terça-feira, 30 de outubro de 2012

MALUCOS-BELEZA” (Anos 70) - “O lado trágico da Paulicéia” -



(crônica da Cidade nos Tempos de Sexo, Drogas & Rock’n Roll)

Toda a Crônica é desencadeada por alguma razão. As razões desta minha Crônica são três. Razões cristalizadas em velhas fotos.
Como a vaticinar o final dos tempos, surge nos céus um cometa brilhante. O Cometa Janis Joplin (1943-1970) iluminou e aqueceu os adeptos do Movimento Hippie. Assim como apareceu, o Cometa Joplin desapareceu em meio a sua trajetória.
O Furacão Jimmy Hendrix (1942-1970) destruiu a América, ainda acomodada ao modo de viver dos anos 50. Enlouqueceu os jovens e influenciou a nova maneira de viver que se delineava.
1969 – Milhares de jovens pioneiros deixam suas casas e caminhando, de carro, de carona vão ao Festival de Woodstock. A partir desse festival o mundo nunca mais seria o mesmo. Lá, Joplin e Hendrix levaram à loucura total 500.000 jovens.
Janis e Hendrix ficaram por mais um tempo e, em 1970, partiram em uma viagem sem volta. Não viram os hippies se tornarem os donos da década de70;
Woodstock virou história.
Virou lenda que os velhos das décadas futuras contarão, sem censura alguma, aos seus netos...
Não se tapa o Sol com a peneira! Aconteceu (acontece ainda). É realidade. É um lado triste da Historia da Cidade de São Paulo.
Tempos estranhos aqueles da década de 70.
Sofria-se muito com a “morte da bezerra”; filosofava-se a respeito das magníficas “formigas azuis do Ceilão” e sua importante função na natureza. Tínhamos discussões acirradas, pró e contra, sobre “O Efeito dos Raios Gama nas Margaridas do Campo” e debatíamos se “O Apanhador no Campo de Centeio” era assalariado ou “bóia-fria”... E dúvidas atrozes, do tipo: Quem governa a China? Mao, ou madame Mao?
Nos fins de semana, as noites eram repletas de “curtição” pelos botequins da vida e pelas travessas da Augusta, onde se conseguia a melhor “farinha” do mercado – a tal “branca de neve”, a “cocada”.
Nas “quebradas” da Consolação comprava-se “bolsas” do “gero ‘bão’ da Bahia” que se fumava em “bombas” ou “fininhos”. As “bombas” eram do tipo “passe pour tout” e os “fininhos” eram individuais...
Nos botecos e “muquifos” do Bexiga consumia-se vinho, cerveja e macarrão. Nas quitinetes da Praça 14-Bis, Rua Paim e Frei Caneca o “barato” era caldo de feijão com pinga e consumia-se muito pão. Depois do “fumacê” sempre batia aquela fome... Nos porões da Liberdade, Vila Buarque, transformados em pensões, tudo podia acontecer. Era o tempo do sexo, drogas e Rock’n Roll...
Nos Jardins e no Pacaembu, as festas eram regadas a “estupefacientes” e “psicotrópicos”. Era demais ficar “turbinado” e espiar pelo buraco do caleidoscópio, vendo as pecinhas coloridas a formar desenhos quais cristais de neve. Era um tremendo “barato”! Todos ficavam “au de là du Marrakech” (Pra lá de Marrakech.).
E, vez ou outra, um adepto de “Lucy in the Sky with Diamonds” (LSD) partia em uma viagem sem volta. Outros “baixavam” no Pronto Socorro das Clínicas por causa da overdose...
Na rua, a cocaína, o “fumo” “y otras cositas más” causavam “revertérios” além da imaginação: A “mina” tirou a roupa na Barão de Itapetininga e começou a dançar e a cantar dizendo que era a Mãe Natureza, a Eva Universal...
