Pois é,
nem tudo na vida são flores, nem tudo é alegria. Às vezes um acontecimento
desagradável também fica registrado em nossa memória e nunca mais é esquecido.
Um dos
momentos desagradáveis da minha existência estava efetivamente embotado nos
recônditos de minhas lembranças e, nesta semana, acometido de duas violentas e
dolorosas prisões de ventre, eu lembrei-me do ocorrido que agora passo a
narrar.
Ano de
1950, eu morava na Rua Augusta, 291 e como soe acontecer nos imóveis daquela época,
minha casa possuía um quintal exatamente do mesmo tamanho da área construída.
Esse
quintal era o meu grande reino. Ali eu brincava e realizava todos os meus
sonhos infantis. Nele, além do tanque de lavar roupas, tínhamos um pé de
goiabas vermelhas que ficava, anualmente, carregadinho dessas frutas
maravilhosas. Tínhamos também uma ameixeira de frutos saborosíssimos.
No fundo, antes do galinheiro que guardava
algumas galinhas poedeiras e um galo vermelho arisco e imponente, tínhamos um
canteiro de hortênsias azuladas, minhas flores prediletas.
Acontece
que eu, moleque como sempre, adorava comer as goiabinhas antes que elas
madurassem por completo.
Quem me
inibia de comê-las em demasia era minha Tia Neide, que me chamando de moleque
glutão não me dava muita folga para trepar na goiabeira e me fartar com as
frutas.
Um belo
dia -sempre tem um belo dia- saem às
compras minha mãe e minha tia. Eu, pequeno grande-chefe tomei posse da
situação. Fui para o quintal e senti minhas glândulas salivares totalmente aguçadas.
Corri para minha amiga goiabeira, fiz a inspeção de praxe para verificar se não
estava, também, carregadas das nada amistosas taturanas que eu tanto temia.
Certificada
a inexistência daquelas largatas-de-fogo subi na goiabeira e me fartei de goiabinhas
quase maduras. Na verdade, quase comi todas, porem um barulho estranho me
colocou em alerta e eu desci do pé de goiabas bem no momento em que minha mãe e
minha tia surgiam na porta da cozinha procurando pelo “anjinho”.
Fiz-me
presente e elas se aquietaram vendo que estava tudo na mais perfeita ordem.
Dois dias
depois dessa aventura, coitadas das minhas velhinhas, passaram a noite em
claro, desesperadas, tentando acalmar este que lhes narra a história, acometido
de violentas cólicas abdominais.
-Será
apendicite? -Meu Deus tomara que não supore. -Será que são vermes? -Pode ser
uma solitária gigante. -Tome mais um chazinho meu querido, tome tudo que essa
dor vai passar.
E a dor
não passava. Já lá se iam 24 horas de queixas e choros e nada da dor ter fim.
-Vamos
pedir para o “seu Flavio” (velho boticário e amigo de antigamente, tão ou mais
competente que um doutor) vir dar uma olhadinha.
Sugestão
feita e devidamente aceita.
Depois de
alguns tormentosos minutos, eis que chega o “seu Flavio”. Olha meu estado,
aperta minha barriga, e faz a pergunta fatal:
Meu
filho, o que você come?
-Nada,
disse eu. Nem ontem ou anteontem?
Com a voz
meio engasgada declarei como réu confesso: - Comi umas goiabinhas.
Levanta-se
o velho farmacêutico, vira-se para minha mãe e diz: Ele está entalado, prepara
uma jarra de água fervida que eu vou até a farmácia buscar uns apetrechos e
vamos lhe aplicar um “clister”.
Meio
apavorado com o diagnostico, fiquei na expectativa para ver o que iria
acontecer.
Volta seu
Flavio com uma caneca alta, totalmente esmaltada de branco, dela saia como se
fora um rabicho, um pedado de mangueira vermelha e fininha endo na ponta um
tipo de torneirinha preta.
Pega a
leiteira d’agua que minha mãe lhe oferece, enche o canecão, esgota dentro dele
o conteúdo de um vidrinho, manda que eu arreie as calças e levante as pernas.
Com muito medo obedeço as ordens e ele, sem qualquer piedade aproxima aquela
torneirinha do meu frágil anus enterra-a e abre a torneirinha.
Sinto-me
invadido por um rio de água morna. Ponho-me a chorar e poucos minutos depois
seu Flavio retira aquele instrumento torturador das minhas entranhas.
Agora,
nem o alivio da retirada do instrumento me acalenta pois num acesso
incontrolável solto uma torrente de fezes recheadas de caroços de goiaba.
Lição
aprendida, nunca mais me arvorei a comer tantas goiabas.
Esta
semana, com meus acessos de prisão de ventre, lembrei-me do seu Flavio e,
confesso, rezei para que na me fosse aplicado, de novo, aquele tratamento.
Graças a
Deus não foi preciso.
Que desagradável memória!
