Somos pessoas modestas, não se importando muito com a pompa e a
circunstância. Também nunca fui muito chegado a religiões, portanto muito me
surpreendeu- e a todos nós- a visita de Sua Eminência ao nosso jardim, de nossa
casa no Brooklin.
Um
Cardeal, a cabecinha vermelha contrastando com o branco do corpo e o escuro das
asas. Estamos acostumados com a visita diária de pássaros. Como deixamos sempre
uma tigela de frutas suspensa no ipê, e uma travessa de quirera no chão para as
rolinhas, temos sempre um festival matinal de aves disputando a comida.
Cambacicas, sabiás- agora mesmo apareceu uma mãe sabiá com dois
filhotes-sanhaços, bentevís, rolinhas, periquitos em grande número.
Uma
vez apareceu até um canário belga. Escrevi sobre ele. Mansinho, fugido de
alguma gaiola, deixou-se apanhar e soltou por dias seu deslumbrante trinado
pela casa toda, antes que o doássemos para uma instituição protetora.
Nosso
Cardeal- acho que já posso chamá-lo assim, pois há dois dias que nos dá a honra
de sua augusta presença no jardim, disputando pacificamente a comida com
os outros pássaros- também parece ter fugido de gaiola, pois nunca havia visto
um neste bairro, pródigo em espécimes voadores, incluindo joãos de barro, pica
paus e outros. Mas de bobo nada tem, e tem se virado muito bem sozinho.
Pois
que seja abençoada- e que ele também possa nos abençoar, com sua autoridade
clerical- sua estadia nesta casa, à qual parece ter se afeiçoado. Como o sabiá
Plínio, o Jovem-pois era só um filhote grudado às penas da mãe, quando apareceu
aqui pela primeira vez, e creio, nunca deixou de frequentar nosso ipê. Olhai as
aves do céu, que não plantam nem colhem, mas com sua presença vêm trazer um
pouco mais de alegria e esperança em nossas vidas.
Por Luiz Saidenberg