sábado, 1 de março de 2014

Casos do passado



Era muito trabalho para Dona Linda, minha mãe, por esta razão a tia Maria, que morava no Jardim Penha, estava sempre em casa para ajudá-la a cuidar dos seus nove filhos. Morávamos na Rua Antônio Lobo, no bairro da Penha de França, e minha mãe não dava conta de lavar, passar, cozinhar, limpar e tantas outras atividades que uma família grande como a minha precisava, ainda bem que esta tia podia ajudá-la a tomar conta do pequeno batalhão. Claro que meu pai havia combinado um salário, a condução e outras coisas que ela viesse a precisar, afinal de contas, tínhamos seu carinho com muita exclusividade.
Elas conversavam muito, minha mãe e a tia Maria que estava sempre alegre a nos ajudar em tudo que precisávamos.  Muitas vezes eu as via conversando baixinho, mas eu estava sempre atenta nestas conversas que certamente minha mãe não queria que escutássemos.
Certa vez, ouvi em uma destas conversas que uma vizinha apanhava constantemente de seu marido. Eram surras que judiavam e marcavam física e moralmente esta mulher. Isso acontecia porque ele parava em um bar para beber uma birita após o trabalho, mas acabava bebendo em excesso. Depois, ele descia a nossa rua cambaleando e as paredes das casas funcionavam como guia e apoio ao mesmo tempo. Alterado pelo álcool e já em casa, falava mal, batia em sua mulher e, depois da discussão, ainda jogava com desprezo o prato de comida que com certeza era feito com carinho, no chão.
Depois de um tempo, quando estávamos maiores, minha mãe acabou nos contando casos que haviam acontecido no passado com algumas mulheres que moravam na redondeza e dois deles ficaram retidos em minha memória. No primeiro, a mulher levou tantos chutes de seu marido nas costas que acabou com um rim danificado que precisou ser retirado. O segundo caso foi o de uma mulher que sofria maus tratos e que, para piorar a situação, acabou pegando tuberculose, então seu marido a abandonou levando sua única filha. Depois de um tempo, essa mulher sem tratamento algum, sem recurso e na miséria, acabou morrendo. Esta mulher chamava-se Ana; nunca esqueci seu nome. As lágrimas sempre marejavam os olhos de minha saudosa mãe quando comentava sobre este fato.
Outro caso era o da mulher de um advogado que era mantida presa em sua própria casa. Ela saía raramente e apenas na companhia de seu marido e nunca cumprimentava as pessoas, pois seu olhar era fixo no chão, acho que por ordem de seu marido. Ela tinha uma aparência muito estranha apresentando certa palidez. Os cabelos pretos eram presos e cobertos por uma tela e suas roupas eram sempre escuras com mangas e saias longas, chegava assustar a todos.
Naquele tempo, as mulheres eram usadas para o trabalho doméstico ou então para trabalhos de baixo escalão e sem segurança alguma quando precisavam ajudar no sustento da família. Totalmente desprotegidas e sem leis que as amparassem, não tinham muita saída a não ser aguentar tudo isso.
Todos estes casos contados pela minha mãe eram, na verdade, o produto de uma sociedade machista e que desvalorizava descaradamente a mulher.
Graças à união de muitas mulheres e muita persistência as nuvens negras foram-se diluindo e, aos poucos, foi surgindo uma nova sociedade, transformada com o decorrer da história e que hoje reconhece, dignamente, a mulher como a grande doutora nos diversos setores da vida e da nossa sociedade. O respeito aos seus direitos, ao seu trabalho e a sua vida ganharam um enorme espaço.
Hoje presto uma homenagem em especial àquelas mulheres que sofreram e lutaram por uma vida melhor e mais digna e que hoje já não se encontram mais aqui.
Aproveito para estender os parabéns àquela mulher que não foge a luta, não tem medo de assombração, nem de escuridão. Àquela de sabedoria única, de força, de paciência grandiosa e que não teme esconder sua afetividade que flui livremente dentro da sua alma.
O dia que foi dedicado à mulher é um marco de muita tristeza, mas que reflete a nossa maior alegria pelo espaço ganho e que foi construído ao longo de tantos anos.
Um abraço com carinho a todas as mulheres da cidade de São Paulo.





