imagem: Itaquera - Falcão do Morro
Ao passar por
áreas reurbanizadas de nossa São Paulo, por edifícios importantes e marcantes
de nossa cidade, me pergunto. Como deveriam ser estes locais antes?
Quem morava
nesta região e como era a topologia, a vegetação, em fim, o que existia por
aqui?
Tendo o
privilégio de nascer em Itaquera e ter vivenciado toda a transformação do local
onde hoje está sendo construído o Itaquerão, julguei por bem aqui deixar
registradas as respostas às perguntas acima, para que um dia algum curioso ou pesquisador possa respondê-las.
Vamos lá.
Na década de 50 havia uma grande área que se
estendia da Vila Corberi em Itaquera até as proximidades da estação da Central
do Brasil em Arthur Alvim. Do lado direito fazia fronteira com a linha do trem
e do esquerdo com o bairro Cidade Líder. Uma área de aproximadamente vinte e
cinco mil metros quadrados que pertencia
ao IAPTEC (Instituto
de Aposentadoria e Pensões dos Estivadores e Transporte de Carga). Toda a sua
extensão era plantada com eucaliptos, e por isto ficou popularmente conhecida
com “Calipal”.
Calipal, quantas saudades guardo deste espaço, que
para nós crianças parecia tão imenso que seria impossível atravessá-lo de um
lado ao outro sem se perder ou correr grandes riscos de ser vitimado por uma
onça ou até mesmo um leão que os pais diziam existirem ali para que nós não nos
aventurássemos em suas profundezas.
O Calipal sempre foi o campo de batalhas das turmas
de garotos de diferentes vilas, pois nenhum moleque ousava lá entrar sozinho, e
as peregrinações por seu interior eram feitas em turmas. Quando as turmas se encontravam, a maior
tratava de fazer correr a menor e ali eram travadas grandes batalhas de
estilingue entre os garotos do Falcão do Morro, do Serrana e da AE Carvalho.
Dois córregos cortavam nossa floresta, o Areião e o
Pequeno. Areião pois a formação deste córrego era muito diferente dos demais,
ele tinha pouca profundidade , algo em torno de quinze centímetros porém com
largura de mais de cinco metros. Seu fundo por toda a extensão era formado por
um espessa camada de areia amarela que originou seu nome. Do Areião alguns moradores retiravam
diariamente dezenas de caminhões de areia apenas na base da pá. Entre eles
destacava-se o Dodô. Negro forte, corpo de halterofilista, corintiano roxo e o
melhor tocador de contra surdo da Escola de Samba do Falcão do Morro.
Embora maior, para esta narrativa o Córrego Pequeno
é mais importante, principalmente sua nascente.
Pontinha Preta, nome da nascente do Córrego Pequeno.
Local mágico que marcou a vida de todos os garotos de Itaquera e região que
viveram suas infâncias nesta época.
A Pontinha Preta, um pequeno lago de águas
cristalinas, pois era ali a nascente do córrego, foi nosso clube privado onde
todos nós aprendemos a mergulhar e a nadar, exatamente nesta ordem.
O nome Pontinha Preta foi dado em função de que o
fundo do lago era formado por argila negra, e ao primeiro mergulho suas águas
cristalinas tornavam-se turmas da cor de carvão.
Que delícia era nadar na Pontinha Preta e após
alguns mergulhos deitar no gramado que a margeava e curtir o sol batendo papo e
contando vantagem entre os garotos.
Em certa oportunidade fomos numa turma de uns cinco
garotos, lembro que lá estavam o Giba, o Clovis, o Alemão eu e mais alguém que
agora não me recordo. Era um dia de final de semana, provavelmente um domingo.
Todos nós tomávamos banho pelados, pois não poderíamos chegar em casa com roupa
molhada ou suja para não denunciarmos nossa façanha. Meu pai sorrateiramente
nos descobriu lá e tratou de apanhar todas as nossas roupas e levou para casa.
Os garotos imploraram para o seu Antônio devolver as roupas, mas não teve
jeito, ele as levou embora.
Bem já que havíamos sido descobertos e estávamos sem
roupa para ir para casa, só nos restou continuar nadando até o final do dia.
Ora de ir para casa. Como passar pelados por toda a
Vila Corberi. Logo iria escurecer e não tínhamos coragem de atravessar o
Calipal no escuro, pois os leões e Onças
atacavam durante a noite. A salvação
foram as Bananeiras do Brejo e suas belas e grandes folhas espalmadas. Cada
moleque arrancou duas ou três folhas de banana do brejo e com elas tapando a
frente e a traseira fomos embora sendo alvo de gozação por onde passávamos.