Por
Miguel Chammas
11 comentários:
PUXA MIGUEL, FICO FELIZ POR VOCÊ TER SIDO OBRIGADO A USAR AQUELA TORNEIRINHA E SEU RESPECTIVO CABEÇOTE E NÃO TER GOSTADO E MUITO MENOS SE ACOSTUMADO, SE NÃO, HOJE EM DIA...VOCÊ ENTRARIA EM ESTADO DE COMA-ME. MAS MUDANDO DE ASSUNTO VOCÊ TEM CERTEZA QUE FOI GOIABA? A SEMENTE QUE EU SEMPRE SOUBE QUE COSTUMA ENTALAR ASSIM, É DA JABUTICABA.
ESPERO QUE ISSO JAMAIS VOLTE A ACONTECER EM SUA VIDA NOVAMENTE, PRINCIPALMENTE SE A FRUTA ESCOLHIDA FOR... A B A C A T E. QUE POR SINAL
TEM UM CAROÇO POUCO APRECIADO, POIS SEU TAMANHO DESAMIMA QUALQUER TENTATIVA TRESLOUCADA,DE TENTAR SE ENTUPIR, DESCULPE A BRINCADEIRINHA,MAS DEPOIS DA VIRADA CORINTIANA, NÃO RESISTI A TENTAÇÃO DE IMAGINA-LO ENTALADO, E DEVIDAMENTE ENGATADO NA PONTA DA FAMOSA TORNEIRINHA VERMELHA DE PLASTICO PRETO, LIGADO A JARRA BRANCA, OU SEJA... TRICOLOR, TUDO A VER, NÃO É MESMOOOOO, CRUZES
Oieeeeeee...
Sempre guloso, né?! Viu só no que deu?
Mas, ainda bem que tudo terminou bem e ainda aprendeu a lição.
Valeu!
Muita paz! Beijosssssss
A propósito: Vai uma goiaba aí??? kkkkkk
Grande Miguel, "'tá tudo nos conformis? Nenhum 'pobrema' com o trânsito intestinal? Seu sigmóide está em ordem? Ampola retal idem na mesma data? Nenhuma sequela? Quanto ao ânimo: Anda chorando sem motivo? Passa horas meditabundo? (epa!)Não sabe?
Foi bom vc se abrir (opa!), a tendência agora é esse episódio desagradável ir se apagando de sua mente; creio que em 40 ou 50 anos vc nem vai se lembrar mais do infausto acontecimento...
Abraço do Ignacio, aquele que, qual Fenix, resurgiu das cinzas.
Miguel,que exagerado você foi! Goiaba é muito bom, mas em excesso com certeza faz mal. Ainda bem que fizeram o procedimento de lavagem intestinal e acabou tudo bem, de lição vivenciada e aprendida. Um grande beijo pra vocês.
É assim mesmo, Miguel, esse clister que vc "tomou" na minha casa meus pais chamavam de "pombeta". Como eram muitos filhos, o congestoneamento anal era corriqueiro. Tinhamos a "bombinha" de prontidão. Uma vez fui ao médico por causa do intistino preso e ele pediu um exame de fezes. Eu respondi, onde vou arrumar o "material". Ele respondeu, faça um cristel. Eu ja tinha 18 anos... Mas chega de papo perfumado. Vc melhorou, depois?
Parabéns, Miguel, texto bem perfumado, parabéns.
Laru
Oh, Miguel, como faz falta uma simples vírgula. Depois do "tomou" vai uma vírgula. Desculpe.
Laru
E o certo é: "Congestionamento"
(A vechiaia é bruta)
Laru
Ahahahahahahaaaaaaaa!!!
Aqui vai o ditado da minha avó, no momento em que me aplicavam um Enema, depois de eu comer toneladas de jabuticabas (Casca, polpa e sementes):
"Passarinho que come pedra sabe o c... que tem"!
Pois é. Eu sou um passarinho que não come pedra!!!
Ahahahahahahaaaaaaaaaaaa!
Jabuticabas e goiabeiras eram a minha perdição.
Além dos "entupimentos" levei queimadas das graciosas e gordas taturanas.
Ficava p...da vida quando encontrava "bigatos" (bicho) na goiaba! Havia época que a goiabeira dava só fruto bichado. Era uma mão-de-obra tirá-los.
Pois, como dizia o meu "nonno", pior do que encontrar um bicho na goiaba é encontrar o bicho pela metade... Ahahahahaaaaaaaaa!
Valeu pela sua lembrança que, além de divertida, reativou as minhas velhas lembranças.
Abração,
Natale
É caro Miguel, ainda bem que a torneirinha era das pequenas, abraços, Nelinho.-
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Miguel!
Eu já havia visto essa coisinha estampada lá no início do texto. E também já havia ouvido e até lido sobre o tal do "clister", mas graças a Deus, jamais precisei experimentar... hehehe.
Ainda bem que você, bonachão e bem humorado, leva tudo para o lado do humor e guarda esse tipo de experiência como algo do passado, que até vale a pena lembrar... e ainda rir do susto.
Abração
.
Oi, Miguel,
Em casa tinha goiabeira, jabuticabeira e a frase "tem que fazer lavagem". Só de pensar nisso, a dor de barriga, às vezes inventada para ganhar um "colinho", passava na hora. Mas a boa lembrança, o que ficou realmente na memória eram a goiabeira, a parreira, a jabuticabeira e também a moite de hortênsias azuis. Casas antigas, São Paulo de outrora.
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