E eu? Eu que não curtia esse “lance” de drogas (Sexo e Rock? Sim! Sim! Sim!), o que fazia no meio deles? Eu vivia, oras! Eu era, para eles, a “ovelha psicodélica”.
E o que é uma ovelha psicodélica? É alguém como eu, ”maluco” ao natural. Alguém que nunca se acomoda, mas se adapta a tudo.
Nasci “muito louco”, “over” e tudo na vida me emociona e enlouquece. Não julgo, aceito. Não seria capaz de viver com determinadas pessoas, mas convivo com elas. Nasci em janeiro. Sou de Aquário, pô! Então, “Let the sunshine in...”
Pelo meu jeito de ser convivíamos todos muito bem. E alguém, quando eu disse ser uma ovelha negra entre eles, retrucou dizendo que eu era o mais maluco de todos e que eu estava mais para ovelha psicodélica.
E a coisa ficou mais evidente quando os “omi” “passaram batidos” pelos “malucos” e me deram uma “geral”, perguntando onde eu tinha “mocosado” a “coisinha”... É. Eu sem perceber, sem usar, tinha ficado, “com certeza, maluco beleza...” Quem anda com mancos acaba mancando.
A bem da verdade, não me drogava, mas era chegado num “mé”. “Me amarrava” em doses e doses de conhaque. Começava a beber em alto estilo: Umas doses de Domecq, outras de Napoléon e depois caia no Presidente e, fatalmente, terminava a noite “mamando” um Conhaque Palhinha ou Conhaque de Alcatrão São João da Barra. Eu e a Reca (Regina), a “porra-loca” mais gostosa lá da Avenida Angélica!
Entre “pegas”, sustos e “baratos”, vadiávamos pela noite, até cair de “porre” ou de sono. E quando “Morfeu” chamava, ia-se para casa ou pegava-se uma “beira” nos bancos do Trianon, nas escadarias da Bela Vista. Ou dormia-se pelo chão das quitinetes.
E todas as manhãs de domingo, nove horas, eu estava com meus amigos junto à banca de bolsas do Zezão, lá na feirinha da Praça da República. Estávamos mais amarrotados que papel de embrulho jogado no lixo. Passa-passa de gente de todo o tipo, vozes mercadejando produtos, cheiros enjoativos, motores, buzinas e o bimbalhar dos sinos da Consolação. E eu rançando a Patchoulli. Zezão, ainda sob o efeito do “bode” de uma noitada intensa estava caladão, lidando com alicates, fivelas e ilhoses. Eu, depois de uns “trocentos” conhaques tomados na noite tinha na boca um gosto de cabo de guarda-chuva e a “tchurma” estava mais calada do que mudo com laringite...
Ah! Eu era tão jovem nos anos 70! Tempos de “Paz e Amor”.
Hoje, ainda permanece nas minhas recordações a saudade dos amigos mortos pelo uso das drogas, permanece também as suas vozes junto a minha, gritando pela utopia “Paz, flores, liberdade, felicidade”...
Tenho ainda, bem guardadas, a velha bata e a pulseira que me acompanharam pelos anos 70.
É... Tempos muito, muito estranhos aqueles dos anos 70...
Uma década brilhante, mas triste. Onde muitos seguiram em frente sonhando a vida e outros tantos se deixaram ficar, sonhando as drogas. Muitos se encontraram e outros tantos se perderam para sempre.
Logo os holofotes que iluminaram a década se apagariam e, assombrados, veríamos o fantasma da AIDS obscurecer a década de 80 que se iniciava...
 