Por Margarida Peramezza

15 comentários:

Soninha disse...

Olá, Margarida!

Lindo texto.
A mulher, efetivamente é a mais bela criação de Deus. Sem falsa modéstia. Não precisamos disto.
Dá a luz a todos, homens e mulheres... Suporta todo o tipo de discriminação e nunca deixa de cumprir seu papel por conta disso. Seus vida é pautada na resignação, na luta, no amor... Por isso, merecidamente conquistou seu lugar na sociedade e, acredito, ainda dominará o mundo... la la la la la la la
Muita paz! Beijosssss

Miguel S. G. Chammas disse...

Salve a MULHER!
Eu, confesso,já tive meus dias de machista inveterado. Olhava a mulher como um objeto de prazer ou como prestadora de serviços domésticos ou afins.
Um dia a ficha caiu. Foi minha mãe quem, com seus desgostos,me mostrou o valor das mulheres.
Assim, constitui familia, tive minha vida povoada de novas mulheres, minhas filhas, e as amei com fervor.
Achei, um dia mais tarde, outra mulher que veio me dar apoio e carinho quando eu mais precisava.
Rendo a todas as "minhas" mulheres e a tidas as demais mulheres da terra, minha mais respeitosa homenagem.
Com certeza, a vida irá melhorar, cada vez mais com o comando dessas deusas!

Wilson Natale disse...

PERAMEZZA; Ótimo texto e perturbadoras lembranças. Perturbadoras porque acontece hoje em dia. E com uma violência maior.
Um dia, os homens vão entender; as mulheres vão ensinar aos filhos a respeitarem as mulheres.
Apredi cedo, com a minha avó que,tanto a mulher como ohomem, não foram feitos para andar um atrás, ou na frente do outro, mas juntos. aparando um ao outro,pela vida a fora.
Abração,
Natale

margarida disse...

Soninha, com certeza a mulher mereceu todas suas conquistas.Muito obrigada pelo seu comentário, beijos

margarida disse...

Miguel, ainda bem que você mudou e aprendeu a lição. Viva as mulheres!Obrigada pelo comentário e um grande abraço.

margarida disse...

Natale,uma pena tudo isso acontecer ainda.Eu também aprendi assim, homem e mulher tem que andar de mãos dadas e o respeito entre eles deve existir sempre.Muito obrigada pelo comentário e um grande abraço.

Modesto disse...

Vc nunca viu ou ouviu alguém falar: "Alí vai o homem que leva surra todos os dias da mulher", sabe por que? porque não existe. A covardia em bater em mulheres deveria ser penalizado como "crime ediôndo", tamanho é o gesto sujo, torpe, medonho, pavoroso que esse jesto representa.
Marga, sua crônica está formidável, a mulher realmente está sendo aquilo que sempre foi: superior ao homem, que usa de sua capacidade física afim de subjugar alguém que ele tem receio. Parabéns, Margarida.
Modesto

Anônimo disse...

Marga, minha querida, infeizmente a nossa alma dói prá valer com os casos relatados como este. Mas estamos na caminhada. Firmes e de cabeça erguida. Parabéns pelo seu, pelo nosso dia e muitas conquistas faremos, com certeza. Conquistas para o bem de todos. Um beijo. Vera Moratta.

margarida disse...

Modesto, só tenho que agradecer seu comentário.Muito obrigada e um grande abraço.

margarida disse...

Vera,vamos sim estar sempre firme e de cabeça erguida. Muito obrigada pelo comentário e um grande beijo amiga.

leonello Tesser (Nelinho) disse...

Margarida, mulher deve "apanhar" sim! levar uma "surra" de ardentes beijos e sofrer no corpo os fortes laços de um abraço fraternal, eis a minha opinião, aabraços, Nelinho.

margarida disse...

Muito suave essa surra, Nelinho, adorei! Um abraço e obrigada pelo comentário.

margarida disse...

Muito suave essa surra, Nelinho, adorei! Um abraço e obrigada pelo comentário.

Falcon disse...

Mulher guerria de jornada dupla ou tripla, que não faz careta par a dor e que sempre sorri para um filho
Parabéns Margarida e mulheres

margarida disse...

Falcon, obrigada amigo. Vamos nos encontrar nas redondas que o Miguel está organizando. Um abraço.