terça-feira, 27 de março de 2012

Memórias desagradáveis


Pois é, nem tudo na vida são flores, nem tudo é alegria. Às vezes um acontecimento desagradável também fica registrado em nossa memória e nunca mais é esquecido.
Um dos momentos desagradáveis da minha existência estava efetivamente embotado nos recônditos de minhas lembranças e, nesta semana, acometido de duas violentas e dolorosas prisões de ventre, eu lembrei-me do ocorrido que agora passo a narrar.
Ano de 1950, eu morava na Rua Augusta, 291 e como soe acontecer nos imóveis daquela época, minha casa possuía um quintal exatamente do mesmo tamanho da área construída.
Esse quintal era o meu grande reino. Ali eu brincava e realizava todos os meus sonhos infantis. Nele, além do tanque de lavar roupas, tínhamos um pé de goiabas vermelhas que ficava, anualmente, carregadinho dessas frutas maravilhosas. Tínhamos também uma ameixeira de frutos saborosíssimos.
No fundo, antes do galinheiro que guardava algumas galinhas poedeiras e um galo vermelho arisco e imponente, tínhamos um canteiro de hortênsias azuladas, minhas flores prediletas.
Acontece que eu, moleque como sempre, adorava comer as goiabinhas antes que elas madurassem por completo.
Quem me inibia de comê-las em demasia era minha Tia Neide, que me chamando de moleque glutão não me dava muita folga para trepar na goiabeira e me fartar com as frutas.
Um belo dia -sempre tem um belo dia-  saem às compras minha mãe e minha tia. Eu, pequeno grande-chefe tomei posse da situação. Fui para o quintal e senti minhas glândulas salivares totalmente aguçadas. Corri para minha amiga goiabeira, fiz a inspeção de praxe para verificar se não estava, também, carregadas das nada amistosas taturanas que eu tanto temia.
Certificada a inexistência daquelas largatas-de-fogo subi na goiabeira e me fartei de goiabinhas quase maduras. Na verdade, quase comi todas, porem um barulho estranho me colocou em alerta e eu desci do pé de goiabas bem no momento em que minha mãe e minha tia surgiam na porta da cozinha procurando pelo “anjinho”.
Fiz-me presente e elas se aquietaram vendo que estava tudo na mais perfeita ordem.
Dois dias depois dessa aventura, coitadas das minhas velhinhas, passaram a noite em claro, desesperadas, tentando acalmar este que lhes narra a história, acometido de violentas cólicas abdominais.
-Será apendicite? -Meu Deus tomara que não supore. -Será que são vermes? -Pode ser uma solitária gigante. -Tome mais um chazinho meu querido, tome tudo que essa dor vai passar.
E a dor não passava. Já lá se iam 24 horas de queixas e choros e nada da dor ter fim.
-Vamos pedir para o “seu Flavio” (velho boticário e amigo de antigamente, tão ou mais competente que um doutor) vir dar uma olhadinha.
Sugestão feita e devidamente aceita.
Depois de alguns tormentosos minutos, eis que chega o “seu Flavio”. Olha meu estado, aperta minha barriga, e faz a pergunta fatal:
Meu filho, o que você come?
-Nada, disse eu. Nem ontem ou anteontem?
Com a voz meio engasgada declarei como réu confesso: - Comi umas goiabinhas.
Levanta-se o velho farmacêutico, vira-se para minha mãe e diz: Ele está entalado, prepara uma jarra de água fervida que eu vou até a farmácia buscar uns apetrechos e vamos lhe aplicar um “clister”.
Meio apavorado com o diagnostico, fiquei na expectativa para ver o que iria acontecer.
Volta seu Flavio com uma caneca alta, totalmente esmaltada de branco, dela saia como se fora um rabicho, um pedado de mangueira vermelha e fininha endo na ponta um tipo de torneirinha preta.
Pega a leiteira d’agua que minha mãe lhe oferece, enche o canecão, esgota dentro dele o conteúdo de um vidrinho, manda que eu arreie as calças e levante as pernas. Com muito medo obedeço as ordens e ele, sem qualquer piedade aproxima aquela torneirinha do meu frágil anus enterra-a e abre a torneirinha.
Sinto-me invadido por um rio de água morna. Ponho-me a chorar e poucos minutos depois seu Flavio retira aquele instrumento torturador das minhas entranhas.
Agora, nem o alivio da retirada do instrumento me acalenta pois num acesso incontrolável solto uma torrente de fezes recheadas de caroços de goiaba.
Lição aprendida, nunca mais me arvorei a comer tantas goiabas.
Esta semana, com meus acessos de prisão de ventre, lembrei-me do seu Flavio e, confesso, rezei para que na me fosse aplicado, de novo, aquele tratamento.
Graças a Deus não foi preciso.
Que  desagradável memória!
Por Miguel Chammas

11 comentários:

ARTHUR MIRANDA disse...