Por: Wilson Natale

11 comentários:

Miguel S. G. Chammas disse...

Pois ´pe meu amigo Natale, texto lindo, um verdadeiro registro historico dpos anos 70 e, além de tudo, totalmente psicodélico!
Adorei!

Memórias de Sampa disse...

Olá, amigos!

Houve algum problema no servidor Blogger e os comentários não estão sendo visualizados, aqui neste campo. Mas, eles chegam até mim através de e-mail.
Até a regularização do Blogger, eu copiarei e colarei os comentários aqui, ok?!
Perdoem-me pelos transtornos.
Muita paz! bjsssssssssss


joaquim ignacio deixou um novo comentário sobre a sua postagem "MALUCOS-BELEZA” (Anos 70) - “O lado trágico da Pau...":

Natale, um Zerbini de longos cabelos, sandálias de sola de pneu (de avião!), bolsa de couro à tiracolo, poncho peruano legítimo, blue jeans com os fundilhos esverdeados pela clorofila dos gramados da C. Universitária, uniforme dos bundas verdes, fala engrolada, óculos de sol vermelhos de aro redondo e mãos trêmulas, deve ter aberto seu peito e exposto o cerne de seu coração puritano enrustido, tanto é verdade que vc escreveu essa crônica ou grito primal, desabafo, botar prá fora os gorgumilos presos por gravatas, ternos, sapatos lustrosos e pastas de executivos de puro cromo slemão. Benvindo de volta, jóvem de 20 anos... mas cuide-se...
Em tempo: Eu, Solaninho Trindade e Geraldo Filme estávamos esperando o ônibus na 14 bis quando um voador,cheio de micropontos, caiu de uma janela do Treme-Treme e se esborrachou a 01,o2m de nosso grupo. Desceu um pessoal, viu o rapaz esbagaçado: - É fulano... vou ficar com a cama dêle! Quase que dansamos com a mais feia da festa, mas ficamos com sangue espirrado até o céu da boca...
Anos 60, 70, muito loucos!
Novamente, parabéns pelo texto tão verdadeiro
Ignacio


joaquim ignacio deixou um novo comentário sobre a sua postagem "MALUCOS-BELEZA” (Anos 70) - “O lado trágico da Pau...":

Wilson, misteriosos eram aqueles tempos (60,70) quando salvávamos o mundo da destruição total com incríveis teorias regadas à pinga com groselha, conhaque nervoso e, como você diz, algumas cositas más. eram os tempos em que pessoas movidas por ácido lisérgico voavam (de janelas do Treme-Treme da 14Bis, direto para grupos de passantes ou tetos de de abrigos de ônibus (quando os havia!)
Texto brilhante, como sempre!
Ignacio

margarida disse...

Natale,Um lado triste, mas um texto bonito que trata dos momentos da sua juventude e outros tantos.Lembro da época hippie, mas ficávamos apenas na observação, sem participação alguma. Depois desta época, tivemos amigos que foram hippies e que contavam suas experiencias .Tudo passou e na década de 80 as danceterias entraram em auge.Isso é a vida que segue! Um grande beijo e parabéns pelo texto.

Wilson Natale disse...

MIGUEL: De volta a Sampa, por quinze dias, vou aproveitando para comentar o que não comentei.
Realmente esta é uma crônica psicodélica! E que eu a escreví com os olhos, fala e mentalidade dos meus 23 aninhos.
O fim dos anos 60 prometia para os anos 70 a felicidade da Era de Aquário... Infelizmente os 70 foram muito tristes, embora a aparência fosse de uma grande e infindável festa!
Festa falsa que deu início "liberado", em grande escala, do consumo das drogas. Não fizeram nada nos anos 70, nos 80, nos 90, nos 2000.
2012 está aí, com a Cracolândia...
Depois dela - a Cracolândia - o que mais virá para que o Estado tome uma postura eficiente?...

Wilson Natale disse...

JOCA: Ai, nos seus comentários um pouco daqueles que seguiram em frente sonhando a vida e um pouco daqueles que sonharam as drogas.
Como você, naquela época, ví muitos pretensos "super-homens" voar dos prédios - naquele tempo já puteiros, repúblicas, mocós,etc., da Rua Paim. Os Prédios eram O Demoiselle, Caravelle, 14Bis, muito conhecidos e frequentados nas décadas de 60 e 70.
Além dos Super-homens éra preciso tomar cuidado ao passar,principalmente, ao lado do Demoiselle. Perigava levar um bujão de gás, ou uma prostituta pelos "cornos".
Dessa época, ficou a piada folclórica, sobre a morte de um hippie:
O "maluco" morreu e quando os amigos chegaram à beira da sepultura, ele já havia sido enterrado. E, entre muitas margaridas uma lápide. Nela, ele leram, estava escrito: PUTZ! MORRI!...
Abração,
Natale

Laru disse...