Ali pesquei o meu primeiro Lambari, com uma fará de
galho de eucalipto, linha de costura e anzol feito de alfinete de cabeça.
Muitas cobras habitavam a região para se alimentarem
das Rãs que lá viviam. Num final de tarde fui lá com meu sobrinho Rafael caçar
borboletas para a coleção que ele estava preparando para a feira de ciências do
Liceu Camilo Castelo Branco. Distraídas e olhando apenas para o alto a procura
das borboletas fomos surpreendidos pelo guizo de uma
enorme Cascavel que estava de espreita no trilho no meio do sapezal.
Foi um enorme susto, quase pisamos na baita. Ela
ergueu a cabeça para dar o bote no Rafael e sem pestanejar arriei o cabo do
coador de borboleta no meio da víbora.
Rafael não levou borboleta para a feira de ciências,
porém a cobra exposta em um grande vidro com formol foi o maior sucesso daquela
exposição.
No início da década de 70 teve início a construção
da primeira COHABE em Itaquera e nossa
floresta encantada foi derrubada para a construção dos apartamentos populares
entre Arthur Alvim e Itaquera e toda a área foi alvo de terraplanagem, sem a
preservação dos pequenos córregos e da Pontinha Preta.
Para atender ao crescimento da população de Itaquera
com transporte de qualidade ali passou a Radial Leste e foi construída a
Estação Coríntias do Metro. Em seguida Itaquera ganhou seu grande shoping que
também ali foi edificado.
A pedreira de Itaquera que deu nome ao bairro (pedra
dura) em Tupi Guarani, que forneceu as pedras para a construção da Catedral da
Sé, foi desativada e soterrada na mesma época.
Nos dias atuais tenho passado pelo local rodando sobre
as pistas da Radial Leste. Fica claro para mim que a área não era tão grande
assim. Que seus limites não eram tão distantes e inalcançáveis. Pude perceber
como é florida a imaginação das crianças. Como foi bom ser criança ali e
desfrutar daquele lugar.
Na semana passada parei bem em frente da obra do
Itaquerão e me permiti meditar sobre
como era o lugar antes. Olhei o entorno, a linha do trem, o Morro do Falcão,
consultei o meu “Google Maps” imaginário e tive certeza absoluta. O Centro do
Gramado do Itaquerão é exatamente no olho d’água da Pontinha Preta.
Agora por ali irão desfilar muitos Cobras, Peixes,
Gaviões, vindo de todas partes do mundo para brincar com o que mais gostamos,
jogar futebol nos gramados da Pontinha
Preta, quero dizer do Itaquerão.
Por Marcos Falcon
4 comentários:
Querido Falcon, que delicia foi ler essa sua gostosa narrativa sobre Itaquera, por que eu tive uma Tia chamada Laura e que morava em Guaianases, isso na década de 50 e eu ia nas ferias escolares para essa região,e juntamente com meus primos íamos pescar por aí, E isso tudo como um filme eu voltei a viver lendo seu saboroso texto, Parabéns pelo texto e pelo seu aniversário ocorrido na ultima terça feira dia 26-06 Milhões de felicidades.
Marcos, embora o texto tenha como assunto principal um tema que não me faz muito agrado (rsrsrsrs) achei fantástica a sua memória descritiva.
Será que você não tem algum parentesco com os Bandeirantes de antanho?
Este texto é um documento minucioso que servirá para apoio
de futuros geógrafos e historiadores.
Falcon, gratíssimo amigo, ausente por um bom tempo das nossas atrevidas narrativas. Eu, também, estou um pouco ausente.
Sua crônica de valor histórico, deixa de ser simplesmente um catalogo turístico pra se transformar num verdadeiro compendio extenssivo a estudantes de nivel superior, resultado de uma caprichosa escrita que leva a chancela "Marcos Falcon".
Parabéns, Marcos.
Laru.
Falcon!
Que delícia ter uma descrição tão detalhada quanto saborosa da geografia do local onde hoje se constrói o mais famoso estádio do estado. E para completar, a alegria das experiências infantís leva um pouco de sonho para o local, onde no futuro, tantos brasileiros deixarão os seus próprios sonhos! Grande texto!
Abraço.
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