porque foram bem doados, superando as mágoas e ressentimentos. Hoje, com sua sabedoria de vida, a maturidade e sua sensibilidade que carregam sua alma fazem a ponte para a compreensão do passado deixando mais suave o momento atual.Ele está sendo lembrado com seu carinho aqui neste texto, tem agradecimento melhor! Um grande beijo e muita paz pra você.