Aquariuuuuuus....aquariuuuuus.... Help, I need somebody... eram as melodias do momento, em 1969, eu com 37 anos, 4 pra 5 filhos, não podia pensar nas transformações que vc tão bem esboçou daquela época, Natale. Eu, também sou aquariano, Wilson, mesmo sem ter a possibilidade de viver aquelas mudanças, sentia-as como se fossem dirigidas a mim. Por ser mais velho do que vc, avaliei com mais rigor aquelas transformações, desejando, ardentemente festejar com outras pessoas o momento mágico e, por coincidência estava deixando o meu querido Braz. Então, com novos vizinhos, novas amizades, novas políticas, pra tudo se transformar numa longa travessia que só me trouxe FELICIDADE. Adorei seu estilo psicosimpático, caríssimo fratello, ti voglio tanto bene, non ti'scordare di me.... ghe bella canzone, Natale...
Parabéns, Wison.
Laru

Wilson Natale disse...

MARGARIDA:
Valeu!
A Cracolândia está ai. Incomoda, assusta e causa pena.
Não nasceu expontâneamente. Está ai, pelas décadas de omissão no combate às drogas.
Então, resolví publicar essa crônica que fala da rápida disseminação das drogas. E pior, pela facilidade de encontrá-la pela cidade inteira.
Antes, a compra,o consumo das drogas era feito "nas sombras": era uma coisa marginal. No fim dos anos 60 e, toda a década de 70, parece, tudo foi liberado.
Digo isso porque, se a cidade inteira sabia e conhecia os pontos de venda, o governo repressivo da ditatura, com certeza,também... Fica a pergunta: Por quê pouco ou nada fizeram?
Nos anos 80, "o sonho acaba", os hippies dão lugar aos Hiuppies e a cocaína, o crack, a heroína dissemina-se pela cidade.
O tempo passa e os mortos-vivos vagam pela Cracolândia...
Abração,
Natale

Wilson Natale disse...

LARÚ, carissimo!
Anch'io te voglio abbastanza bene. Ed è impossibile scordare di te!
Naquela década, você adulto, via o movimento hippie com um olhar crítico mais consciente. Eu era um moleque deslumbrado, um "porra loca", como se dizia.
Aprendi muito naqueles anos e sobrevivi. Saí deles mais forte.
Tanto que, o "mamador de conhaque" que havia em mim desapareceu levando o vício. Hoje sò bebo vinho às refeições. No mais refrigerante.
Essa década, que parecia um parque de diversões e um paraíso, de repente fez com que eu lembrasse do velho ditado. Cuidado com o paraíso. Até nele existem as serpentes.
Um bacione in testa,
Natale

Leonello Tesser (Nelinho) disse...

Natale, parabéns pelas lembranças, na minha juventude vivenciei muita coisa, foram momentos bons e momentos maus, alguns amigos seguiram suas vidas e outros se perderam pelos caminhos escuros das drogas, abraços, Leonello (Nelinho).-

Wilson Natale disse...

NELLO: Creio que todos nós passamos pelo de bom e de ruim que
que a vida nos ofereceu na juventude. Felizmente, meio chamuscados, seguimos em frente, em busca do equilíbrio e harmonia. Pena que tantos, nossos amigos e conhecidos, não fizeram o mesmo.
Abração,
Natale

Zeca disse...

Natale!

Neste novo texto seu, onde nos mostra claramente um painel dos tempos da Paz e do Amor, não deixou de mesclar um pouco de tristeza pelos momentos perdidos, por todos, devido à falta de direção que se seguiu à explosão da era hippie. Tínhamos a mesma idade, mas caminhos diferentes nos fizeram viver experiências diversas. Eu estava dividido entre o trabalho, os estudos e a namorada (o maior amor da minha vida!), com quem quase me casei. Assim, vivenciei tudo isso apenas como expectador, mas tirei algum aprendizado. Hoje acho que todos devem viver integralmente(com respeito e responsabilidade) o seu próprio tempo. Sinto nostalgia da minha juventude, sempre tão certinha, tão organizada, tão responsável. Felizes aqueles que têm tantas histórias para contar!

Grande texto, como sempre!

Abraço.