PUXA MIGUEL, FICO FELIZ POR VOCÊ TER SIDO OBRIGADO A USAR AQUELA TORNEIRINHA E SEU RESPECTIVO CABEÇOTE E NÃO TER GOSTADO E MUITO MENOS SE ACOSTUMADO, SE NÃO, HOJE EM DIA...VOCÊ ENTRARIA EM ESTADO DE COMA-ME. MAS MUDANDO DE ASSUNTO VOCÊ TEM CERTEZA QUE FOI GOIABA? A SEMENTE QUE EU SEMPRE SOUBE QUE COSTUMA ENTALAR ASSIM, É DA JABUTICABA.
ESPERO QUE ISSO JAMAIS VOLTE A ACONTECER EM SUA VIDA NOVAMENTE, PRINCIPALMENTE SE A FRUTA ESCOLHIDA FOR... A B A C A T E. QUE POR SINAL
TEM UM CAROÇO POUCO APRECIADO, POIS SEU TAMANHO DESAMIMA QUALQUER TENTATIVA TRESLOUCADA,DE TENTAR SE ENTUPIR, DESCULPE A BRINCADEIRINHA,MAS DEPOIS DA VIRADA CORINTIANA, NÃO RESISTI A TENTAÇÃO DE IMAGINA-LO ENTALADO, E DEVIDAMENTE ENGATADO NA PONTA DA FAMOSA TORNEIRINHA VERMELHA DE PLASTICO PRETO, LIGADO A JARRA BRANCA, OU SEJA... TRICOLOR, TUDO A VER, NÃO É MESMOOOOO, CRUZES

Soninha disse...

Oieeeeeee...

Sempre guloso, né?! Viu só no que deu?
Mas, ainda bem que tudo terminou bem e ainda aprendeu a lição.
Valeu!
Muita paz! Beijosssssss

A propósito: Vai uma goiaba aí??? kkkkkk

joaquim ignacio disse...

Grande Miguel, "'tá tudo nos conformis? Nenhum 'pobrema' com o trânsito intestinal? Seu sigmóide está em ordem? Ampola retal idem na mesma data? Nenhuma sequela? Quanto ao ânimo: Anda chorando sem motivo? Passa horas meditabundo? (epa!)Não sabe?
Foi bom vc se abrir (opa!), a tendência agora é esse episódio desagradável ir se apagando de sua mente; creio que em 40 ou 50 anos vc nem vai se lembrar mais do infausto acontecimento...
Abraço do Ignacio, aquele que, qual Fenix, resurgiu das cinzas.

margarida disse...

Miguel,que exagerado você foi! Goiaba é muito bom, mas em excesso com certeza faz mal. Ainda bem que fizeram o procedimento de lavagem intestinal e acabou tudo bem, de lição vivenciada e aprendida. Um grande beijo pra vocês.

Laru disse...

É assim mesmo, Miguel, esse clister que vc "tomou" na minha casa meus pais chamavam de "pombeta". Como eram muitos filhos, o congestoneamento anal era corriqueiro. Tinhamos a "bombinha" de prontidão. Uma vez fui ao médico por causa do intistino preso e ele pediu um exame de fezes. Eu respondi, onde vou arrumar o "material". Ele respondeu, faça um cristel. Eu ja tinha 18 anos... Mas chega de papo perfumado. Vc melhorou, depois?
Parabéns, Miguel, texto bem perfumado, parabéns.
Laru

Laru disse...

Oh, Miguel, como faz falta uma simples vírgula. Depois do "tomou" vai uma vírgula. Desculpe.
Laru

Laru disse...

E o certo é: "Congestionamento"
(A vechiaia é bruta)
Laru

Wilson Natale disse...

Ahahahahahahaaaaaaaa!!!
Aqui vai o ditado da minha avó, no momento em que me aplicavam um Enema, depois de eu comer toneladas de jabuticabas (Casca, polpa e sementes):
"Passarinho que come pedra sabe o c... que tem"!
Pois é. Eu sou um passarinho que não come pedra!!!
Ahahahahahahaaaaaaaaaaaa!
Jabuticabas e goiabeiras eram a minha perdição.
Além dos "entupimentos" levei queimadas das graciosas e gordas taturanas.
Ficava p...da vida quando encontrava "bigatos" (bicho) na goiaba! Havia época que a goiabeira dava só fruto bichado. Era uma mão-de-obra tirá-los.
Pois, como dizia o meu "nonno", pior do que encontrar um bicho na goiaba é encontrar o bicho pela metade... Ahahahahaaaaaaaaa!
Valeu pela sua lembrança que, além de divertida, reativou as minhas velhas lembranças.
Abração,
Natale

Leonello Tesser (Nelinho) disse...

É caro Miguel, ainda bem que a torneirinha era das pequenas, abraços, Nelinho.-

Zeca disse...

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Miguel!

Eu já havia visto essa coisinha estampada lá no início do texto. E também já havia ouvido e até lido sobre o tal do "clister", mas graças a Deus, jamais precisei experimentar... hehehe.
Ainda bem que você, bonachão e bem humorado, leva tudo para o lado do humor e guarda esse tipo de experiência como algo do passado, que até vale a pena lembrar... e ainda rir do susto.

Abração

.

Teresa disse...

Oi, Miguel,
Em casa tinha goiabeira, jabuticabeira e a frase "tem que fazer lavagem". Só de pensar nisso, a dor de barriga, às vezes inventada para ganhar um "colinho", passava na hora. Mas a boa lembrança, o que ficou realmente na memória eram a goiabeira, a parreira, a jabuticabeira e também a moite de hortênsias azuis. Casas antigas, São Paulo de outrora.